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8 OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA ALÉM DA CULTURA E PODER NAS

9.2 A supremacia da constituição e os princípios de combate à discriminação por

9.2.1 O princípio da igualdade e da proteção no direito do trabalho

A Constituição brasileira de 1988, em art. 3º, IV, aduz que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é ―promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖. No caput do tão invocado art. 5º afirma que todos ―são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [..]‖. No art. 7º, XXX, ainda, proíbe-se a ―diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil‖.

O Estado brasileiro, portanto, consagrou o princípio da igualdade. Sabe-se que no Estado Liberal a igualdade era meramente formal, ou seja, perante a lei. Embora essa concepção tivesse sido extremamente relevante naquele momento, não pode resistir aos novos ditames do Estado Social, que passou a exigir uma igualdade material, ligada, primeiramente, a critérios socioeconômicos, e, em uma

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Para maiores estudos sobre a normatividade dos princípios, consultar: DWORKIN, Ronald.

Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002; ALEXY,

Robert. Tres escritos sobre los direitos fundamentales y la teoria de los principios. Trad. Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003; BARROSO, Luís Roberto.

segunda fase, relacionada ao reconhecimento das diferenças de raça, geração, orientação sexual e identidade de gênero, dentre outros.

A igualdade não exclui a diferença, porque essa existe e sempre existirá, como manifestação da própria humanidade. O que a igualdade prevê então é o respeito a essa diferença, proibindo a discriminação. Para Boaventura de Sousa Santos, ―temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza‖.378

Roger Raupp acrescenta que a igualdade tem um caráter relacional, pois ―esta formulação expressa a compreensão da igualdade enquanto direito fundamental de receber igual tratamento àquele dirigido a quem estiver em situação semelhante, assim como a proibição de arbitrariedade na instituição de tratamentos desiguais‖379

. Portanto, o caráter relacional comporta juízos comparativos, como se houvesse situações de normalidade e de anormalidade. Assim, as pessoas tratariam de forma desigual os transgêneros, porque estes não estariam enquadrados nos critérios da normalidade, quando se pensa em gênero, por exemplo.

O Direito do Trabalho, como um Direito Social, busca diminuir as desigualdades inerentes a relação jurídica que se estabelece. Desse modo, o Princípio da Proteção, base axiológica fundamental do Direito do Trabalho, visa a proteger o trabalhador, no intuito de diminuir a desigualdade inevitável de uma relação do trabalho.

Para Everaldo Gaspar, o princípio tradicional da proteção, associado exclusivamente às relações individuais do trabalho, surgiu a partir do século XIX e se afirmou na era do Estado do Bem-Estar Social e do Pleno Emprego, assim como foi incorporado pela Organização Internacional do Trabalho e os Estados ditos como democráticos.380

Contudo, fundamentando-se no binômio burguesia X proletariado, no modelo de sociedade capitalista industrial e na proteção do trabalho dever, a Teoria Jurídica Trabalhista Clássica acabou por reduzir o ―Direito do Trabalho a um conjunto de

378

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 458.

379

RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 94.

380

ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. Princípios de Direito do Trabalho: Fundamentos teórico- filosóficos. São Paulo: LTr, 2008, p. 216.

princípios e regras dirigidas ao trabalho subordinado, dependente, por conta alheia‖381

. Essa conceituação, entretanto, abarca apenas o setor formal-regulado, excluindo o setor informal, por exemplo, isto é, ausente de regulamentação e, consequentemente, afastando-o das regras de proteção do Direito do Trabalho.

Nesse contexto, Gaspar propõe que:

Um verdadeiro Princípio da Proteção Social deve surgir da força das organizações coletivas e de uma proposta econômica adaptada à sociedade pós-industrial, a fim de atender indistintamente a todos os cidadãos que vivem ou pretendem viver de uma renda ou de um trabalho dignos, sobretudo do trabalho livre.382

Ricardo Tenório entende que o princípio da proteção à pessoa-que- trabalha383 é a norma de tutela do trabalhador mais importante, eis que amalgama todas as regras e princípios de amparo ao trabalhador, sendo emanado das normas constitucionais de direitos fundamentais dos trabalhadores, das normas que atribuem primado ao trabalho ou apenas do princípio da dignidade humana. Acrescenta que:

A aplicação do princípio da proteção, assim, deverá ser feita não na base do ´tudo ou nada´, à maneira das regras, mas através do procedimento de ponderação, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas o caso concreto, como de resto sucede com toda e qualquer norma cuja morfologia seja principal.384

Portanto, visando a alcançar a igualdade, o Princípio da Proteção deve reger todas as relações jurídico-trabalhistas que envolvam pessoas transgêneras, de modo a considerar não apenas a desigualdade inerente à relação empregado/empregador, mas também a discriminação que acompanha essa parcela da população no mercado de trabalho.

381

ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. Princípios de Direito do Trabalho: Fundamentos teórico- filosóficos. São Paulo: LTr, 2008, p. 219.

382

Ibidem, p. 216. 383

O autor utiliza a expressão ―pessoa-que-trabalha‖ para ―enfatizar, por meio de um substantivo propositadamente composto, a impossibilidade de se fragmentar a pessoa que trabalha do trabalho, e com isso evitar a abstração e a reificação (coisificação) do trabalho‖. (CAVALCANTE, Ricardo Tenório. Jurisdição, Direitos Sociais e Proteção do Trabalhador: a efetividade do direito material e processual do trabalho desde a teoria dos princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 52.)

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