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CAPÍTULO 2 – A ANÁLISE DA CRÍTICA E SEUS TEMAS

2.3 DE OLHO NA PROGRAMAÇÃO

Em análise comparativa sobre as pesquisas de televisão no Brasil, de Alexandre Bergamo, o autor afirma que uma das maiores diferenças entre as pesquisas das décadas de 1970 e 1980 e as da década de 2000 é o seu caráter heterônomo, ou seja, os estudos passaram a avaliar a televisão utilizando os critérios do próprio meio211. Assim, as análises são fortemente segmentadas pelas categorias de gênero televisivo e o seu foco está na programação. Contudo, observando a crítica do Folhetim é possível perceber que a crítica heterônoma está presente e a programação é um tema de preocupação por parte dos críticos.

Em 1986, Renato Janine Ribeiro publica no Folhetim o artigo “A novela República”, e aborda os primeiros 12 meses de governo civil por meio da análise do enredo de duas novelas das oito da Rede Globo: Corpo a Corpo, de Gilberto Braga e Leonor Brassères, e Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que foram ao ar antes e logo depois das eleições indiretas de 1985212. Para o autor, as diferenças entre uma novela e a outra representam a perda das esperanças e do otimismo quanto à redemocratização.

O autor coloca que a novela Corpo a Corpo representa a esperança com os novos tempos: o triunfo do mérito e da verdade, com direito a um clássico final feliz de novela, tudo em clima de conciliação (embalada pela anistia irrestrita). A trajetória da protagonista Eloá, interpretada por Débora Duarte, é representativa dos desejos de ascensão social da classe média: mulher trabalhadora que conquista o sucesso por mérito próprio. O protagonista

211 BERGAMO, Alexandre. Op. cit., p. 23.

homônimo de Roque Santeiro, vivido por José Wilker, assim como Eloá também representaria os desejos da classe média por justiça e cumprimento da lei, segundo Renato Janine Ribeiro. Estas exigências vão de encontro à tradição brasileira de relações personalizadas, onde os processos ocorrem por meio da concessão de favores. Esta configuração da personalização é, segundo o autor, insustentável com o crescimento da classe média, que passa a demandar a prevalência da lei. Esta mesma demanda começa a fomentar a crescente ideia de que governar significa servir, e que este serviço pode, portanto, ser cobrado pelo cidadão.

A diferença entre as novelas, contudo, é que em Roque Santeiro as demandas da classe média são frustradas. Em vez do mundo empresarial, onde prevalece a ética, apresenta-se a cidade atrasada do interior, e a busca por justiça do protagonista não rende os frutos desejados.

Para Janine Ribeiro, este desfecho de Roque Santeiro está ligado à ideia do Cinema Novo de causar indignação como forma de acordar os espectadores de sua apatia, intenção expressa pelo próprio Dias Gomes (autor da novela) em entrevista. Mas, ao contrário dos heróis do Cinema Novo, Roque Santeiro não é um radical que pede revolução, mas um herdeiro do “milagre econômico” que pede justiça, o que o aproxima da protagonista de Corpo a Corpo. Roque Santeiro então seria um diagnóstico pós-eleições: os poderosos políticos do passado se mantêm no poder, não há ascensão social e o tema central é o conflito político.

Por fim, o autor aponta para a aparente incoerência da presença da postura crítica de Roque Santeiro, colocando que há certa autonomia nas realizações da Rede Globo e que não se deve supor uma linha homogênea no âmbito da formulação de conteúdo. Todavia, sublinha uma constante na elaboração dos discursos das novelas das oito: o empenho em se revolucionar as relações pessoais.

Sobre o texto de Renato Janine Ribeiro é importante ressaltar a forma como relaciona enredo de novela, contexto político e demandas da classe média. Primeiro, deve-se pontuar que o autor coloca a classe média como público central das telenovelas das oito da Rede Globo. É com as expectativas e aspirações desta camada social que a emissora deseja dialogar. Por meio dessa correspondência, Renato Janine Ribeiro trata das aspirações tanto pessoais quanto políticas dessa classe: basicamente ascensão social e cumprimento da lei.

Nesta análise, não se colocam os valores da telenovela como uma imposição unidirecional, como visto em outros autores. Pelo contrário, existe por parte dos criadores da novela uma sensibilidade quanto aos valores e desejos de seu público-alvo, e é com esse material que se produz o enredo da novela. Embora exista o intuito dos criadores de provocar indignação, é importante diferenciar o ímpeto de gerar um sentimento pontual por meio de uma obra que está envolvida nos valores do público-alvo e o projeto de imposição de valores que são alheios ao público – análise do discurso da telenovela defendida por alguns críticos do Folhetim.

A seção do Folhetim que mais se ocupou da programação foi a Folha Corrida. O jornalista Celso Nucci Filho foi um dos que mais escreveu sobre televisão nesta seção, com o total de 15 notas entre abril e setembro de 1979. Além de contribuir para a Folha de São Paulo, também escreveu para o jornal Última Hora do mesmo grupo empresarial e, anos mais tarde, foi diretor editorial da editora Abril, diretor da revista Quatro Rodas e assinou o manifesto fundador dos Jornalistas Livres.

Crítico do meio em geral, Celso Nucci Filho ocasionalmente elogia iniciativas da televisão, como a nova leva de seriados brasileiros da Rede Globo em “Pagando pra ver”213, o programa da TV Cultura sobre A História da Telenovela em “Cuspa nas Panteras”214, a nova equipe de jornalismo da TV Tupi em “Na Tupi, um saldo positivo”215 e a entrevista de Abdias do Nascimento e Joel Rufino dos Santos sobre racismo no programa Pinga Fogo, na TV Tupi, em “Filhote do capitalismo”216. Além de ressaltar projetos que considera interessantes, Celso Nucci Filho também faz críticas a programas como em “História da Arte de Elite”217, onde critica o programa sobre a História da Arte da TV Cultura. Em seu texto, Nucci Filho coloca que o programa conta na verdade a história da arte de elite, segregando a arte e a cultura popular.

Em “Humor político ou propaganda?”218, Celso Nucci Filho estabelece a diferença entre humor político e humor sobre figuras e fatos políticos ao criticar o programa Planeta dos Homens. Para o jornalista, em vez de fazer uma verdadeira crítica, o que a Rede Globo

213 NUCCI FILHO, Celso. Pagando pra ver. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 03 jun. 1979. 214 Idem. Cuspa nas Panteras. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 01 jan. 1979.

215 Idem. Na Tupi, um saldo positivo. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 05 ago. 1979.

216Idem. Filhote do capitalismo. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 12 ago. 1979.

217Idem. História da Arte de Elite. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 26 ago. 1979. 218 Idem. Humor político ou propaganda? Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 29 abr. 1979.

faz em seu programa é uma brincadeira inofensiva que chega até a promover os políticos representados, como exemplifica com a imitação que Jô Soares faz de Delfim Neto.

Na nota “Que tribuna do povo é essa?”219, Celso Nucci Filho trata da declaração que Ziraldo fez durante o programa Abertura da TV Cultura, quando disse que “a televisão é a tribuna do povo”. Embora reconheça que este seria o projeto ideal para a televisão, o jornalista lamenta o fato de que esta é uma realidade distante. Nesta nota ele faz uma crítica tanto à televisão, enquanto veículo de comunicação sob uma concessão, quanto ao próprio Governo, na medida em que ambos deveriam representar a Nação, a “comunidade dos brasileiros”, mas que falham absolutamente neste aspecto, e encerra tratando da urgência do debate: “Do ponto de vista da TV, este é o centro do amplo debate que deve se estabelecer com urgência sob pena de que a verdadeira busca democrática passe por fora do veículo televisão”220.

Em sua crítica, Celso Nucci Filho deixa transparecer que tem em seu horizonte, mesmo que distante, uma noção de televisão que considera de qualidade: uma televisão produzida por brasileiros, que reflita sobre suas práticas e sua história, que tenha em seus telejornais profissionais reconhecidos no campo jornalístico, que debata questões sociais com seriedade e dê espaço para uma crítica política contundente, que valorize a arte, a cultura popular e se preocupe em representar de fato o seu público telespectador. Essa noção que permeia sua crítica está intimamente ligada com aquele que considera seu projeto de uma comunicação e, por consequência, uma sociedade mais democrática.

Outro crítico de alta produtividade sobre televisão na Folha Corrida foi Orlando Fassoni. O crítico de cinema, contratado como parte da renovação da Ilustrada promovida pela chegada de Cláudio Abramo na década de 1960, fez sua carreira na Folha de São Paulo ao longo de 22 anos. Em muitos momentos em que faz sua crítica de televisão no Folhetim, Fassoni fala sobre filmes transmitidos pela televisão ou olha para o meio televisivo com olhares de crítico de cinema.

Observando a crítica que Orlando Fassoni faz da televisão é possível tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, é possível notar que o foco do autor são os filmes e seriados da televisão. Outra constatação é a preocupação específica com a produção nacional, ao discutir a viabilidade de seriados brasileiros e da exibição de filmes nacionais na televisão,

219 Idem. Que tribuna do povo é essa? Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 19, 06 maio 1979.

como mostra a nota “Seriado complicado”221 – que trata da viabilidade econômica de se produzir seriados no país; e a nota “O cinema nacional tem vez na TV?”222, respectivamente. E, por último, é possível tirar conclusões a respeito de seus critérios que definem a noção de qualidade e cultura legítima, que importa diretamente dos valores que utiliza para criticar o cinema.

Na nota sem título na qual elogia a BBC223 e na nota “Onde está a cultura?” 224 Orlando Fassoni deixa clara a sua admiração pela televisão europeia e mostra neste momento aquilo que considera “cultura”, assim como na nota “Conhaque com gelo?” 225 na qual defende o jeito “certo” europeu de se beber conhaque. Cultura é o Balé Bolshoi, a peça de William Shakespeare e beber conhaque puro sem gelo, ou seja, uma noção europeia de cultura. Ainda segundo o autor, a TV Cultura precisa transmitir o conteúdo da televisão europeia, pois não tem recursos para produzir conteúdo de qualidade por conta própria.

Mas isso não significa que Orlando Fassoni dê preferência ao europeu em detrimento ao nacional. O problema do Brasil não é a falta de capacidade de produzir conteúdo de qualidade, mas o desprezo desse conteúdo de qualidade por parte das emissoras de televisão, que parecem priorizar o conteúdo norte-americano. Embora seja um grande fã de alguns filmes de Hollywood, Orlando Fassoni parece se incomodar com a primazia dada a seriados policiais norte-americanos e mais de uma vez critica sua qualidade e seu conteúdo violento, como na nota “Sem chances”226.

O ponto central da crítica de Orlando Fassoni à televisão parece ser o comportamento das emissoras. No entanto, sua crítica não está embasada em relação à postura mercadológica da emissora ou em suas alianças com o regime militar. A crítica de Orlando Fassoni parece se referir a uma falta de inteligência da televisão brasileira de uma forma geral – como mostra a nota “TV bebedeira227“, sobre a exibição da Copa do Mundo em detrimento de filmes de qualidade – e da sua falta de “cultura” no sentido que ele dá à cultura, ou seja, uma noção muito baseada no conceito europeu de se fazer televisão, de onde o autor tira seus critérios que definem o que é “qualidade” na televisão. Outro campo do qual Orlando Fassoni importa

221 Idem. Seriado complicado. Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, 18 fev. 1979.

222 Idem. O cinema brasileiro tem vez na tv? Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, 10 set. 1978. 223 Idem. Sem título. Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, p.14 06 março 1977.

224 Idem. Onde está a cultura? Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, 19 jun. 1977. 225 Idem. Conhaque com gelo? Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, p. 13 março 1977. 226 Idem. Sem chance. Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, p.15 06 março 1977. 227 Idem. Tv Bebedeira. Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, 18 jun. 1978.

seus critérios de qualidade é o cinema, uma vez que o autor é, antes de tudo, um crítico de filmes.

Ainda no campo da crítica de artes, no artigo “O labirinto da reprodução” de Mario Ramiro e José Wagner Garcia228, os artistas plásticos analisam Clones, o que chamam de uma “experiência de arte-telecomunicação”. Parte do projeto Rádio e Televisão – Videotexto, a obra consistia em uma intervenção multimídia que buscava um diálogo entre os sistemas de rádio, televisão e videotexto. Na época os dois artistas faziam parte do Núcleo de Arte e Tecnologia de São Paulo.

A obra é descrita pelos autores como “estudos sobre o aparecimento de uma forma, seus desdobramentos e sua transformação em pura energia”. No texto, a descrição do objeto se desenvolve para uma reflexão formal em torno do objeto de arte e da exploração dos limites da linguagem.

Aqui, a questão central é o desenvolvimento da arte diante das “tecnoimagens”, que tende cada vez mais para busca a síntese, e do trabalho do artista, que passa a trabalhar com sintaxes e suportes cada vez mais rarefeitos, o que o leva ao trabalho multimídia, e sob o imperativo da sintonia, ou seja, totalmente impedido de se isolar do mundo a sua volta.

Para Mario Ramiro e José Wagner Garcia, o valor da televisão, assim como do rádio, da fotografia, é a possibilidade que o suporte oferece de explorar os limites da linguagem visual. Desde o processo de constituição da imagem digital até as suas possibilidades de transmissão de longa distância, todas as propriedades do meio capturam o interesse do artista e sua exploração formal.

Em 1983, o Folhetim já não se direcionava ao público leitor geral da Folha de São Paulo, passando a discutir temas mais específicos para aqueles que já estavam mais familiarizados com o assunto. O texto de Mario Ramiro e José Wagner Garcia é um grande exemplo disso, uma vez que se trata da análise de um projeto específico transmitido na TV Cultura, com baixos índices de audiência, em torno de um debate que está restrito aos círculos de estudos de arte e tecnologia, como galerias, museus e universidades.

Este texto é importante para uma análise da crítica de televisão na medida em que apresenta uma abordagem da televisão muito pouco comum no âmbito da crítica. Aqui a

228 RAMIRO, Mario; GARCIA, José Wagner. O labirinto da reprodução. Folhetim: Folha de São Paulo. São Paulo, 18 dez. 1983. p. 6-7.

televisão é tida como um suporte para o artista assim como a fotografia ou o cinema, não como uma estrutura rígida e sem potencial que inevitavelmente se presta a promover a alienação de seu público.

Esta é uma abordagem preciosa no sentido da valorização artística do suporte televisivo, pois abre caminho para uma nova proposta de crítica, mais próxima da crítica de artes plásticas, na qual a questão central deixa de ser a estrutura política e econômica da televisão. Aqui o olhar se volta para a forma e a linguagem no meio, sua potência em trazer novos olhares, em dialogar com outros suportes e com a cultura, e em contribuir para reflexões como o conceito de tempo e espaço no contemporâneo.

Seguindo na análise da crítica da programação, a minissérie Memórias de um gigolô, de Walter Avancini, foi objeto de dois artigos do Folhetim, um pelo poeta e jornalista José Lino Grünewald e outro da historiadora Sheila Schvarzman.

O artigo “Gigolô de outrora no veículo de agora” de José Lino Grünewald229 é um texto típico de um poeta, cheio de metáforas, neologismos, rimas e paralelismos. Grünewald escreve sobre o gosto daquela que chama “pessoa mediana”, mas para a leitura de um público letrado, a julgar pelo uso de expressões como “savoir faire” e “divertissement”.

Em seu texto, José Lino Grünewald faz uma defesa da televisão como a “maior forma de cultura do momento”, uma vez que a população média absorve de suas telas muito mais conhecimento do que de um livro. Para Grünewald, é importante que o Estado (e o que chama de “donos do poder” em geral) supere seu preconceito contra a televisão, uma vez que qualquer investimento em educação no meio seria infinitamente mais produtivo do que em qualquer outro, especialmente o cinema.

Quanto à minissérie de Avancini, Grünewald a utiliza como um grande exemplo de qualidade de entretenimento na televisão: sua narrativa amoral, sua estética viva e ritmo alegre são representativos de uma televisão de alto valor cultural e de grande poder atrativo, o que não deve ser subestimado ao se pensar em cultura e arte no Brasil.

229GRÜNEWALD, José Lino. Gigolô de outrora no veículo de agora. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 5, 27 jul. 1986.

Aproveitando a deixa de Grünewald, Sheila Schvarzman escreve “Da novela à minissérie”230, também sobre a obra de Walter Avancini. Em contraste com o texto de Grünewald, a escrita de Schvarzman é mais acadêmica, formal, organizada e argumentativa.

Em resposta à afirmação de José Lino Grünewabld de que o valor de Memórias de um gigolô está em seu potencial de entretenimento, Sheila Schvarzman afirma que a minissérie – e a obra de Walter Avancini como um todo – oferecem muito mais. Para Schvarzman, o trabalho do diretor traz qualidades nunca vistas antes na televisão como uma preocupação com a imagem, os enquadramentos, a edição e a condução narrativa, tudo para apreensão do essencial de cada obra.

Às minisséries de Walter Avancini, Sheila Schvarzman opõe o que considera o estilo clássico de se fazer telenovela: uma narrativa voltada totalmente para o suspense e o clímax e que desconecta totalmente a mis-em-scène da narrativa, fazendo o que chama de uma mera “ilustração” do texto. A este estilo, Schvarzman dá o nome de “texto alienado”, cuja direção é completamente determinada por fatores externos, como os índices de audiência, as preferências populares e o merchandising, o que o torna representativo de produtos da indústria cultural.

Além de Memórias de um gigolô, Sheila Schvarzman também fala da minissérie Anarquistas graças a Deus, também de Walter Avancini. Segundo ela, uma das grandes contribuições do diretor para a televisão brasileira foi a introdução do conceito de episódio, que criaria a cada noite uma obra semiautônoma regida pela sua própria lógica com uma mis- em-scène tecida de acordo.

Ao contrário de José Lino Grünewald, que vê um valor não reconhecido na produção televisiva e coloca a obra de Walter Avancini como prova disso, Sheila Schvarzman vê em Avancini a exceção à regra, colocando os dois autores em plena discordância no que diz respeito ao status de qualidade cultural e artística da televisão brasileira.

Esse conflito entre os dois textos é representativo da época, uma vez que a própria telenovela brasileira passava por uma renovação estética e narrativa, como afirma Sandra Reimão, em seu livro Em instantes231. Reimão relata que tanto uma maior preocupação com a

230SCHVARZMAN, Sheila. Da novela à minissérie. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 2-3, 10 ago. 1986.

231 REIMÃO, Sandra (Org.). Em instantes: notas sobre programas na TV brasileira (1965-2000). São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2006. p. 57-89.

mis-em-scène quanto a apresentação de temas mais críticos da realidade se tornavam cada vez mais recorrentes nas telenovelas a partir do final da década de 1970. Diante de uma televisão em transformação, alguns críticos já reconheciam a qualidade como algo característico do meio e outros ainda mantinham essa sensação de assistir exceções que não chegam a virar regra.

De qualquer forma, em comparação com as críticas mais contextuais e generalistas, tanto a de José Lino Grünewald quanto aquela de Sheila Schvarzman mostram um olhar crítico que se atém à programação específica. Ambos os autores estavam apreciando a minissérie de Walter Avancini como um crítico de arte aprecia uma obra: analisando forma e conteúdo e trazendo o que aquela obra oferece de novo ou de representativo da arte de sua época. Essa postura aponta para um olhar mais atento ao que a televisão traz para a cultura de modo mais amplo para a sociedade brasileira.

Além de comprovar a emergência de uma crítica heterônoma de televisão, os textos do