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8 OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA ALÉM DA CULTURA E PODER NAS

9.2 A supremacia da constituição e os princípios de combate à discriminação por

9.2.2 O princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade humana, a partir da CF/88, é fundamento da República (art. 1º, III). No que diz respeito à ordem econômica e às relações do trabalho, a dignidade, conforme art. 170, caput, da Carta Magna, também aparece como objetivo maior, base de sustentação do sistema.

A ideia de dignidade como algo inerente a todos os homens foi introduzida pela tradição judaico-cristã, ao propagar que todos são iguais e criados conforme a imagem de Deus. Institui-se, assim, a dignidade com origem sagrada. Kant385, por sua vez, dispôs que quando algo está acima de todo o preço, sem possibilidade de mensuração, ele teria dignidade.386

Peter Häberle compreende que a ―natureza e cultura devem ser pensadas conjuntamente no fórum da dignidade humana e no âmbito do Estado constitucional‖, portanto, embora a dignidade seja inerente à própria existência do homem, ela também se constitui como fruto da atividade de muitas gerações e de todos os homens.387

Ingo Sarlet, após comentar sobre a dificuldade de conceituar dignidade da pessoa humana, considera-a:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.388

Rabenhorst questiona se todos os seres humanos devem ser concebidos como portadores da mesma dignidade, independentemente de seus méritos ou

385 Para uma crítica aprofundada sobre a dignidade em Kant, sugere-se: RABENHORST, Eduardo. A dignidade do homem e os perigos da pós-humanidade. Verba Juris, ano 4, n. 4, pp. 105-126, jan./dez. 2005, pp. 111-114.

386

KANT, Immanoel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 52.

387

HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. Trad. Ingo W. Sarlet e Pedro S. de Mello Aleixo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 150.

388

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogada, 2004, p. 59-60.

qualidades, assim como se haveria como justificar racionalmente essa paridade. Infere que, juridicamente, é fácil responder a essas indagações, citando as fontes formais que expressamente garantem a dignidade a todos. Conquanto reconheça a importância do direito positivo prever esses dispositivos, a fim de auxiliar nas decisões judiciais e implementação das políticas públicas, não explica a base de fundamentação da dignidade, inclusive, para resolver questões concretas, relacionadas, por exemplo, à colocação de seres humanos a situações degradantes.389

Nesse sentido, ao invés de adotar uma posição cética sobre a dignidade humana, Rabenhorst entende que a dignidade é uma cláusula aberta que assegura aos seres humanos o direito à mesma consideração e respeito, adunando, no entanto, que apenas se concretiza após os julgamentos, em casos concretos, sobre a admissibilidade ou não de determinadas formas de expressão da autonomia humana.390 Defende, ademais, que:

Particularmente, penso que a dignidade humana, além de ser um princípio basilar e incontornável de nossa ordem política democrática, é também um veículo indispensável de expressão da indignação (e diria mesmo da repugnância) que sentimos diante do sofrimento infringido aos nossos semelhantes. Por essa razão, creio que devemos insistir na busca de uma justificação para a crença fundamental de que os seres humanos possuem idêntico valor e que são merecedores do mesmo respeito ou consideração, independentemente de seus méritos ou deméritos ou de quaisquer circunstâncias particulares.391

Assim, não só a norma, mas também o discurso sobre a existência da dignidade humana a todas a pessoas, inclusive, como princípio fundamentador da ordem jurídica, inibe condutas atentatórias aos direitos fundamentais de quem quer que seja.

A defesa de que todos os seres humanos, independente do seu gênero, raça, idade, origem social e qualquer outra forma de expressão do ser, possuem dignidade, fortalece o combate às discriminações injustas associadas ao preconceito pela expressão da identidade de gênero.

389

RABENHORST, Eduardo Ramalho. A dignidade do homem e os perigos da pós-humanidade.

Verba Juris, ano 4, n. 4, pp. 105-126, jan./dez. 2005. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/vj/issue/view/1176>. Acesso em 10 de janeiro de 2015, pp. 107-109.

390

Ibidem, p. 117. 391

Atualmente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como enfatiza Viera Andrade, ―contribui para a abertura do sistema jurídico dos direitos fundamentais‖, realizando-se ―mediante consenso social que suscita, projectando-se na consciência jurídica constituinte da comunidade‖392

. Embora a dignidade seja típica dos seres humanos, o seu conteúdo é determinado pelas conquistas históricas de um povo.

Especificamente no âmbito laboral, para Thereza Gosdal, ―a dignidade assume a característica de instrumento na luta contra os atos e práticas abusivos e contra as violações de direitos fundamentais dos trabalhadores, que os desconsideram como sujeitos de direitos‖.393

A autora acrescenta que ―o trabalho não é condição da dignidade, mas a dignidade é condição que deve estar presente no trabalho‖394

. Assim, a dignificação pelo trabalho surgiu com o pensamento moderno, a Reforma Protestante e o próprio capitalismo, os quais se utilizaram desse discurso ideológico para justificar a venda da força de trabalho e do excedente produzido.

A dignidade que existe é do trabalhador, como cidadão, de modo que preexiste ao vínculo contratual. Desse modo, Gosdal considera que o conteúdo da dignidade do trabalhador deve, além de abarcar a garantia de direitos mínimos e imunidades, incorporar o sentido de honra, como ideia de reconhecimento e pertencimento à humanidade, de inclusão e solidariedade, livre escolha para o exercício da sua intimidade e vida privada.395

A ideia de resgate da honra no conteúdo da dignidade compatibiliza-se com a ideia de inclusão de pessoas transgêneras no mercado de trabalho, uma vez que enaltece o reconhecimento e respeito pela diferença e inviabiliza juridicamente práticas abusivas a estas pessoas, tais como assédio moral, isolamentos, demissões injustificadas, agressões e etc.

392

ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., p. 49. 393

GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007, p. 97.

394

Ibidem, p. 103. 395