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5 SEXUALIDADE E GÊNERO: AS BASES TEÓRICAS PARA EXPLICAR A

6.2 Identidade de gênero e a transgeneridade

Após a conceituação de identidade é preciso compreender o significado de identidade de gênero. A designação ―identidade de gênero‖ foi criada, em 1964, pelo pesquisador americano Robert Stoller274. Ele estudou inúmeros casos de indivíduos considerados em sua época como ―hermafroditas‖275

ou com os genitais escondidos e que, por equívoco, tinham sido enquadrados com o gênero oposto ao de seu sexo

273

LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo

educado: pedagogias da sexualidade. 3 ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica,

2010, pp. 15-16. 274

COSTA, Ronaldo Pamplona. Os onze sexos: as múltiplas faces da sexualidade humana. São Paulo: Editora Gente, 1994, p.11.

275 A nomenclatura ―intersexuado‖ é recomendada para denominar seres humanos que nascem com variações nas suas características sexuais, tais como nas gônadas, cromossomos e órgãos sexuais, as quais dificultam a identificação dos indivíduos em femininos ou masculinos. Há uma intensa campanha para que os indivíduos intersexuais não sofram, logo ao nascer, cirurgia para a eliminação de órgão sexual, uma vez que a escolha sobre o gênero recai unicamente a médicos e familiares e não ao próprio indivíduo.

biológico. O referido pesquisador conclui que é "mais fácil mudar o sexo biológico do que o gênero de uma pessoa"276.

Atualmente, identidade de gênero concerne ao sentimento pessoal de um ser humano se perceber como homem, como mulher, com as duas coisas ao mesmo tempo ou com nenhuma delas. A pessoa se identifica, na verdade, com os ―modelos de gênero‖ estabelecidos pela sociedade. É assim, conforme Letícia Lanz:

[...] um auto-conceito que cada indivíduo faz de si mesmo como masculino ou feminino, baseado em um número muito maior de variáveis do que apenas o seu sexo biológico real. A identidade de gênero funciona como um ―mapa interno‖ que informa a cada um de nós que tipo de pessoa a gente efetivamente acha que é, a despeito do enquadramento de gênero que nos foi dado ao nascer277.

Na tentativa de enquadrar todas as identidades de gênero consideradas divergentes, quais sejam, as que apresentam desvio em relação às normas de conduta do dispositivo binário de gênero mulher-homem, foi adotado o termo ―transgênero‖ (Trans), que funciona como uma espécie de ―guarda-chuva‖ para abrigar todas essas identidades (como travestis278, andróginos279, transexuais, crossdresser280, drag queen281, intersexuados e etc.).

Conforme Letícia Lanz, transgênero:

Refere-se a todo tipo de pessoa envolvida em atividades que cruzam as fronteiras socialmente aceitas no que diz respeito à conduta de gênero. O termo transgênero busca cobrir um amplo espectro de

276

STOLLER, Robert. Recherches sur l’Identité Sexuelle. Paris: Gallimard, 1978 (tradução de ―Sex

and Gender‖, cuja primeira edição é de 1968) apud GROSSI, Miriam Pillar, op. cit., p. 8. 277

LANZ, Letícia. Identidade de gênero. Disponível em: <http://www.leticialanz.org/identidade-de- genero/>. Acesso em 20 de novembro de 2014.

278 ―Independentemente de sexo ou gênero, e definido de maneira ampla, travesti é qualquer pessoa que se apresenta socialmente usando roupas e adereços culturalmente definidos como de uso próprio do sexo oposto‖. (LANZ, Letícia. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. f. 342. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Setor de Ciência Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p.338.) 279 ―Indivíduo que apresenta, simultaneamente, características físicas e comportamentos de homem e de mulher, obscurecendo ou eliminando, por assim dizer, a rígida divisão social existente entre o gênero masculino e o gênero feminino‖ (Ibidem, p. 291).

280 ―O crossdresser típico é um caso muito especial de transgeneridade, caracterizado tanto pela exagerada preocupação em não se revelarem publicamente quanto pela vergonha e culpa que carregam no ato de se travestir. [...] Aliás, a maioria dos CDs se declaram machos heterossexuais e, no máximo, bissexuais, fazendo questão se sublinhar que praticamente inexistem indivíduos homossexuais entre eles. Embora não haja estatísticas precisas, os crossdressers devem ser, de longe, o subgrupo mais populoso do universo transgênero‖ (Ibidem, p.297).

281 ―No universo transgênero, as drag queens destacam-se pelo modo over (exagerado) com que representam o gênero feminino, mostrando em público uma figura de mulher muito mais ‗caricatura‘ do que propriamente ‗feminina‘. [...]Com orientação sexual predominantemente homossexual (ao contrário das crossdressers e das travestis), as drag queens caracteristicamente se travestem somente para a realização de shows e apresentações em boates e bares GLSTB, onde também atuam geralmente como recepcionistas‖ (Ibidem, p.301).

comportamentos considerados transgressivos à disciplina imposta pelo dispositivo binário de gênero, que vão desde a simples curiosidade de experimentar roupas/calçados/adereços próprios do outro gênero até a firme determinação de realizar mudanças físicas através do uso de hormônios e cirurgias. O termo transgênero vem sendo utilizado para classificar as pessoas que, de alguma forma, não podem ser socialmente reconhecidas nem como ―homem‖, nem como ―mulher‖, pois o seu ―sexo social‖ não se enquadra em nenhuma das duas categorias disponíveis, que são masculino e feminino.[...] A rigor, todas as letras do grupo LGB (gays, lésbicas e bissexuais) poderiam constituir subgrupos dentro do universo transgênero. Todos, voluntária ou involuntariamente, transgridem regras de conduta de gênero, todos pagam o preço social por isso e todos, de alguma forma sonham em ver revogados os dispositivos de gênero que os colocam à margem do convívio social considerado ―normal‖. 282

Transgêneras283 seriam, portanto, as pessoas que não estariam ajustadas às duas únicas categorias oficiais de gêneros instituídas socialmente: mulher e homem. Elas transgridem as normas do sistema binário de gênero, único considerado ―inteligível‖. Em razão disso, são incompreendidas, estigmatizadas, excluídas, associadas à promiscuidade, à perversão e invisibilizadas pela sociedade.

A seguir, será desenvolvido tópico sobre a transexualidade, expressão da identidade de gênero, ainda pouco compreendida na área jurídica e, por isso, excluída dos estudos na área do Direito do Trabalho.