• Nenhum resultado encontrado

Televisão em debate : a crítica de televisão no Folhetim (FSP) 1977-1989

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Televisão em debate : a crítica de televisão no Folhetim (FSP) 1977-1989"

Copied!
194
0
0

Texto

(1)

INSTITUTO DE ARTES

RAISSA HAYDE KOSHIYAMA DE FREITAS

TELEVISÃO EM DEBATE:

A CRÍTICA DE TELEVISÃO NO FOLHETIM (FSP) 1977-1989

Campinas 2019

(2)

TELEVISÃO EM DEBATE:

A CRÍTICA DE TELEVISÃO NO FOLHETIM (FSP) 1977-1989

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª IARA LÍS FRANCO SCHIAVINATTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR RAISSA HAYDE KOSHIYAMA DE FREITAS, E ORIENTADA PELA PROF.ª DRª. IARA LÍS FRANCO SCHIAVINATTO.

Campinas 2019

(3)

Freitas, Raissa Hayde Koshiyama de,

F884t FreTelevisão em debate : a crítica de televisão no Folhetim (FSP) 1977-1989 / Raissa Hayde Koshiyama de Freitas. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

FreOrientador: Iara Lís Franco Schiavinatto.

FreDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Fre1. Televisão. 2. Jornalismo. 3. Telespectadores. 4. Televisão - História e crítica. I. Schiavinatto, Iara Lís Franco, 1964-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Debating television : television critics in Folhetim (FSP) 1977-1989 Palavras-chave em inglês:

Television Journalism

Television viewers

Television - History and criticism

Área de concentração: Artes Visuais Titulação: Mestra em Artes Visuais Banca examinadora:

Iara Lís Franco Schiavinatto [Orientador] Ana Paula Goulart Ribeiro

Gilberto Alexandre Sobrinho

Data de defesa: 22-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7176-3898

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/3150965911613525

(4)

RAISSA HAYDE KOSHIYAMA DE FREITAS

ORIENTADORA: Profª Drª Iara Lís Franco Schiavinatto

MEMBROS:

1. Profª Drª Iara Lís Franco Schiavinatto (Orientadora) 2. Profª Drª Ana Paula Goulart Ribeiro

3. Prof. Dr. Gilberto Alexandre Sobrinho

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

(5)

À orientadora Profª Drª Iara Lis Schiavinatto, pelos mais de dez anos de ensinamentos, que sem dúvida mudaram o curso da minha vida, e também pela paciência nos últimos três anos.

Ao Prof. Dr. Gilberto Alexandre Sobrinho e ao Prof. Dr. Noel dos Santos Carvalho, pelas imprescindíveis contribuições no Exame de Qualificação.

À Alice Vianna, pela dedicada revisão e pelo apoio logo no início da trajetória deste mestrado.

À minha família, pelo apoio e amor incondicional em todos os sentidos, desde sempre. Às minhas amigas, meus amigos e minhas parceiras, que seguraram minha mão e me deram tantas formas diferentes de apoio e incentivo sem as quais eu certamente não teria conseguido chegar aqui.

(6)

Folha de São Paulo, que circulou entre janeiro de 1977 e março de 1989, período-chave para a configuração do processo de redemocratização do Brasil, conjuntura que acabou por desencadear também grandes reformulações nas práticas dos meios de comunicação de massa. A análise foca os textos e as imagens publicados no Folhetim sobre televisão, procurando compreender as perspectivas de seus autores quanto ao lugar da televisão na sociedade, ao papel do público telespectador, e das formas pelas quais estes se relacionavam. Os diferentes posicionamentos são contextualizados tendo em vista o campo no qual se insere o autor e as disputas internas em torno dos critérios de legitimação específicos de cada campo (seja esta o campo acadêmico, das artes plásticas, do cinema, da imprensa etc.). A relação com o contexto e o campo de onde fala o autor visa compreender como se articularam no Folhetim construções a respeito de televisão e público telespectador, e como estas estão relacionadas ao projeto de reformulação da Folha de São Paulo no período. O objetivo é, portanto, compreender a crítica de televisão do Folhetim não apenas no valor individual de seus escritos, mas no debate como um todo; na criação deste laboratório de crítica e nas particularidades desse espaço criado, de forma a observar como estas práticas colaboram para uma reflexão em torno do papel do crítico de televisão e da condição do telespectador, no período analisado que não deixa de remeter aos dias de hoje.

PALAVRAS-CHAVE: Televisão. Jornalismo. Televisão – História e Crítica. Telespectadores.

(7)

the Folha de São Paulo newspaper that circulated between January, 1997 and March, 1989, a crucial period for the configuration of the redemocratization process in Brazil, a context that ended up also triggering major reformulations in the mass communication media practices. The analysis focus on texts and images published in Folhetim about television, aiming at the perspectives of its authors regarding the place of television in society, the spectator’s role and the way both related to each other. The different positions are contextualized taking into account the field in which each author is inserted and the internal disputes around each field's specific legitimation criteria (academic, visual arts, cinema or press fields equally). The relation between the context and the field from which the author speaks seeks to understand how constructions about television and spectator were articulated in Folhetim, and how they are related to Folha de São Paulo's reformulation project in the period. The objective is, therefore, to understand Folhetim's television criticism not only for the individual value of its debates, but for the criticism as a whole, for the creation of a criticism laboratory and the specificities of this space, so it’s possible to observe how these practices collaborate to a reflection regarding the television critic’s role and the condition of the spectator in the period and also nowadays.

KEYWORDS: Television. Journalism. Television viewers. Television – History and criticism.

(8)

Figura 2 ... 69 Figura 3 ... 76 Figura 4 ... 82 Figura 5 ... 83 Figura 6 ... 83 Figura 7 ... 85 Figura 8 ... 86 Figura 9 ... 87 Figura 10 ... 91 Figura 11 ... 93 Figura 12 ... 94 Figura 13 ... 97 Figura 14 ... 101 Figura 15 ... 102 Figura 16 ... 102 Figura 17 ... 103 Figura 18 ... 104 Figura 19 ... 112 Figura 20 ... 113 Figura 21 ... 115 Figura 22 ... 117 Figura 23...120

(9)

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1 – BALIZAS DA CRÍTICA DO FOLHETIM ... 18

1.1 A REFORMULAÇÃO DA FOLHA DE SÃO PAULO ... 20

1.2 O FOLHETIM E A IMPRENSA ALTERNATIVA ... 29

1.3 O JORNALISMO CULTURAL NA ILUSTRADA ... 33

1.4 ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE TV ... 37

1.5 A TELEVISÃO DO PERÍODO ... 39

1.6 O FOLHETIM E A CRÍTICA DE TELEVISÃO: ALGUMAS BALIZAS ... 44

CAPÍTULO 2 – A ANÁLISE DA CRÍTICA E SEUS TEMAS ... 62

2.1 A TV E SUAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO ... 64

2.2 A SOCIEDADE DAS IMAGENS ... 91

2.3 DE OLHO NA PROGRAMAÇÃO ... 121

2.4 A CRÍTICA A PARTIR DOS CAMPOS ... 130

CAPÍTULO 3 – A CRÍTICA EM MARIA RITA KEHL E ARLINDO MACHADO ... 135

3.1 ALGUMAS BALIZAS EM MARIA RITA KEHL ... 136

3.2 ALGUMAS BALIZAS EM ARLINDO MACHADO ... 148

NOTA FINAL ... 159

REFERÊNCIAS ... 164

(10)

INTRODUÇÃO

Para que serve a crítica de televisão? Poderia ser para definir o que é qualidade e quais obras se encaixam ou não neste critério? Ou faria pensar sobre as forças do poder que tensionam o meio? Como se coloca o telespectador nesta equação? Embora os temas dessas perguntas sejam conhecidos no campo de estudos sobre televisão, a questão em torno do papel propriamente da crítica de televisão nestes debates não encontra a mesma repercussão no Brasil, nem mesmo nos anos recentes.

Partindo de uma perspectiva dos Estudos Culturais, a comunicóloga Fernanda Maurício Silva1 cita quatro principais contribuições da análise da crítica para os estudos sobre televisão: investigar a qualidade enquanto quadro valorativo flexível; observar como o contexto influi sobre o consumo e a produção; identificar tensionamentos nas formas de televisão dominantes; e compreender os gêneros televisivos enquanto categoria cultural. Ao levar em conta essas quatro contribuições, Silva pressupõe que a crítica de televisão trabalhe com o conceito de qualidade, que leve em consideração a categoria de gênero, que tenha em vista o contexto social e político que sustenta a televisão e que compreenda o meio como uma estrutura complexa formada por diversos indivíduos que tecem relações de conflito e alianças na articulação conjunta da produção cultural televisiva.

A análise sobre a produção acadêmica em torno da televisão feita pelo sociólogo Alexandre Bergamo2, contudo, mostra que mesmo na academia os diferentes atributos do crítico da televisão nomeados por Silva não constituem um consenso, uma vez que existe uma clara mudança de abordagem nas últimas décadas, na qual as categorias de qualidade e gênero estão sendo não apenas mais utilizadas como revistas e aprofundadas, sendo que durante as décadas de 1970 e 1980 preponderava a abordagem dos aspectos sociais, econômicos e políticos que sustentam o meio televisivo.

Interessada em indagar o estatuto da própria crítica, esta dissertação busca analisar incursões feitas no campo da crítica de televisão por diversos autores ao longo dos 13 anos de publicação do caderno Folhetim da Folha de São Paulo (de janeiro de 1977 até março de 1989), de forma a compreender as diversas propostas para a definição do que seria o exercício

1 SILVA, Fernanda Mauricio. Quando a crítica encontra a TV: uma abordagem cultural para a análise da crítica televisiva. Revista Famecos, [s.l.], v. 23, n. 2, 21 mar. 2016.

2 BERGAMO, Alexandre. Imitação da ordem: as pesquisas sobre televisão no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.18, n.1, São Paulo: USP, 2005. p. 303-328.

(11)

da crítica e qual o seu propósito, tendo as diferentes perspectivas sobre a condição do telespectador como ponto central de análise.

A escolha do Folhetim cabe devido à importância da Folha de São Paulo no período de publicação do Caderno, no qual se consolidou como o jornal de maior circulação do país, e por conta do ambiente de debates que o Caderno produziu, juntando importantes nomes do jornalismo (tanto da imprensa hegemônica quanto da imprensa alternativa), do meio da comunicação de massa e da academia.

A criação do Folhetim foi parte da reformulação da Folha de São Paulo, que começou no final da década de 1970, tomou novos rumos a partir de 1984 e se implantou ao longo da década de 1980. O Folhetim trouxe uma grande variedade de jornalistas, profissionais da comunicação e acadêmicos, que discutiram a televisão a partir de diversas perspectivas ao longo dos seus 13 anos de publicação.

O período de circulação do Folhetim também foi muito importante por ser uma época em que surgiram os primeiros estudos acadêmicos em torno de uma televisão que vinha de um processo de consolidação na sociedade fortemente marcada pela interferência institucional. Era a primeira vez que se tratava da televisão como este meio de comunicação, de enorme importância social e política, gerido por normas empresariais, ou seja, mercadológicas, bem como pelas diretrizes de um Estado autoritário. As análises sobre o meio televisivo no período não se eximiram de fazer uma dedicada crítica e dissecação política desse novo cenário. Esta análise se torna importante na medida em que é no momento desta produção inicial de reflexões sobre televisão que se encontram os debates que vão produzir os consensos posteriores.

O contexto político do período é igualmente relevante, uma vez que o país passava pelo processo de transição democrática. Esta situação impactou diretamente os grandes meios de comunicação que tiveram que se readequar às novas condições políticas e também, diante da gradual suspensão dos mecanismos de censura, puderam trabalhar em condições consideravelmente mais flexíveis.

A redemocratização também pautou diversos debates sobre televisão, se colocando como pano de fundo na crítica sobre a condição do telespectador. Com a gradual suspensão da censura e a estruturação de um sistema político legitimado pela vontade popular, o poder de agência e recepção ativa do telespectador (também entendido na crítica como o cidadão) são confrontados com o suposto condicionamento e intento alienador do meio televisivo,

(12)

discussão que tem a potência de questionar a própria legitimidade da democracia brasileira em tempos de televisão.

A análise da crítica aqui empreendida foca os textos e as imagens publicados no Folhetim sobre televisão. Partindo do campo no qual se insere cada autor, e tendo em vista as disputas internas e critérios de legitimação destes campos, o objetivo é compreender as perspectivas destes autores quanto ao lugar da televisão na sociedade, ao papel do público telespectador, e das formas pelas quais estes se relacionavam3. A relação com o contexto e o campo de onde fala o autor visa compreender como se articularam no Folhetim construções a respeito de televisão e público telespectador, e como estas estão relacionadas a um projeto da Folha de São Paulo para comunicação e cultura em uma sociedade em que se refundava a democracia.

Pensando inicialmente sobre esses pontos de partida que ajudam a compreender as falas de cada autor, os estudos de Pierre Bourdieu sobre as dinâmicas dentro dos campos4 parecem úteis ao mostrar como dentro de um campo cultural específico se travam disputas pela legitimidade de um valor ou de discursos que são particulares a ele, embora a forma como as dinâmicas se dão sejam semelhantes.

Essa pesquisa não tem a intenção de abarcar todas as incursões da crítica de televisão no jornalismo cultural, nem mesmo do período recortado. É justamente por não se pretender a isso que uma análise da montagem editorial e empresarial da Folha de São Paulo se faz necessária, na medida em que permite compreender as potências e os limites desse espaço proporcionado pela empresa Folha da Manhã.

Como parte dessa nova proposta, o Folhetim reuniu autores de diversas formações para tratar de cultura. Essa diversidade, ao mesmo tempo em que torna o trabalho analítico e comparativo mais exigente, também o deixa mais rico. No entanto, ela coloca em cena um breve mapeamento destes diversos pontos de partida, assim como o entendimento do próprio momento da televisão. Quando não se tem um campo de análise de crítica e nem mesmo um campo de crítica de televisão consolidado para se analisar, o que garante uma partida relativamente segura é saber de onde falam seus enunciadores e sobre o que falam.

Desta forma, esta dissertação está dividida em três capítulos:

3 O conceito de campo e suas dinâmicas internas são compreendidas a partir da análise de Pierre Bourdieu, tendo como modelo o estudo do campo da moda francesa. BOURDIEU, Pierre; DELSAUT, Yvette. O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 34, p. 7-66, dez. 2001. 4 Ibidem.

(13)

 O primeiro capítulo tem o objetivo de contextualizar o Folhetim, seus principais autores e sua crítica de forma a compreender tanto a estrutura empresarial e as diretrizes editoriais que sustentavam o Caderno quanto a arena de onde partem os autores que criticam a televisão. O período de publicação do Folhetim foi marcado por mudanças drásticas tanto no âmbito da política nacional quanto nos próprios meios de comunicação (entre 1977 e 1989). Este processo de mudanças sociais e políticas de forte presença nos meios de comunicação teve impacto direto sobre o Folhetim e sua proposta editorial, uma vez que também foi dado a este Caderno um papel central na implantação de uma reformulação do projeto editorial da Folha de São Paulo como um todo.

No mesmo sentido, também o contexto específico da televisão entre 1977 e 1989 é rapidamente indicado, de maneira a localizar e dar corpo às críticas analisadas no capítulo seguinte.

 O segundo capítulo trata dos artigos e imagens publicados neste Caderno. Eles foram organizados, nesta pesquisa, dentro de três eixos fundamentais do conjunto de textos então publicados. São eles: a crítica institucional, a crítica ao meio em si e a crítica à programação. Certamente há outros temas importantes, contudo estes ajudam a entender a própria noção de crítica em elaboração neste período dentro do Folhetim.

Além de matizar os textos, a proposta do segundo capítulo é contrastar diversos escritos em torno de cada tema em busca de traçar um debate que se articula neste Caderno, de maneira que seja possível encontrar a formação de consensos e as disputas por legitimidade travadas no conflito interno e externo dos campos.  O terceiro capítulo verticaliza sua atenção na análise da produção crítica da

jornalista e psicanalista Maria Rita Kehl e do comunicólogo e semiólogo Arlindo Machado, que representam abordagens distintas do objeto televisão, cada um com sua contribuição específica tanto para a reflexão em torno do objeto quanto para a proposição a respeito do papel do crítico de televisão no jornalismo cultural. A análise destes autores oferece uma oportunidade de matizar suas abordagens e possibilita um debate que, além de significativo para o período, é também produtivo no sentido de se fazer pensar sobre o papel do crítico na elaboração e difusão de teorias a respeito do meio televisivo na sociedade ainda em nossos dias.

(14)

A partir da teoria de Bourdieu, o antropólogo Nestor Garcia Canclini5 oferece instrumentos para pensar o campo da crítica da televisão em suas especificidades. Para lidar com essa condição interdisciplinar e multicultural da televisão e sua crítica, que traz para si conceitos e valores de diversos campos, especialmente por não ter se consolidado como um campo autônomo e distinto (nem no período de circulação do Folhetim e nem hoje em dia), o conceito utilizado por Canclini de hibridação6 ajuda a avaliar como, tantas vezes, tanto os campos culturais como as culturas populares e de elite dialogam e disputam entre si e como a mescla, ou seja, a combinação e o conceito de reconversão7 são elementos fundamentais para compreender os processos culturais e a construção dos valores de legitimação dos campos.

Canclini também colabora para uma análise da crítica de televisão quando afirma que até a mais elitizada e burguesa galeria de arte está sujeita aos desígnios do mercado da cultura e sua indústria8, que a arte popular tem a potência para criar formas autônomas e não-utilitárias e, também, ao colocar que o caminho da produção cultural e difusão cultural não flui necessariamente da elite para as classes populares9.

As proposições de Canclini, além de proporem uma reavaliação dos métodos de análise da arte e da cultura de elite colocados por Bourdieu, ampliam as possibilidades do uso da metodologia de análise baseada no conceito de campo da cultura para formas culturais mais ligadas às demandas culturais que não emanam apenas da elite; são mais permeadas pelas diretrizes mercadológicas, menos autônomas e mais híbridas, como a televisão.

Baseada nessas balizas colocadas por Canclini, o primeiro capítulo se dedica a compreender tanto como as condições econômicas e sociais de produção do Folhetim agem sobre a crítica de televisão, quanto como os campos de onde partem os autores dessa crítica podem orientar sobre quais são os interesses que defendem e como se dão esses diálogos entre campos.

5 CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2011.

6 “Entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Ibidem, p. XIX.

7 Sobre o conceito de “reconversão”, Canclini define como a busca da “reinserção em novas condições de produção e mercado”. O autor oferece alguns exemplos: “quando um pintor se converte em designer” ou quando “os movimentos indígenas que reinserem suas demandas na política transnacional ou em um discurso ecológico e aprendem a comunicá-las por rádio, televisão e internet”. Ibidem, p. XXII.

8 “A obra de Bourdieu, pouco atraída pelas indústrias culturais, não nos ajuda a entender o que ocorre quando até os signos e os espaços das elites se massificam e se misturam com os populares. Teremos que partir de Bourdieu, mas ir além dele para explicar como se reorganiza a dialética entre divulgação e distinção quando os museus recebem milhões de visitantes e as obras literárias clássicas ou de vanguarda são vendidas em supermercados ou se transformam em vídeos”. Ibidem. p. 37.

(15)

Entre os autores cujos escritos foram tratados, é possível dividi-los em três eixos maiores: academia, profissionais da televisão e jornalistas da imprensa. É importante observar que existem autores que fazem parte de mais de um desses campos e outros que não se encaixam em nenhum dos três, mas a divisão nessas três categorias se mostrou útil para comparar semelhanças de pontos de vista defendidos por autores de um mesmo campo.

Entre os jornalistas da imprensa, predominam os profissionais que faziam carreira na Folha de São Paulo, mas é importante ressaltar também uma forte presença dos jornalistas egressos da imprensa alternativa. Entre os jornalistas da Folha de São Paulo, colaboraram para a crítica de televisão jornalistas já consagrados trazendo textos mais opinativos, como Alberto Dines, Samuel Weiner e Oswaldo Mendes; críticos de arte e comunicação, como o crítico de cinema Orlando Fassoni, o crítico de música Dirceu Soares e os críticos de televisão Helena Silveira, Artur da Távola e Celso Nucci Filho; cartunistas contratados da Folha de São Paulo como Angeli, Fausto Bergocce, Glauco Villas-Boas, Luscar e Nilson; além de jornalistas da casa que trouxeram entrevistas e reportagens com a opinião de especialistas sobre televisão como Cláudio Faviere, Elisa Ramos, Florestan Fernandes Júnior, Glauco Carneiro, Isa Cambará, João de Barros, Luiz Egypto, Raquel Moreno e Victor Vieira.

Como um suplemento inicialmente fundado e editado por jornalistas egressos da imprensa alternativa, o Folhetim também publicou críticas sobre televisão destes mesmos profissionais como Tarso de Castro – o primeiro editor do Caderno e um dos fundadores d’O Pasquim – o cartunista Jota e a jornalista Maria Rita Kehl, que também colaborou para os jornais alternativos Movimento e Em Tempo. Entre os jornalistas citados como contratados da Folha de São Paulo, muitos também colaboraram para a imprensa alternativa, como Angeli e Claudio Faviere.

Muitos profissionais da televisão foram chamados para criticar a televisão no Folhetim, como o autor de novelas Lauro Cesar Muniz; os atores Mario Lago e Eva Wilma, e o ex-diretor geral da Globo, Walter Clark; profissionais do telejornalismo como Woile Guimarães (Jornal Nacional), Evaldo Dantas (TV Bandeirantes), Fernando Pacheco Júnior (TV Paulista) e Gabriel Priole Neto (TV Cultura); e também profissionais da televisão pública e educativa, como um dos fundadores da TV Cultura, José Bonifácio Coutinho Nogueira, um ex-funcionário também da TV Cultura, Cláudio Petraglia, e um dos principais articuladores da TVE (Educativa), Gilson Amado.

(16)

Por fim, a academia – majoritariamente oriunda da Universidade de São Paulo – também foi um dos campos mais presentes na crítica de televisão do Folhetim. Das Ciências Sociais, colaboraram o cientista político, Gisálio Cerqueira Filho, da USP, os sociólogos, também da USP, Orlando Miranda e Gabriel Cohn, e o sociólogo da Unicamp, Renato Ortiz. O Folhetim também trouxe dois filósofos da USP: Vilém Flusser e Renato Janine Ribeiro, além do professor de letras da PUC, George Sperber, o comunicólogo da UFRJ, Muniz Sodré, o comunicólogo e semiólogo da USP e da PUC, Arlindo Machado, e a historiadora Sheila Schvarzman.

Entre os autores que ficaram fora destes campos estão os artistas plásticos Mario Ramiro e José Wagner Garcia, o poeta e jornalista José Lino Grunewald e a publicitária Fátima Jordão.

Sobre os autores que criticam a televisão, de uma perspectiva da noção bourdiesiana de campo, é importante compreender as diversas origens (de qual campo procedem) dos autores que criticam o Folhetim, pois dessa forma é possível compreender mais sobre o arcabouço de conceitos e valores que trazem de seus respectivos campos para criticar a televisão. Esta análise é particularmente importante ao observar a vasta diversidade de campos que originam os autores que criticam a televisão: pesquisadores da academia, profissionais da televisão, jornalistas da imprensa alternativa, jornalistas de variedades, críticos de teatro e cinema, atores e atrizes etc.

Embora o campo não determine completamente as opiniões de cada autor, entender essas origens ajuda a compreender e contextualizar o debate que cada autor está trazendo, quais conceitos utiliza e quais as disputas em jogo, pois estes muitas vezes fazem sentido a partir da lógica do campo em que cada um está inserido.

O objetivo desta dissertação é compreender como funciona a crítica de televisão do Folhetim não apenas no valor individual de seus debates, mas na crítica como um todo, na criação deste laboratório de crítica e nas particularidades desse espaço criado, que podem ser compreendidos pelo seu entorno, ou seja, a empresa que o suporta e os valores que o justificam. Este entorno pode ser compreendido a partir de uma breve análise da estrutura de gestão da empresa Folha da Manhã no período de circulação do Folhetim, e também das diretrizes editoriais do jornal Folha de São Paulo no mesmo período.

(17)

Durante a pesquisa, um importante tema veio à tona, permeando toda a crítica. De maneira direta ou indireta, os autores que criticaram a televisão no Folhetim sempre tiveram em vista o telespectador, sua postura diante da televisão, seu maior ou menor poder de agência, a presença da televisão na constituição de seu imaginário e as implicações da sua dupla condição de telespectador e cidadão. Dessa forma, a questão da espectorialidade se impôs como um tema condutor da dissertação, especialmente quando a condição do telespectador é interseccionada na imprensa com a condição de público leitor.

O propósito da dissertação foi primeiramente discutir a crítica de televisão no Folhetim de maneira a apreender consensos e disputas simbólicas tendo em vista tanto o campo de origem dos autores como o contexto deste espaço de debates criado pela Folha de São Paulo, em um período relevante para o país, para os grandes veículos de comunicação e para os próprios estudos sobre televisão. Tal discussão buscou compreender como estas práticas colaboram para uma reflexão em torno do papel do crítico de televisão e da condição do telespectador, tanto no período como nos dias de hoje.

Feitas as análises, fica evidente a centralidade do debate em torno do espectador, sua condição diante da televisão e sua potência de resposta e interpretação. Esta discussão sobre a espectorialidade acabou se tornando o eixo central da pesquisa, dada a sua importância no período e na crítica do Folhetim, especialmente quando revela suas profundas relações com os conceitos de cidadania no contexto democrático. A importância deste debate se estende aos tempos atuais, quando a reflexão ampla e difundida em torno do papel da televisão (e dos meios de comunicação como um todo) na sociedade e no cenário político se mostra cada vez mais urgente.

(18)

CAPÍTULO 1 – BALIZAS DA CRÍTICA DO FOLHETIM

Após 13 anos de regime militar, em 1977 a sociedade brasileira no geral se definia politicamente sob um processo de transição democrática. Este foi um importante momento para o país tanto no cenário político como para a sociedade civil como um todo, que se agitava em disputas e debates em torno da conformação da abertura democrática brasileira. Consequentemente, a comunicação de massa no país também passava por um importante processo de adequação às novas conformações políticas e sociais.

Protagonista deste processo político, a Folha de São Paulo passou, a partir de 23 de janeiro de 1977, a publicar junto ao jornal de domingo o caderno Folhetim. Este suplemento cultural foi criado para impulsionar as vendas do jornal e para dar o novo tom ao periódico, a fim de caracterizar-se como uma publicação alinhada aos valores democráticos e ao que considerava a cultura progressista. Ele também participava de uma estratégia para conquistar a liderança no mercado jornalístico. A direção da Folha de São Paulo viu no Folhetim um modo de atrair nomes importantes entre renomados jornalistas, profissionais da cultura e estudiosos da academia para discutir cultura e sociedade no Brasil.

Do ponto de vista do contexto da Folha de São Paulo, é importante pensar o que significa o Folhetim para a empresa e como a criação e condução editorial do Caderno esteve ligada a um plano de reformulação do jornal como um todo. Este projeto teve impacto direto sobre o Folhetim e a trajetória de sua crítica de televisão, da perspectiva de uma gestão que pensa tanto em estratégias mercadológicas quanto em termos das disputas pela legitimidade dentro dos campos.

A televisão brasileira, por sua vez, viveu durante as décadas de 1960 e 1970 um processo de consolidação como o meio de comunicação de maior alcance no país, segundo Maria Rita Kehl sobre a trajetória da Rede Globo deste período10. Para ela, a consolidação do meio e da emissora esteve intimamente ligada aos planos de integração nacional da ditadura civil-militar e ao desenvolvimento de uma sociedade de consumo.

Na mesma linha desta autora e na televisão comentada pelo Folhetim, durante o final da década de 1970 e ao longo da década de 1980, nota-se que as emissoras tentavam encontrar seu caminho já sem a interferência direta do governo, diante de uma censura que vai se

10 KEHL, Maria Rita. Eu vi um Brasil na TV. In: SIMÕES, Inimá F.; COSTA, Alcir Henrique da; KEHL, Maria Rita. Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo: Brasiliense/ Funarte, 1986. p. 167-323.

(19)

abrandando, de uma sociedade civil mais organizada que a vê como aliada do regime, do contexto econômico da crise e da transição democrática.

Os autores que criticam a televisão no Folhetim são oriundos principalmente de três campos: a imprensa – que conjuga dois polos que são a imprensa alternativa e a imprensa das grandes corporações – profissionais da televisão e pesquisadores da academia. Este corpo de crítica não foi reunido ao acaso. Muitos foram os fatores que fizeram com que estes campos estivessem reunidos em torno da televisão no Folhetim. Entre eles, é possível citar: o contexto social e político da televisão que chamou o interesse da academia para o tema, o prestígio social e a postura pró-democracia almejada pela direção da Folha de São Paulo, que motivou afeição do jornal por acadêmicos e jornalistas da imprensa alternativa e também o objetivo do Folhetim de aumentar as vendas do jornal aos domingos com discussões sobre cultura, o que fez da televisão e dos profissionais do meio objeto de interesse do Caderno. Estes fatores ajudam a explicitar um debate que, no limite, leva às discussões muito correntes na época sobre público, pedagogia e qualidade na televisão.

Trazer o contexto da televisão é importante também, pois ele mostra não apenas o cenário em que ocorre a crítica, mas ajuda a explicar a recorrência e importância de certos temas, e também é útil para pensar o interesse de tais autores e da própria Folha de São Paulo pela televisão. A consolidação da televisão como meio de comunicação hegemônico no Brasil e a contratação de artistas de esquerda do teatro e do cinema são dois fatores centrais para o aumento deste interesse.

Por último, a visão geral do percurso editorial do Folhetim em seus 13 anos de publicação associados à situação da crítica de televisão de um ponto de vista geral e quantitativo ajuda a contextualizar os textos trazidos no segundo capítulo, uma vez que estes não estão organizados cronologicamente.

Esta perspectiva é importante, pois o Folhetim, por conta do momento de grandes reformas na redação da Folha de São Paulo, passou pelas mãos de inúmeros editores e foi diversas vezes redirecionado quanto à sua proposta editorial. Estas mudanças tiveram um impacto importante sobre a crítica de televisão, uma vez que afetavam também os autores que contribuíam para o Caderno, os temas abordados e o tipo de texto publicado. As mudanças editorias chegaram até mesmo a ter impacto no público-alvo do Folhetim, o que afetou diretamente a interlocução de sua crítica de televisão.

(20)

1.1 A REFORMULAÇÃO DA FOLHA DE SÃO PAULO

Em 1962, a empresa Folha da Manhã foi comprada pelos empresários Octavio Frias de Oliveira, Carlos Caldeira Filho e Caio de Alcântara Machado (que deixa a sociedade meses depois). Nascida apenas dois anos antes do golpe civil-militar, a Folha de São Paulo de Frias e Caldeira cresceu se aproveitando das tendências que dominaram a década de 1960 na economia brasileira: capitalismo monopolista baseado no capital estatal e estrangeiro, ampliação das camadas médias (cresce o setor de comércio e serviços), incentivo estatal à importação de maquinário industrial, investimento do Estado na ampliação da infraestrutura das comunicações nacionais e alta no investimento publicitário (com destaque para a publicidade estatal). É importante apontar, porém, que a Folha da Manhã já trazia práticas comuns ao jornalismo empresarial com uma visão voltada para o mercado antes da aquisição feita por Frias, Caldeira e Machado11.

De formação empresarial, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho aplicaram as fórmulas que conheciam para fazer o negócio prosperar: aquisições de empresas para ampliação de mercado, modernização tecnológica e reestruturação dos processos de forma a torná-los mais ágeis e eficientes. A proposta era tornar a Folha da Manhã uma empresa que fizesse jornais de maior qualidade, em menor tempo e com menos dinheiro12.

Desde a década de 1960, Octavio Frias de Oliveira já tinha planos de fazer concorrência frente ao jornal O Estado de São Paulo, publicação de maior circulação em São Paulo naquela década13. Para conquistar seu objetivo, Frias de Oliveira voltou sua atenção para a redação da Folha de São Paulo. Sua primeira medida foi contratar o jornalista Cláudio

11 Como mostra Gisela Taschner, antes da chegada de Frias e Caldeira, o período que mais trouxe tais práticas para a redação da Folha de São Paulo foi durante a gestão José Nabantino Ramos (de 1945 a 1962), que traz pela primeira vez a noção de que um jornal deve ser administrado utilizando as mesmas técnicas de qualquer empreendimento industrial e implanta uma séria de ferramentas de gestão empresarial e de controle produtivo. Duas medidas importantes resumem essa fase da redação: o Programa de Ação das Folhas, de 1948, e a divulgação das Normas de Trabalho da Divisão de Redação, de 1959, que estabeleciam uma série de regras e padronizações de escrita e ortografia. Esta publicação foi uma das precursoras do Manual Geral da Redação, um dos pilares da reformulação editorial da Folha de São Paulo na década de 1980. TASCHNER, Gisela. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

12 Para tanto, a empresa adquiriu uma série de publicações enfraquecidas pela crise financeira da década de 1960, como os jornais A Última Hora e o Notícias Populares, e se tornou acionista majoritária da Fundação Cásper Líbero; fundou o jornal A Cidade de Santos e reformulou suas próprias publicações: a Folha de São Paulo e a Folha da Tarde.

No campo das reestruturações operacionais, a empresa criou sua própria frota de veículos para distribuição e criou a Agência Folha para a centralização da produção de notícias. Na área da modernização tecnológica, a empresa adotou a impressão em off-set em 1967, a técnica de fotocomposição em 1971 e progressivamente instalou computadores nas redações ao longo da década de 1980.

13 “Assim que me livrei da parte financeira, passei a olhar a redação mais de perto, com o espírito de fazer um jornal que alcançasse o Estado”, depoimento de Octavio Frias de Oliveira à Folha de São Paulo. PINTO, Ana Estela de Sousa. Op. cit., p. 47.

(21)

Abramo, ex-chefe de redação d’O Estado de São Paulo, que trouxe jornalistas experientes para promover uma renovação na redação do Jornal, como Pimenta Neves, Alexandre Gambirasio, Washington Novaes e Emir Nogueira.

Em meados de 1974, Octavio Frias de Oliveira decide aprofundar as mudanças nas redações das publicações da Folha da Manhã em busca de prestígio e credibilidade14. Este intuito foi impulsionado pelo momento de transição democrática que se mostrou propício tanto pelo alinhamento com os interesses do regime militar, relacionados à transição democrática15, quanto pelo fortalecimento da sociedade civil que passava a cobrar de seus meios de comunicação uma nova postura. Esta mudança seria conveniente também no sentido de renovar a imagem da Folha de São Paulo diante do público leitor, uma vez que o jornal foi muitas vezes visto como colaborador do regime militar16.

A junção destes elementos resultou em uma reformulação editorial do jornal, que passaria a se comprometer com os ideais democráticos e abriria mais espaço para a esquerda em suas publicações, buscando desta forma capitalizar sobre a transição democrática que se anunciava e conseguir o desejado prestígio e credibilidade que a Folha de São Paulo precisava para dar o último salto sobre a competição.

Outra estratégia central para a realização deste intento foi a busca por uma aproximação com a comunidade acadêmica. Desde a década de 1930 O Estado de São Paulo possuía próxima relação com a Universidade de São Paulo. A Folha de São Paulo buscou,

14 Segundo Oscar Pilagallo, o objetivo de Frias de Oliveira ainda era superar as vendas d’O Estado de São Paulo,

neste momento em que busca a conquista de uma vantagem mais subjetiva que não estava relacionada à gestão administrativa e financeira de sua empresa. In: PILAGALLO, Oscar. História da Imprensa Paulista: Jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma. São Paulo: Três Estrelas, 2012. p. 216.

15 Paralelamente à sua trajetória interna, a Folha de São Paulo, assim como todo o Brasil, vivia uma situação particular em 1974. O governo anunciado do General Ernesto Geisel apontava para uma possível transição democrática e esta possibilidade era elemento crucial para pensar o futuro da comunicação brasileira. Dessa forma, o governo precisaria do apoio da sociedade civil, especialmente dos meios de comunicação, para fazer frente às vertentes militares que buscavam uma permanência do regime autoritário e um endurecimento da repressão. Neste intuito, o futuro ministro da casa civil, Golbery do Couto e Silva, se encontra com Octavio Frias de Oliveira para anunciar os planos de transição, bem como demostrar a empatia do futuro governo com o crescimento da Folha de São Paulo. Este encontro é citado por inúmeras publicações. Para mencionar algumas: PILAGALLO, Oscar. Op. cit., p. 214; PINTO, Ana Estela de Sousa. Op. cit., p. 62; e GONÇALVES, Marcos Augusto (org.). Pós-tudo: 50 anos de cultura na Ilustrada. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 52.

16 Essas acusações se basearam especialmente no período em que o jornal Folha da Tarde (outra publicação do

Grupo) foi conduzido por pessoas ligadas à polícia, se tornando uma das publicações mais partidárias do regime. Nesta época, carros de distribuição da Folha de São Paulo foram alvo de ataques da guerrilha armada, especialmente depois de acusações de que estes carros estavam sendo usados pela polícia para executar operações disfarçadas: PINTO, Ana Estela de Sousa. Op. cit., p. 51-59.

(22)

portanto, também se aproximar da USP, mas para trazer uma nova geração de acadêmicos para suas publicações17.

Esta reformulação culminaria no Projeto Folha, implantado oficialmente em 1984 junto com a entrada de Otávio Frias Filho na direção de redação e com a instituição do Manual Geral da Redação18. No entanto, a grande virada editorial da Folha de São Paulo começa a ser colocada em prática já em 1974. É importante ressaltar, entretanto, que essa virada não ocorre de maneira pacífica e sem conflitos. Os embates começam inicialmente com o regime militar19 e posteriormente dentro da própria redação do jornal.

Uma medida importante na reestruturação das empresas foi a criação do Departamento de Marketing e do Datafolha, no início da década de 1980. Até então, todas as mudanças editoriais eram feitas na base da intuição de seus diretores; a implantação das análises de marketing e das pesquisas de opinião ajudaram a embasar os rumos dos jornais mais solidamente nas demandas do mercado e atestar aquilo que consideravam a qualidade do jornal, ou seja, a aprovação captada pelas pesquisas20.

Para a socióloga Gisela Taschner, a empresa Folha da Manhã consolidou com suas práticas os métodos industriais de se produzir notícia e as estratégias mercadológicas para se gerir uma empresa jornalística desde sua fundação, em 1921, até a gestão da família Frias21. Segundo a autora, o traço mais marcante dessa estratégia é a diversificação de mercado criada pelo direcionamento específico de cada uma das publicações da empresa – estas direções seriam apontadas pelas pesquisas de marketing. Dessa forma, a solidez econômica da Folha da Manhã se funda na cobertura ampla de diversas camadas sociais e de públicos de diferentes inclinações políticas, abandonando ideias de uma missão jornalística para a adoção de estratégias de mercado como direcionador único das políticas editoriais.

17 PINTO, Ana Estela de Sousa. Op. cit., p. 70-71.

18 É importante também citar a criação da seção Tendências e Debates, em 1978, que traz cientistas sociais, economistas e políticos para opinar sobre o cenário do período, muitos dos quais haviam sido afastados da imprensa pelo regime militar.

19 O ano de 1977 para a Folha de São Paulo exemplifica bem as contradições que marcaram um processo de transição democrática. O mesmo ano em que a Folha de São Paulo reuniu nomes importantes da esquerda cultural brasileira para criar o Folhetim foi o ano em que ocorreu a famosa censura da coluna de Lourenço Diaféria. Os desdobramentos desse conflito resultaram no afastamento de Cláudio Ábramo da direção de redação, quando Boris Casoy é colocado em seu lugar; no fim da coluna de Alberto Dines; e na suspensão temporária dos editoriais da Folha de São Paulo.

20 TASCHNER, Gisela. Op. cit., p. 181.

21 Em seu livro Folhas ao vento, Gisela Taschner busca compreender a consolidação da indústria cultural brasileira no campo da imprensa por meio da formação de conglomerados, tendo como objeto central a trajetória da empresa Folha da Manhã. TASCHNER, Gisela. Op. cit.

(23)

Todavia, é importante destacar que, embora as ferramentas de pesquisa de marketing tenham de fato diminuído o impacto do fator “intuição dos diretores” sobre os direcionamentos editoriais, esses números captados ainda são interpretados pela diretoria, a estruturação metodológica das pesquisas também pode afetar seus resultados e as possibilidades de caminhos a seguir também partem das noções daqueles que estão à frente da empresa22.

Essa relação entre a Folha de São Paulo, seus proprietários e a empresa é fundamental, pois ela sinaliza um caminho para vislumbrar, por trás dos apontamentos que vêm da frieza dos números apresentados pelo departamento de marketing, um conceito elaborado de sociedade, cidadania e de público leitor. Embora não possa ser tão simplesmente definido pela personalidade de seus proprietários, esse conceito emana da diretoria, se amplia no Conselho Editorial por ela eleito, se solidifica no Manual Geral da Redação criado pelo Conselho em 1984, e reverbera nos textos da publicação que tem esses valores cobrados pelos editores.

Em 1981, o Conselho Editorial criado em 1978 para debater e apontar os rumos editoriais da Folha de São Paulo, divulga um documento chamado A Folha e alguns passos que é preciso dar, o primeiro de uma série de documentos que pretendiam redirecionar a política editorial do jornal e que estruturaram o chamado Projeto Folha. Sinalizando uma mudança editorial que vinha sendo implantada desde 1974, o documento vem para organizar e ampliar o alcance e a potência dessa reforma. O texto inicia estabelecendo o propósito da Folha de São Paulo: “o objetivo de um jornal como a Folha é, antes de mais nada, oferecer três coisas ao seu público leitor: informação correta, interpretação competente sobre essa informação e pluralidade de opiniões sobre os fatos”23.

Neste documento, a Folha de São Paulo declara seu posicionamento político:

[A Folha de São Paulo] Vem escrevendo de modo cada vez mais nítido o seu papel real na cena política, preenchendo a função de um órgão liberal-progressista, ou seja, numa só frase: partidário dos princípios e métodos legados pelo liberalismo político e preocupado com a necessidade de introduzirmos reformas pacíficas, mas profundas no capitalismo brasileiro, destinados a solucionar os problemas sociais

22 Inclusive, a própria autora afirma que embora a Folha da Manhã de Octavio Frias de Oliveira e de Carlos Caldeira se encontre no ponto mais alto da conformação capitalista da empresa e também de toda a estrutura de conglomerados do Brasil, existe um aspecto que ainda a prende às formas mais estamentais da configuração social brasileira, se vinculando assim às práticas mais tradicionais do capitalismo no país e se distanciando do novo capitalismo internacional: a centralização do poder de decisão e da propriedade da empresa na figura de Octavio Frias de Oliveira. TASCHNER, Gisela. Op. Cit., p. 170.

(24)

mais graves e criar convivência social estimável para a maioria e aceitável para as minorias24.

É possível fazer um paralelo com a análise que Gisela Taschner faz do Programa de Ação das Folhas de 194825, quando afirma que nele está expressa a percepção por parte da direção do jornal de que o crescimento da força política das classes populares fez da ampliação dos direitos sociais a única saída para “resguardar o capitalismo de uma transformação pela força”. Dessa forma, a “adaptação à mudança” se inverteria em uma “adaptação para não mudar”, e se converteria em uma tática de defesa de privilégios de classe26.

É possível falar também de uma busca da “adaptação para não mudar”, no caso do documento de 1981 do Conselho Editorial, uma vez que a situação política da época mais uma vez apontava para o fortalecimento dos movimentos populares. A clareza das intenções deste documento de 1981 dispensa interpretações mais rebuscadas na medida em que a Folha de São Paulo se identifica como partidária do liberalismo e pela defesa de “reformas pacíficas”.

Em 1982, outro documento intitulado A Folha em busca do apartidarismo, reflexo do profissionalismo é divulgado, desta vez focando nas técnicas de escrita e produção da notícia e na postura política do jornal. O Conselho Editorial ressalta a importância da Folha de São Paulo se estabelecer como um jornal apartidário. A partir de 1982, os debates políticos e sociais, que agora tinham espaço no caderno principal da Folha de São Paulo, saem do Folhetim, que se torna neste momento um Caderno mais focado em um nicho de mercado específico: aquele interessado em debates filosóficos e literários mais aprofundados e que já possuem algum conhecimento do campo. Dessa forma, o Folhetim entra na lógica de segmentação de cadernos que é aplicada durante a implantação do Projeto Folha. Apesar de fazer parte da mudança editorial, uma característica diferencia o Folhetim da trajetória do restante da Folha de São Paulo: enquanto os textos da Folha de São Paulo como um todo

24 Ibidem.

25 Para a autora, após a compra por Clóvis Queiroga, José Nabantino Ramos e Alcides Ribeiro Meirelles em 1945, as Folhas (da Manhã, da Tarde e da Noite) fazem uma importante virada, pois “elas deixam de ser o porta-voz de um setor de classe específico (o setor agricultor – grifo meu) para se tornarem o porta-porta-voz da classe dominante em seu conjunto e do modo de produção capitalista, em uma versão não-selvagem”. TASCHNER, Gisela. Op. cit., p. 71.

26 Na ocasião, o Programa de Ação definiu na sua seção a respeito da defesa dos direitos sociais: “Combate a todas as formas de exploração do povo para que a liberdade dos mais fortes não asfixie o direito de sobreviver dos mais fracos. Progressiva melhoria das condições dos funcionários públicos e trabalhadores em geral, mas exigência de disciplina, eficiência e produção, para que possa haver verdadeira paz social”. Ibidem. p. 72.

(25)

ficaram menores e o número de imagens cresceu, no Folhetim o processo foi justamente o inverso. Muitos textos ficaram maiores e o número de imagens caiu no Caderno. Isso demonstra que o Folhetim, em sua última fase, era direcionado para um público específico e ligeiramente distinto do público da Folha de São Paulo como um todo, mudando completamente seu propósito inicial de atrair mais públicos diferentes e impulsionar as vendas do jornal.

Um mês depois do fim da Campanha pelas Diretas, que trouxe grande prestígio para a Folha de São Paulo devido à sua postura favorável à aprovação da Emenda Dante de Oliveira27, Otávio Frias Filho assumiu a Direção de Redação da Folha de São Paulo e começou oficialmente a implantação do Projeto Folha. É importante destacar que a sua chegada estabelece um corte na trajetória da reformulação, como uma busca do filho em deixar sua marca e se diferenciar da gestão do pai, de maneira a consolidar sua posição de liderança. Embora tanto o Jornal como Otávio Frias Filho estivessem sendo preparados para a troca de direção, a entrada do herdeiro de Octavio Frias de Oliveira foi acompanhada de algumas mudanças importantes, como a troca de diversos cargos de confiança e algumas mudanças nos processos produtivos e reguladores do jornal, executando uma alteração mais formal do que de conteúdo (característica da reformulação editorial pré-Frias Filho).

Comparando os estilos de gestão de Octavio Frias de Oliveira e Otávio Frias Filho é possível perceber um contraste geracional que não se limita às figuras dos dois gestores. Octavio Frias de Oliveira, em seu plano de racionalização e otimização dos processos produtivos, fazia uma separação mais clara entre as etapas administrativas e financeiras da Folha da Manhã e a gestão da redação da Folha de São Paulo. É por meio dessa lógica que faz sentido a contraditória coexistência de jornalistas egressos da imprensa alternativa gerindo o Folhetim como um caderno leve, bem-humorado e, ao mesmo tempo, crítico do sistema político, em uma empresa como a Folha da Manhã, focada em eficiência, resultados e lucro. Octavio Frias de Oliveira tinha consciência de que prestígio no meio jornalístico é conquistado trazendo a esquerda clandestina das épocas mais repressivas do regime militar para atrair os leitores jovens que configuravam o público da imprensa alternativa, e se

27 Em 1983, a campanha pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que instituiria eleições diretas para a Presidência da República, apresentou uma grande oportunidade para a Folha de São Paulo estabelecer de uma vez por todas o seu posicionamento de compromisso com a redemocratização e se colocar como um dos veículos de maior abrangência do país. Ao apoiar declaradamente a aprovação da Emenda e cobrir com dedicação as manifestações, a Folha de São Paulo passou a ser vista como uma publicação progressista pelo grande público, ficando conhecida como “o jornal das Diretas”. O sucesso gerado pela adesão à Campanha das Diretas fez com que este se tornasse um marco na história da Folha de São Paulo.

(26)

aproximando da academia das universidades públicas, para atrair os leitores mais velhos que liam n’O Estado de São Paulo intelectuais consagrados da USP.

Para Otávio Frias Filho, a questão do prestígio estava mais ligada a uma noção de perfeição técnica, apartidarismo e pluralismo político, como demonstrado a seguir. Esses valores, então, teriam sua eficácia comprovada pelas vendas qualificadas, ou seja, venda para o público de interesse: as classes alta e média alta. Dessa forma, a aproximação com a esquerda ocorre no sentido de trazer o que a direção da Folha de São Paulo vai considerar como “todos os pontos de vista”. Assim, opiniões mais conservadoras terão também seu espaço garantido no jornal, de forma que o leitor se sinta amplamente informado. A separação entre a forma de gestão da redação e das demais áreas também perde força sob a gestão de Otávio Frias Filho, que cria uma série de ferramentas de controle e avaliação dos textos, o que causou conflitos internos na Folha de São Paulo, especialmente com os jornalistas mais velhos.

Um dos marcos do início do Projeto é o documento A Folha depois das diretas-já, publicado em 1984, no qual o Conselho Editorial reconhece a grande oportunidade que foi oferecida ao jornal pela projeção obtida com a adesão à campanha das diretas. Em seguida, o documento trata do momento crucial em que vivia o jornal e passa a listar falhas técnicas, de infraestrutura e profissionais que precisavam ser urgentemente superadas28. Tendo em vista a necessidade de superar essas falhas e reestruturar a redação, a chefia da Folha de São Paulo passa a implantar diversos mecanismos de controle e medição de resultados e a exigir mais eficiência, mais esforços e menos erros por parte dos profissionais. Entre esses mecanismos pode-se citar o Plano de Metas Trimestrais, a Planilha de produção e o Relatório de sobras.

Além das medidas citadas, um dos feitos mais importantes do Projeto Folha foi a publicação do Manual Geral da Redação, um guia de orientação formal e política para a redação do jornal. Embora a iniciativa já tivesse precedentes até mesmo na Folha de São Paulo, o Manual Geral da Redação de 1984 foi importante, pois se tornou referência no campo das práticas jornalísticas e nele estão contidos todos os princípios básicos da reformulação editorial da Folha de São Paulo, desde o uso de pontuações e termos específicos até a definição de conceitos como apartidarismo e pluralismo:

O apartidarismo da Folha significa que o jornal toma partido em relação à questão discutida, nunca em relação às facções que se debatem em torno dela. A Folha não

(27)

se atrela a nenhum grupo, tendência ideológica ou partido político [...]29. Pluralismo: Numa sociedade complexa como é a brasileira hoje, cada fato é objeto de interpretações divergentes, não raro antagônicas. A Folha se propõe a refletir essa pluralidade de pontos de vista e assegurar o acesso do leitor ao espectro ideológico da sociedade em que vive30.

Apesar dos conflitos internos e das disputas ideológicas promovidas pelas novas mudanças, as vendas da Folha de São Paulo cresceram e, conforme as pesquisas promovidas pela própria empresa, a satisfação do público quanto ao jornal também aumentou31. O ano de 1984 foi, inclusive, o ano em que a Folha de São Paulo finalmente consolidou sua superioridade em vendas sobre O Estado de São Paulo, com 5% a mais de exemplares vendidos no ano, diferença que se ampliou com o passar do tempo, chegando a 50% em 199132. Essa informação basta para atestar, na opinião da direção, a qualidade do jornal e o sucesso do Projeto. Para seus críticos, ao pregar valores como “neutralidade” e “apartidarismo”, e ao se submeterem sem resistência ao que todos vão chamar “lógica de mercado”, o que a Folha de São Paulo faz na realidade é esconder seus reais interesses que estão pautados pelos interesses da classe dominante da qual faz parte33.

Neste ponto, é possível se atentar à ideia que se tem de público para a Folha de São Paulo que, posteriormente, dialoga com a ideia de espectador/leitor na crítica de televisão do Folhetim. O Projeto Folha como um todo se baseia na noção de que sucesso é satisfação do público. Este, por sua vez, expressa sua aprovação e desaprovação por meio da compra deste ou daquele produto. Aqui faz sentido a defesa dos valores de “apartidarismo” e “pluralismo”, que são implantados não como uma valorização da diversidade de pensamento no Brasil, mas como uma estratégia mercadológica que busca evitar a segregação do jornal a um nicho ideológico específico. E, nesta medida, o jornal projeta para si uma noção de neutralidade.

Paralelamente, existe o valor “didatismo”, que parte da noção de que o leitor quer e deve ser instruído, que seu tempo é curto e seu repertório é restrito. De acordo com os princípios da Folha de São Paulo, o leitor deve ser capaz de assimilar todo o conteúdo de uma

29 FOLHA DE SÃO PAULO. Manual Geral da Redação. 2. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 1987. p.27

30 Ibidem, p. 34.

31 Dados sobre o aumento de vendas e relatos sobre os conflitos internos na empresa podem ser encontrados em: SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Mil dias: Os bastidores da revolução de um grande jornal. São Paulo: Trajetória Cultural, 1988. p. 81.

32 PINTO, Ana Estela de Sousa. Op. cit., p. 84.

(28)

notícia o mais rápido possível. Dessa forma, os textos devem ser concisos e a notícia repleta de imagens e gráficos explicativos34.

A partir de tais princípios fundadores (apartidarismo, pluralismo e didatismo), é possível compreender nas diretrizes da nova Folha de São Paulo que existia um conceito bem elaborado de público/cidadão e, portanto, de democracia. O público/cidadão seria um indivíduo dotado de vontade e opinião própria, com poder aquisitivo para fomentar esta ou aquela iniciativa. A democracia seria uma sociedade na qual este cidadão teria acesso a uma variedade de informações e opiniões suficientes para que se sinta suprido e na qual ele tenha a liberdade de ter acesso e comprar o produto que o satisfaça de maneira mais plena. Essa ideia de público leitor pode ser observada na definição de “Mandato do Leitor” no Manual Geral da Redação:

Nas sociedades de mercado, cada leitor delega ao jornal que assina ou adquire nas bancas a tarefa de investigar os fatos, recolher material jornalístico, editá-lo e publicá-lo. Se o jornal não corresponde às suas exigências, o leitor suspende esse mandato, rompendo o contrato de assinatura ou interrompendo a aquisição habitual nas bancas. A força de um jornal repousa na solidez e na quantidade de mandatos que lhe são delegados35.

No ensaio para o Folhetim intitulado “Vampiros de papel”, Otávio Frias Filho faz uma observação correlata quanto à função desempenhada por este negócio na sociedade atual:

Em outras palavras, que não é a imprensa burguesa quem institui um público sujeito à estratégia de mercado e às manipulações que dela decorrem, mas que é o caráter mercadológico da notícia quem institui, numa ponta, a imprensa burguesa, na outra o público burguês, e entre ambos uma simbiose de interesses complementares36.

Embora a Folha de São Paulo defenda o pluralismo político em busca da expansão de seu público-alvo, para evitar se restringir a um pequeno nicho, essa expansão ocorre dentro de uma camada social específica e cada vez mais alta, como apontam os dados oferecidos por Carlos Eduardo Lins da Silva37. Tendo esses dados em mente, Otávio Frias Filho acerta quando coloca a Folha de São Paulo em uma ponta e seu “público burguês” em outra, uma vez que este é, cada vez mais, o seu público-alvo. Trata-se assim de um ponto de vista que naturaliza e essencializa a sociedade de mercado e, para o qual, o conceito de cidadão se justapõe ao de consumidor, sendo ambos mecanismos que funcionariam para legitimar a nova ordem política no horizonte do processo de redemocratização.

34 FOLHA DE SÃO PAULO. Op. cit., p. 30.

35 Ibidem, p. 33.

36 FRIAS FILHO, Otavio. Vampiros de papel. Folhetim: Folha de São Paulo, São Paulo, 05 ago. 1984. p. 3. 37 SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Op. Cit., p. 170-171.

(29)

Esta questão do público-alvo, da origem das diversas opiniões divulgadas pela Folha de São Paulo e da ideologia do mercado serão fundamentais para compreender a noção de televisão e telespectador da crítica de televisão do Folhetim, e esta crítica, por sua vez, contribui para a compreensão do ponto de vista da direção editorial da Folha de São Paulo, como será visto adiante.

1.2 O FOLHETIM E A IMPRENSA ALTERNATIVA

A imprensa alternativa teve um papel importante para a resistência do jornalismo nos anos de maior repressão do regime militar.Segundo o cientista político e jornalista Bernardo Kucinski, esta vertente jornalística prosperou durante a ditadura devido à:

[...] articulação de três atores sociais: as esquerdas, com seu desejo de protagonizar as transformações; jornalistas buscando alternativas ao fechamento de seus espaços na grande imprensa; e intelectuais, encurralados pelo ambiente repressivo que se instalou nas universidades38.

Entre as publicações alternativas de maior circulação, o Folhetim teve relação mais próxima com O Pasquim. Criado em 196939, foi fundado por Tarso de Castro, Jaguar, Sérgio Cabral, Claudius, Carlos Prosperi e Luiz Carlos Maciel, e fez parte de um conjunto de jornais alternativos do Rio de Janeiro que se inicia com a criação do Pif-paf (1964), por Millôr Fernandes.

O Pasquim foi um dos jornais alternativos de maior circulação, chegando a vender 200 mil exemplares por edição, em seu auge40. Seguindo a tradição do Pif-paf e trazendo muitos de seus jornalistas e cartunistas, O Pasquim ficou conhecido pela crítica política baseada no humor e no deboche41. O Folhetim herdou nomes importantes d’O Pasquim como Fortuna, Josué Guimarães e Luiz Carlos Maciel, além de ter compartilhado autores e desenhistas como Angeli e Paulo Francis. Para Bernardo Kucinski, em seu livro sobre a história da imprensa alternativa:

O Pasquim revolucionou a linguagem do jornalismo, instituindo uma oralidade que ia além da mera transferência da linguagem coloquial para a escrita do jornal. Essa

38KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 183.

39 E publicado até 1991.

40 Depoimento de Jaguar ao documentário. IMPRESSÕES do Brasil. Direção de Mimito Gomes. Roteiro: Ricardo Carvalho. Rio de Janeiro: Sharp, 1987.

41 RESISTIR é preciso. Direção de Ricardo Carvalho. TV Brasil/EBC; Instituto Vladimir Herzog. Episódio 3,

(30)

revolução, semi apreendida pela imprensa nos anos seguintes, teve impacto mais profundo na publicidade42.

Outra linha de jornais alternativos importante para a história do Folhetim nasce com a criação do jornal Amanhã, em 1967, por Raimundo Rodrigues Pereira43. Com o fechamento do Amanhã pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social), Pereira parte para novos projetos e vai para o Rio de Janeiro criar o jornal Opinião, em outubro de 1972, financiado pelo empresário Fernando Gasparian. O periódico contou com a colaboração de Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso e Antonio Candido, e foi idealizado para ser um jornal de oposição ao regime militar. Em depoimento à série RESISTIR é Preciso, da TV Brasil, Raimundo Rodrigues Pereira afirma que o jornal Opinião passou por uma série de conflitos internos devido a divergências ideológicas, especialmente no que diz respeito aos seus rumos diante de uma possível transição democrática. Essas divergências resultaram no pedido de demissão de Raimundo Rodrigues Pereira, que partiu para São Paulo com sua equipe e criou o jornal Movimento, em 197544.

Por sua vez, o Movimento (que circulou entre 1975 e 1981 em São Paulo) era financiado por uma campanha coletiva. O Movimento se colocou também em declarada oposição ao regime militar, a favor das liberdades democráticas, contra o AI-5, contra o imperialismo e pela Reforma Agrária45. Após divergências sobre os rumos editoriais do jornal Movimento, alguns jornalistas egressos se reuniram para formar o Em Tempo em 1978, um jornal de gestão coletiva editado por Bernardo Kucinski46.

A comunicóloga Regina Festa defende que os fatores que resultaram no fim da imprensa alternativa foram os novos espaços políticos permitidos pela abertura democrática, os atentados às bancas, perpetrados por grupos de extrema-direita, as apreensões a edições e censuras descaracterizadoras que ocorreram nos períodos de censura mais forte, e a

42 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. 2. ed. São Paulo:

Edusp, 2003. p. 210.

43 PILAGALLO, Oscar. Op. cit., p. 191-192.

44 A história do Opinião é relatada na série RESISTIR é preciso e também em Pilagallo: RESISTIR é preciso. Op. cit., ep. 4; PILAGALLO, Oscar. Op. cit., p. 193.

45 A história do Movimento é relatada na série RESISTIR é preciso e também em Pilagallo: RESISTIR é preciso. Op. cit., ep. 4; PILAGALLO, Oscar. Op. cit., p. 194-197.

46 Em depoimento à série RESISTIR é Preciso, tanto Bernardo Kucinski quanto Maria Rita Kehl dão a entender

que a organização do jornal, feita por meio de assembleias, era marcada desde o início por intensos conflitos ideológicos que acabaram por cindir a equipe e levar o jornal à sua decadência. Oscar Pilagallo afirma que a queda da popularidade do Em Tempo se deve à dominação de sua linha editorial pela Organização Democrática Socialista, que desde o início buscava cooptar o jornal. A história do Em Tempo é relatada na série RESISTIR é preciso e também em Pilagallo: RESISTIR é preciso. Op. cit., ep. 4; PILAGALLO, Oscar. Op. cit., p. 198.

Referências

Documentos relacionados

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

Foram consideradas como infecção relacionada ao CVC os pacientes que apresentavam sinais locais de infecção (secreção purulenta e/ou hiperemia) e/ou hemocultura

177 Em relação às funções sintáticas desempenhadas pelas estruturas inalienáveis, da mesma forma como acontece para os tipos de estruturas inalienáveis, é curioso o fato de que,

The challenge, therefore, is not methodological - not that this is not relevant - but the challenge is to understand school institutions and knowledge (school

Este estudo apresenta como tema central a análise sobre os processos de inclusão social de jovens e adultos com deficiência, alunos da APAE , assim, percorrendo