• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – A ANÁLISE DA CRÍTICA E SEUS TEMAS

2.2 A SOCIEDADE DAS IMAGENS

Considerando a televisão como um todo, existe outro eixo crítico que busca compreender de que forma a inserção do aparelho televisivo nos lares domésticos afeta as dinâmicas sociais tanto no âmbito privado como no público. Esta é uma crítica social que é mais atenta às características próprias ao meio e suas implicações sociais, dando maior atenção ao telespectador.

Neste grupo de críticos encontram-se aqueles que colocam uma perspectiva crítica, por vezes pessimista, prevendo uma sociedade composta por indivíduos isolados, incapazes de refletir sobre as imagens que recebem incessantemente, privados de sua sociabilidade e subjetivamente reféns do discurso televisivo. Por outro lado, também estão aqueles que veem no advento da televisão uma nova era de comunicação global, abrindo a possibilidade de novas formas de sociabilização.

Dentro deste tema é possível citar outros dois debates: a questão da violência na televisão e o meio televisivo como instrumento pedagógico. Ambas as discussões referem-se à televisão dentro do processo formativo dos indivíduos sociais, mas uma foca nos seus malefícios e a outra nas suas possibilidades educativas. O que esses debates trazem em comum é o interesse em discutir o meio tendo em vista sua relação direta com o telespectador, o que abre margem para uma longa discussão tanto a respeito da ideia que se tem de televisão quanto da noção que se tem de público, o que afeta profundamente as características da crítica de televisão.

Afinado com a noção de que a televisão isola e aliena, o jornalista Dirceu Soares, em “Mulheres de Antenas”181, traça um paralelo entre a letra da música de Chico Buarque e Augusto Boal, Mulheres de Atenas, e as telespectadoras brasileiras, a quem chama “Mulheres de Antenas”, pois suas vidas se resumiriam ao trabalho doméstico e a assistir à televisão. Para ele, assim como as Mulheres de Atenas, as de Antenas também “não têm gosto nem vontade, defeito nem qualidade”.

A ideia de “Mulheres de Antenas” seria clamar pelo despertar das mulheres que vivem em estado de submissão. Dirceu Soares faz seu retrato da mulher telespectadora como uma preocupação com o esvaziamento de sentido de suas vidas, causado pela centralidade da televisão em seu cotidiano. A telespectadora mulher seria o exemplo máximo da alienação das

relações sociais executada pela televisão: “Minha tia fazia anos que não via minha mãe e uma noitinha foi visitá-la. Pensei que as duas tivessem muito o que conversar. Mas não: assistiram juntas os capítulos das novelas e depois minha tia foi embora. A visita estava feita”182 .

Contudo, também os homens são representados em estado de dormência e alienação na sociedade e diante da televisão. Na tira de Nilson (Figura 10) um homem de meia-idade e engravatado vive a sua rotina diária semanal toda de olhos fechados: trabalha, sai do trabalho, bate ponto, pega o transporte para casa e chega de volta ao lar. A postura do homem é de passividade, resignação e baixa autoconfiança. Seu rosto não expressa emoções, seus ombros estão caídos e a cabeça sempre baixa. Curiosamente, depois que chega em casa, o homem bate ponto novamente, mas dessa vez para marcar sua jornada de “lazer” diante da televisão. Embora passe o dia de olhos fechados, quando senta diante da televisão, no último quadro, seus olhos estão completamente abertos e sua expressão é de total atenção. No todo, o corpo sugere a atitude de submissão do sujeito.

Nesta tira três principais críticas são feitas. A primeira diz respeito à passividade e à alienação do trabalhador diante de sua rotina e de sua condição. Tão acostumado e submetido que está, passa o dia todo de olhos fechados e não reflete mais sobre sua condição nem sobre nada, apenas cumpre resignadamente suas tarefas.

Figura 10

Fonte: Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 16, 18 nov. 1979

Aí entra a segunda crítica: o homem também bate ponto para sentar diante da televisão, e isso está dentro da lógica difundida pelos estudos sobre a indústria cultural, na qual o lazer é visto como uma extensão da jornada de trabalho. É no momento de lazer que o trabalhador aprende sobre as regras do comportamento e sobre os imperativos do consumo. O trabalho da hora de lazer é igualmente repetitivo e alienador.

Por fim, a terceira crítica se estabelece quando Nilson coloca o trabalhador de olhos abertos somente diante da televisão, tornando-a a sua única fornecedora de informação, uma vez que ele se fecha para as interferências do mundo todo, menos para o que a televisão lhe oferece. É também importante observar também que este indivíduo passa sua vida de maneira solitária e isolado em sua rotina; não há um único momento de troca entre ele e outros indivíduos: a única conexão que estabelece é com a televisão.

Em linha semelhante, a charge de Fausto Bergocce (Figura 11) foi publicada em novembro de 1979, no número especial sobre a televisão na década de 1970. Na época da publicação, Fausto tinha em torno de 26 anos e já publicava como freelancer em jornais como O Diário Popular, o A Última Hora e a própria Folha de São Paulo. A ilustração traz uma representação conhecida no imaginário coletivo: o macaco que não fala, o que não ouve e o que não vê. Nesta imagem, o macaco que normalmente estaria com as mãos cobrindo os olhos está assistindo televisão. Os macacos aqui fazem alusão ao humano, que ignora ou se protege das influências externas, exceto da televisão, tendo nela seu único foco de adestramento social que, assim, o tolhe de qualquer consciência de si e do coletivo.

Na imagem, os dois primeiros macacos estão impassíveis, possuem um olhar neutro e estão sentados em uma postura calma, fixa ao chão. Todavia, o terceiro macaco, o que assiste à televisão, está com os olhos arregalados e uma postura tensa e agitada, exaltado pelo estímulo visual oferecido pela televisão que mostra, em close, uma pessoa indistinguível. O estímulo visual é reforçado pelos singelos traços pretos que saem da televisão em direção ao macaco que a assiste, e o maior dos traços sai da televisão direto para os olhos ou o cérebro do macaco.

A charge de Fausto, portanto, representa o isolamento, em parte voluntário, em função da adesão pelo “telespectador brasileiro” frente aos acontecimentos e estímulos do mundo, abrindo uma exceção somente ao que a televisão oferece, sendo ela o alimento exclusivo da mente humana. A televisão neste caso não seria, no entanto, um despertar da dormência: ela

seria a nova cegueira do ser humano, uma nova venda que se disfarça de janela para o mundo e ilude o espectador fascinado pelas luzes que emanam da tela.

Figura 11

Fonte: Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 16, 18 nov. 1979

Um dos maiores exemplos desse tipo de crítica pode ser encontrado no artigo “Violência a domicílio” de Glauco Carneiro, de 11 de dezembro de 1977183. Um dos temas mais abordados ao longo dos primeiros anos do Folhetim foi a presença de conteúdo violento na televisão. Frequentemente associado à crescente apresentação de programas estadunidenses, a violência na televisão é vista, de maneira geral, como um grande malefício aos telespectadores (em especial às crianças), que estão sujeitos a uma pedagogia da brutalidade e das más intenções.

O artigo ocupa duas páginas e vem acompanhado de uma charge de Angeli (Figura 12). Nela, o pai e o cachorro da família se chocam ao ver que o filho assassinou a mãe. Como justificativa, o filho exclama: “Mas papai!! Foi ela quem mandou!”, apontando para a televisão, que curiosamente apresenta uma pessoa cantando. A imagem retrata a difundida ideia de que a violência na televisão impulsiona a violência no cotidiano. O fato de ter uma pessoa cantando na tela pode sinalizar para um questionamento desta ideia por parte do cartunista.

Glauco Carneiro abre seu artigo com um personagem fictício: José da Silva, 14 anos, a quem caracteriza como o telespectador brasileiro médio que “pode dispensar o pão, mas não abre mão da televisão” e é exposto constantemente a cenas de violência ao sentar em frente ao aparelho. Segundo Carneiro, sob o pretexto de entreter e buscar prender a atenção, a televisão acaba expondo o espectador e o ensinando sobre as mais variadas formas de violência e

183CARNEIRO, Glauco. Violência a domicilio. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 12-13, 11 dez.

trapaça. O autor chega a fazer uma relação direta com o estímulo da televisão e a “liberação dos impulsos naturais agressivos” nos ambientes públicos de convivência.

Figura 12

Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p.12-13, 11 dez. 1977.

Glauco Carneiro põe em diálogo o conceito de televisão e o de telespectador, ambos calcados em atributos que lhes seriam inatos: a televisão por suas propriedades comunicativas inerentes, o telespectador pela sua natureza humana.

Primeiro Glauco Carneiro define televisão como meio que move emoções em vez de suscitar a reflexão:

...há que empregar visão e audição, sem ter tempo de formular juízos, porque a mensagem é tão rápida, tão evanescente e envolvente, que ela surge, impregna e desaparece num passe de mágica. A luz da TV descobre e se fixa nos meandros da nossa vida mental, até nos mais escuros (…) atingindo muito mais o emocional do que o lógico, impregnando o sensorial, a zona onde a razão não pia...184

Para Glauco Carneiro havia um paralelo entre o sujeito chamado de homem-massa e o ser humano “pré-civilização”, movido por impulsos primitivos. Para definir este sujeito, o autor citou um trecho do livro Responsibilty in mass communication, de William L. Rivers e Wilbur Schramm, publicado em 1969. Dele, recuperou a seguinte citação:

O homem da arte popular é um pouco mais desenvolvido do que o Pitecantropo ou Homem de Pequim, mas não muito. Não se pode encará-lo como representação autêntica do homem realista e adaptado (…). É inútil esperar que ele reaja a

qualquer exame mais profundo e refletido da natureza e da conduta humana. (…) A esse respeito, o homem-massa, o homem da arte popular, é uma criança.185

Nesta medida, José da Silva, o telespectador, e a televisão, foram feitos um para o outro. Para o autor, a televisão (ou a sociedade contemporânea que a contextualiza, pois Glauco Carneiro não deixa claro se vem primeiro o ovo ou a galinha) não cria um novo sujeito, mas o leva a um estado primitivo, num movimento regressivo.

Embora Glauco Carneiro questione, no penúltimo parágrafo, se esta representação do grotesco e da violência provém de uma demanda popular (“é julgar muito mal o nosso povo”), a questão central do texto reside na responsabilidade dos comunicadores, que não devem alimentar as pulsões violentas deste ser primitivo que é o “homem da cultura popular”, em outras palavras, o telespectador. Fica claro, portanto, o medo do autor da relação simbiótica entre massas e televisão, e da violência que acredita irromper desta. É possível aferir também que Glauco Carneiro não é José da Silva, pois Glauco Carneiro se coloca fora desta massa entendida por ele nestes termos.

Tanto as duas charges como os textos de Dirceu Soares e de Glauco Carneiro apontam para uma relação simbiótica e nociva entre televisão e telespectador. Nestas críticas apresenta- se um telespectador passivo, vulnerável e socialmente isolado. Esta condição seria produto da indústria cultural capitaneada pelas emissoras de televisão no Brasil. Na charge de Nilson e no texto de Dirceu Soares, os telespectadores são privados de sua sociabilidade e, mesmo na companhia de outras pessoas, estão isolados. Em ambas as charges os telespectadores fecham os sentidos para o mundo e abrem apenas para a televisão, que se torna um único modo de estar no mundo e de constituição da percepção do coletivo e de si, enquanto apenas consumidor. No texto de Glauco Carneiro e na charge de Fausto o telespectador é visto como um ser primitivo; no caso de Fausto, essa visão é apenas aludida pela representação do telespectador como macaco. De qualquer forma, a passividade e a falta de opinião são reforçadas nestas análises.

É claro que todas essas críticas, seguindo a linha da música de Chico Buarque, surgem como um alerta para o leitor, uma tentativa de provocar a revolta diante de uma denúncia grave. Esse então seria o papel do crítico, revelar uma sociedade em crise e despertar seu público da dormência.

185 RIVERS, William L; SCHRAMM, Wilbur. Responsibility in mass communication. New York:

O problema com essa crítica é justamente o ponto de onde os autores enunciam suas denúncias. Tanto Dirceu Soares não é uma senhora idosa telespectadora quanto Fausto, Nilson e Glauco Carneiro não batem ponto no serviço e passam o resto do dia em frente à televisão. Isso não significa que estes autores não têm o direito à sua crítica, mas essa distância da realidade das pessoas que criticam fica óbvia no momento em que essa passividade aparentemente voluntária parece definir completamente este outro, cuja capacidade de agência e de crítica os autores desconhecem.

Esse distanciamento chega mesmo a fazer duvidar se esse telespectador referido na crítica desses autores é identificado como o leitor do Folhetim. Os autores falam para o leitor que neste caso não é o telespectador e, mesmo que na intenção do autor seja, dificilmente o telespectador se identificaria com essas representações. O efeito produzido, por fim, é de uma conversa entre autor e leitor a respeito de um terceiro: o telespectador alienado, cuja imagem ideal está representada no encontro da tia de Dirceu Soares com sua mãe, ou no João da Silva.

Sendo assim, o pretexto de um clamor pelo despertar cai por terra, e o que resta é um ato de apontar o problema para longe de si, criando uma máquina alienadora e seu objeto – o telespectador médio – e a sensação de fazer parte de um grupo distinto, que não é parte desta engrenagem.

Outro cartunista que também trata dessa relação entre televisão e comportamento do telespectador é Glauco Villas-Boas. Sua abordagem, contudo, é menos generalista. Na charge da Figura 13 Glauco sinaliza uma mudança nos hábitos familiares, representado ou promovido pelo seriado Malu Mulher. Entre maio de 1979 e dezembro de 1980, a Rede Globo veiculou o seriado que narrava a vida de uma mulher de classe média recém-divorciada.

Figura 13

Fonte: Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 16, 28 set. 1980.

O seriado teve grande repercussão na época ao tratar de questões pouco debatidas na televisão do período, como divórcio, aborto, sexualidade da mulher e a vida de uma mãe divorciada, o que deu ao seriado a fama de promotor da emancipação feminina. Seguindo esta linha, Glauco mostra um entrevistador do Ibope que vai a uma casa para perguntar a uma mulher qual o seu programa preferido. Antes que a mulher possa responder, o marido aparece ao fundo do cômodo, usando um avental de cozinha, para dizer “Malu Mulher!”.

Glauco dá a entender que, ao assistir o seriado, a mulher passou a defender sua emancipação dentro da casa, o que fez com que o marido passasse a fazer os afazeres domésticos na casa. A charge coloca a televisão como um meio que tem impacto direto na configuração das dinâmicas domésticas, uma vez que o seriado Malu Mulher chega para promover uma mudança drástica nos papéis de marido e mulher nos lares.

Seguindo uma corrente divergente daquela de Dirceu Soares, Glauco Carneiro e Luscar, mas ainda com foco no advento dos meios eletrônicos, o já renomado jornalista Alberto Dines publica “Comunicação e poder” 186. O artigo foi publicado no segundo número da série na qual o Folhetim faz um balanço da década de 1970, em outubro de 1979, que tem como tema central o “pensamento político”. Em seu artigo, Alberto Dines fala das mudanças que os meios de comunicação executaram na década de 1970.

Em seu texto, Dines aponta para as profundas transformações impulsionadas pela comunicação e, consequentemente, sobre o reconhecimento do poder dos grandes veículos de comunicação na sociedade. Dois conceitos chamam atenção em sua análise: globalização e consumismo. O jornalista reconhece o papel da televisão na difusão de distintas formas de pensar e na promoção da convivência entre diferentes, o que apaziguaria extremismos. Ao mesmo tempo, Alberto Dines sinaliza para um perigo que, já presente na época, é hoje ainda mais urgente: a busca incessante pelo bem-estar material pode levar a tempos de escassez de recursos. É a emergência da questão ambiental.

Importante, também, é ressaltar a breve definição que Alberto Dines oferece de comunicação: “não como atividade ou instituição veicular, mas como busca de identidades”187. A comunicação não seria vista ou compreendida, então, como um objeto, uma instituição delimitada ou atividade financeira, mas uma ação, uma busca, uma ânsia humana. Dines é um dos poucos autores que colocam na crítica da comunicação a questão da identidade.

Alberto Dines acredita que os meios de comunicação fundam uma nova conjuntura e vê a expansão do horizonte humano diante do “grande e intenso fluxo de ideias”. Dines também ressalta a necessidade da demarcação das identidades diante do contato com a diferença, o que chama de “balcanização”. Como resposta a tal cenário, Dines propõe repensar os valores estruturantes de uma sociedade ainda fundada no acúmulo, detecta a emergência da crítica de mídias e da mídia alternativa como resposta à crescente importância da comunicação no cenário político e atenta para a importância da afirmação das identidades como chave para compreender esse novo contexto de intenso fluxo e inevitável atrito de ideias e concepções de mundo.

Referência nos estudos sobre a televisão, o teórico canadense Marshall McLuhan acredita que a televisão funda um novo homem muito ligado a formar primitivas de sociabilização, mas não coloca como consequência um cenário tão problemático. Durante os anos de publicação do Folhetim, a Folha de São Paulo firmou uma parceria com o jornal Le Monde para publicar entrevistas traduzidas. Uma dessas entrevistas foi publicada no dia 13 de novembro de 1977, na qual Jacqueline Grapin entrevistou Marshall McLuhan. A repórter,

logo no primeiro parágrafo, colocou o teórico canadense como um pensador importante, mas polêmico: “Verdadeiro cientista ou falso profeta?”188.

Durante a entrevista, Marshall McLuhan expôs seu pensamento sobre a sociedade contemporânea, marcado pelo determinismo tecnológico, no qual as inovações inauguravam eras marcadas pelas suas respectivas estruturas comunicacionais. Segundo McLuhan, as relações humanas e a forma como as sociedades se estruturam são ditadas pelas características do meio de comunicação que utilizam. Assim, ele traça uma linha do tempo na qual a humanidade parte da comunicação oral “tribal”, entra, com o advento da imprensa, na era escrita e, por último, após a criação da comunicação eletrônica de massa, volta à era oral.

Ao ser entrevistado, Marshall McLuhan apresenta uma grande variedade de apontamentos sobre a sociedade contemporânea. O que o autor faz aqui é apenas pincelar algumas de suas conclusões, que podem ser brevemente analisadas. O ponto central a ser observado na entrevista é a relação que McLuhan estabelece entre sociedade espectadora e os meios de comunicação de massa. Embora ele crie uma determinação absoluta entre as propriedades do meio e a sociedade que este molda, o advento dos meios eletrônicos não inaugura uma nova era nunca antes explorada, mas executa um retorno a formas sociais primitivas. O que o meio eletrônico faz é resgatar e expandir essas relações para uma escala maior. Todas as atrocidades e irracionalidades (autoritarismo, falta de foco, perda da moral) que esta nova conjuntura apresenta, Marshall McLuhan põe na conta da cultura oral e das sociedades que chama de “tribais”.

O tema da massificação e uniformização é trabalhado também pelo filósofo Vilém Flusser em um número especialmente dedicado a discutir a condição e o papel da classe média na sociedade. Publicado em 31 de agosto de 1980, “O elo perdido da comunicação” defende que o advento dos meios de comunicação de massa tirou da classe média o seu papel de intermediário cultural entre elite e povo189.

Mesmo que breve, o texto de Vilém Flusser deixa transparecer diversas impressões do autor sobre comunicação e público. Em sua perspectiva, mesmo antes do advento do rádio, da televisão e do cinema, a comunicação social caminhava em sentido unidirecional, tendo sua origem naquele que denomina como “nível superior”, ou seja, a elite. Embora reconheça a

188GRAPIN, Jacqueline. No ar, o Sr. Mc Luhan. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 15-16, 13 nov.

1977.

189 FLUSSER, Vilém. O elo perdido da comunicação. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, p. 6, 31 ago. 1980.

existência de um feedback por parte dos níveis médio e popular, Vilém Flusser não trata do impacto desse retorno nos níveis superiores, e o autor considera que ele não afetou a conformação da estrutura colocada. Esse mesmo feedback tomou a forma de “opinião