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De Palmares às escolas de samba: tamos aí!

Para Palmares veio negro (...) E negro roubado a esmo do cativeiro para a liberdade, do senhor para si mesmo (Oliveira Silveira). A invisibilidade está na raiz da perda da identidade. Então eu conto a minha experiência de não ver Zumbi, que para mim era o herói (Beatriz Nascimento). Passo agora à apresentação do artigo presente no livro Discurso Fundador que

contribui para meu trabalho por sua temática e proposta interpretativa: A boa nova da memória anunciada: o discurso fundador da afirmação do negro no Brasil, de Pedro de Souza (1993). O autor inicia sua reflexão com uma polêmica na historiografia brasileira sobre a escravidão acerca da atitude dos negros escravizados. Os historiadores, sociólogos, antropólogos e economistas se dividem em polos antagônicos, os que descrevem os escravos como instrumentos passivos e os que os entendem como agentes ativos contra a escravidão em ações de rebeldia. Nessa luta entre/pelos sentidos, o discurso de reação tem como estratégia “transformar em mito a passividade do negro e estabelecer a resistência e o ativismo dos escravos como a verdade histórica” (SOUZA, 1993: 59, grifos do autor).

Neste discurso, estão em questão os modos de estabelecimento do verdadeiro sobre o saber histórico em dois campos precisos, a historiografia sobre a escravidão negra no Brasil em uma posição a favor do discurso da história de resistência e as práticas sociais (e discursivas) dos ativismos dos negros brasileiros em torno de sua afirmação. O autor busca captar o “momento em que é possível estabelecer as regras de formação de outros discursos sobre o tema de Palmares e o movimento negro no campo da história”. Aqui sublinho que não há divisão estanque entre estes campos, pois como vimos em relação às posições sujeito de mulheres negras, é forte a produção acadêmica engajada e a figura da(o) intelectual-militante nos estudos negros como um movimento de crítica e ocupação de um espaço de produção de verdades, que confere credibilidade aos discursos, em embate com dizeres sobre os negros que invisibilizam a resistência e com as vozes que contestam o trabalho acadêmico explicitamente engajado politicamente.

O episódio de Palmares seria o “instrumento mais mobilizado com vistas à elaboração de uma subjetividade para os indivíduos da raça negra” (Idem: 59) e o que se buscaria seria o alçamento de Zumbi e Palmares ao efeito-verdade ainda não inscrito na história oficial brasileira52, negando a folclorização de sua memória (dado que a narrativa sobre o quilombo dos Palmares circula sob a forma de lenda nos compêndios de literatura folclórica): “a legitimidade histórica desta memória [de Palmares] é a condição de possibilidade para a fundação e sustentação do discurso de afirmação do negro no Brasil”

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O artigo se refere a um momento histórico de reivindicação da data de 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. São ilustrativas as palavras de Beatriz Nascimento (1985: 124) sobre o processo de proposição do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra: “Com a publicação de artigo no Jornal do Brasil em 1974, o grupo Palmares de Rio Grande do Sul, do qual participava entre outros o poeta Oliveira Silveira, sugeria que a data de 20 de novembro, lembrando o assassinato de Zumbi e a queda do Quilombo dos Palmares passasse a ser comemorada como data nacional contrapondo-se ao 13 de maio. Argumentava que a lembrança de um acontecimento em todos os sentidos dignificante da capacidade de resistência dos antepassados teria uma identificação mais positiva do que a Abolição da escravatura, até então vista como uma dádiva de cima para baixo, do sistema escravagista e de S. Alteza Imperial.”

(Idem: 60). Na narrativa de Palmares como fato histórico, estaria a localização geográfica deste quilombo e a comprovação do período histórico de sua existência bem como de seus personagens.

As reflexões do autor são pautadas na análise que faz do Manifesto do Dia Nacional da Consciência Negra do Movimento Negro Unificado (MNU), de 1978, considerado um acontecimento discursivo no qual “Zumbi e Palmares podem ser focalizados como termos indiciais da dêixis fundadora da afirmação do negro como sujeito” (Idem: 60), valendo-se do conceito de dêixis fundadora proposto por Maingueneau (1987). O efeito fundador presente no Manifesto se assentaria na anterioridade do processo discursivo que subjaz aos enunciados desta emissão, sendo que Zumbi e Palmares são vestígios de outra enunciação captada no interdiscurso do Manifesto; um acontecimento é discursivamente prefigurado no passado e figurado no presente em que a identidade negra está em questão.

O confronto de enunciados no domínio da historiografia – como as problemáticas em torno das datas 13 de maio e 20 de novembro – que constitui o campo de discurso de singularização da consciência negra “é deslocada do campo discursivo do saber histórico para o das lutas contra o racismo e inaugura neste uma discursividade centrada no problema da afirmação do negro enquanto sujeito, e não mais apenas no efeito de saber” (Idem: 67), “um campo de subjetividade negra, ou seja, um modo de o negro ser referido e referir-se a si” (Idem: 68).

O texto de Pedro de Souza (1993) suscita uma série de questões em relação ao corpus de minha pesquisa. Quando o autor trata do “discurso de afirmação do negro no Brasil”, negro é singular e masculino; não se faz o recorte de gênero, não se abordam as diferentes formas de subjetivação, apesar de o autor circunscrever sua reflexão no campo do discurso militante de afirmação da identidade negra. Palmares e Zumbi constituiriam também o discurso fundador do movimento de mulheres negras brasileiras, englobando todas as posições sujeito mulheres negras nele inscritos? Constituiriam outras posições sujeito mulheres negras externas aos denominados movimentos de mulheres negras? À narrativa de Palmares se anexariam outras – a das mulheres de Palmares, por exemplo? Quais histórias não se contam quando se narra Palmares? E a memória do vivido individual do cotidiano como fica em relação a esta narrativa heroica?

Formulo estes questionamentos atrelando-os à hipótese de que o discurso de afirmação de uma determinada identidade de mulheres negras no Brasil é resultante de múltiplas fundações discursivas. Em outras palavras, defendo sua constituição em uma

encruzilhada de memórias que representa sua fundação recorrentemente em relação a um passado ao mesmo tempo histórico e mitológico, em camadas de memória entrecruzadas ou mesmo de regimes de temporalidade diversos, do tempo sucessivo da história e do tempo cíclico dos mitos. Ressalvo, com Pêcheux que “memória deve ser entendida aqui não no sentido diretamente psicologista da ‘memória individual’, mas nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da memória social inscrita em práticas, e da memória construída do historiador” (PÊCHEUX, 1983: 50, grifos meus).

Com o objetivo de articular a memória mítica, a memória construída pelo historiador e aquela construída pelos sujeitos que reivindicam uma memória no campo político, retomo Beatriz Nascimento (1986) sobre os sentidos de Zumbi e do Quilombo de Palmares53. A rememoração de Zumbi como herói emerge como reação aos que foram privados de seus símbolos durante a ditadura militar brasileira, como tática afastadora de estereótipos de um povo escravizado pela tradição e pela história, na busca de uma autoimagem positiva, atraindo outras codificações, diria, aproximando a narrativa histórica da resistência negra no Brasil a outras memórias. O discurso do campo da história comparece e, deste modo, legitima a narrativa, não apaga os sentidos mitológicos ou lendários de Zumbi como herói civilizador e Palmares como a terra prometida. Retomo a autora:

O mito da terra prometida – o Quilombo de Palmares – a edificação do herói Zumbi, civilizador de uma cultura negra, atraem outras codificações que não as já estereotipadas pela tradição e pela história. À sombra deste mito recriado circulam outras manifestações ocultas até então, tais como as religiões afro-brasileiras, conduzindo à compreensão, na linha do tempo, da vinculação de nossos ancestrais com nossa história de vida. Consequentemente, a extrema importância assumida pela comprovação da existência terrena, histórica, daquele escolhido como herói civilizador da cultura negra brasileira, dado que este herói poderia ser compartilhado dentre os aqui nascidos: negros, índios e brancos também. O mito surge, então, do real para o simbólico e o herói seria mormente um conciliador banido da própria história do Brasil, preencheria a lacuna daqueles que, vivos, em vinte anos (1964-1984) foram cassados em seus direitos individuais e privados de seus símbolos coletivos (NASCIMENTO, 1986: 126).

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Neste artigo, Daquilo que se chama cultura (1986: 126), publicado em uma revista de psicanálise, Beatriz Nascimento dialoga com o ensaio de Freud Moisés e o Monoteísmo, propondo que “se não houver culpa ligada a um passado de escravos, há um complexo interpretativo onde a identificação total com o fraco, o vencido, o inumano, é insuficiente para, ao nível da luta do dia-a-dia, contrapor-se às formas de discriminação”. Mais adiante neste capítulo, retomarei uma passagem da autora na narração do filme Ori em que diz da “experiência de não ver Zumbi”. No texto referido, a autora não escreve especificamente sobre as mulheres (a exemplo de outros como A mulher negra e o amor, 1990, ou Kilombo e memória comunitária: um estudo de caso, 1982). Em concordância com Alex Ratts (2007), em livro sobre Beatriz Nascimento que ao seu final compila textos da autora aos quais recorro, diria que esta é uma mulher negra intelectual ativista reverenciada por seu caráter precursor que certamente deveria ser mais lida a despeito das dificuldades de seu reconhecimento por setores hegemônicos da academia brasileira.

A narrativa de Palmares aparece em vozes-mulheres negras como atestado da verdade histórica da insubmissão de negros escravizados – homens e mulheres; como modelo civilizatório de sociedade livre onde teria existido a verdadeira democracia racial, um sistema alternativo ao vigente; como símbolo de resistência política, ideológica, cultural, étnico-racial, relembrado como desejo de uma utopia herdeira no período colonial e imperial no Brasil, sendo o quilombo instituição de origem africana na história pré-diáspora54; como veremos nas análises de corpus, aparece também como lugar de protagonismo de mulheres líderes e heroínas ícones das mulheres negras como lutadoras aguerridas, a exemplo de Aqualtune, Acotirene, Luiza Mahin, Dandara.

O subtítulo do capítulo, De Palmares às escolas de samba, tamos aí, corresponde ao título do texto que analiso a seguir, publicado no Jornal Mulherio na edição de jan/fev de 1982. Este é um dos artigos de opinião da intelectual/ativista Lélia Gonzalez no importante tabloide feminista brasileiro dos anos 198055. Na apresentação da história do jornal contida no site, encontramo-nos com o caráter de “exemplo de um trabalho precursor” da publicação, “testemunha de um tempo e de um lugar, reflexo de um momento histórico”, segundo Inês Castilho56, editora do jornal na época, comentando sua disponibilização na rede.

Ou seja, Lélia Gonzalez escreve num periódico feminista que teve papel de difusão de posições do movimento feminista brasileiro – especialmente em relação às publicações feministas brasileiras dos anos 1970, pode-se considerar a imprensa feminista como lugar de constituição do discurso feminista, para além de um meio de circulação57. Como pressuposto na AD, a partir da noção de condições de produção, dizer desde um periódico feminista que não assume uma posição racial na construção de sua identidade, como é o caso de Mulherio, é diferente de dizer desde uma publicação de um coletivo de mulheres

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Cf. O conceito de quilombo e a resistência cultural negra, de Beatriz Nascimento (1985).

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O jornal Mulherio está disponível em todas as suas edições para consulta no portal da Fundação Carlos Chagas (http://www.fcc.org.br/conteudosespeciais/mulherio/), que editou o jornal entre os anos 1981 e 1988.

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Como mencionei em nota anterior, autora do texto A surpreendente ascensão do feminismo negro (2015). Recorto, neste texto, a menção que a autora faz a um tributo prestado a Lélia Gonzalez em São Paulo: “O lançamento, em 15 de julho, do Projeto Memória Lélia Gonzalez, veio regar as raízes dessa frutificação exuberante. Lélia, que escrevia em “pretuguês”, recriando a língua para falar da história do seu povo, “enegreceu o movimento feminista e feminizou a raça”, como afirma a filósofa Sueli Carneiro, herdeira intelectual de Lélia e autora de sua fotobiografia. Colaboradora do jornal feminista Mulherio (1981-1988) desde as primeiras edições, deixou grande legado nos estudos sobre raça e gênero do país, além de originar, com sua obra, diversos outros trabalhos. [...] A noite era de encontro e eu estava lá, cabelos quase brancos. De volta. Quando finalmente cheguei à mesa em que Sueli Carneiro autografava os livros, um abraço emocionado e a dedicatória lembrando “Mulherio, uma das casas preferidas de Lélia e memória de nossa nascente, possível e desafiadora sororidade.” Oxalá! A democracia feminista será preta, pobre e periférica – ou não será.”

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Cf. A constituição do discurso feminista no Brasil e na Argentina, de Cestari (2011) – minha dissertação de mestrado.

negras, um artigo acadêmico escrito como pesquisadora negra, ou uma fala política na Marcha de 20 de Novembro.

Constrói-se a imagem de interlocutor mulher negra que diz desde o campo do feminismo em uma projeção de várias imagens de interlocutores na cena discursiva, como as mulheres negras, os homens negros, as mulheres não-negras, as feministas brancas, os favoráveis à democracia. Lélia Gonzalez, por exemplo, em outros espaços, diz da valoração negativa que as mulheres brancas no interior do movimento feminista faziam das falas e críticas das mulheres negras58, consideradas como emocionais e revanchistas, o que não faz em seus artigos em Mulherio, onde predomina a denúncia do racismo e sexismo estruturantes da sociedade brasileira e das desigualdades entre as mulheres brancas e negras, junto com a reivindicação do reconhecimento da participação negra na história do país. A construção de um lugar de enunciação de mulheres negras marcado pelo antirracismo, antissexismo e pela afirmação de uma identidade comum de mulher negra – que destaca características racializadas (e) de gênero – se faz na relação com as diferentes condições de produção do discurso.59

Fiz a opção de reproduzir o texto na íntegra (com reprodução fac-símile60 e transcrição do texto) porque compreendo que sua análise de conjunto propicia uma reflexão sobre a luta pela memória de um grupo social específico em sua filiação a múltiplas temporalidades e discursos, sabendo que o texto não é unidade de análise da AD. Destaco funcionamentos discursivos que são regularidades nesta luta, como o denunciar do silenciamento (pela historiografia oficial, pela escola, etc.); o nomear heróis, personalidades, divindades, acontecimentos; o lembrar de feitos históricos e práticas cotidianas invisibilizadas.

Na análise, deterei minha atenção à narrativa de Palmares e do herói Zumbi como parte do discurso fundador para uma determinada subjetividade negra, bem como o destaque dado pelos movimentos de mulheres negras às lideranças femininas, às mães dos terreiros de samba e das religiões de matrizes africanas – e ainda às suas divindades femininas. Por

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Cf. Cultura, etnicidade e trabalho: efeitos linguísticos e políticos da exploração da mulher, de Lélia Gonzalez (1979), referido e discutido no primeiro capítulo desta tese.

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Vou tratar mais detidamente as condições de produção no próximo capítulo, quando aprofundarei a noção de lugar de enunciação na relação com as projeções imaginarias na interlocução discursiva. No entanto, abordo as imagens dos interlocutores em jogo no texto para pensar em relação a quais sujeitos no/do discurso se formulam as narrativas históricas na luta por uma memória apagada e/ou folclorizada pela historiografia dominante e pelos discursos da identidade nacional

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O fac-símile da matéria está disponível para consulta no site do Projeto Memória Lélia Gonzalez – o feminismo negro no palco da história, uma iniciativa da Fundação Banco do Brasil com parceria com a Rede de Desenvolvimento Humano, Redeh (Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/leliaGonzalez/obras-em- pretugues/artigos.jsp).

enquanto, já adianto que este efeito de continuidade histórica organiza uma narrativa da trajetória do grupo social dos negros e negras na história do Brasil, instituindo datas importantes de rememoração desta narrativa na atualização de sentidos que mobilizam a prática política no presente. Mas não se trata de uma narrativa de fatos lineares – ela também é composta de comemorações de divindades e símbolos significados como negros, que quando relacionadas às trajetórias das ialodês na diáspora atualizam uma memória mítica assentada em uma temporalidade cíclica, apesar de por vezes referir a acontecimentos históricos, a exemplo de civilizações africanas com localização e temporalidade especificadas no discurso.

Figura 02 – Matéria De Palmares às escolas de samba, tamos aí! In: Jornal Mulherio, jan/fev. 1982. Final do ano e início do outro são ocasiões de comemoração de uma porção de coisas que mostram a contribuição que a gente tem dado pra história e pra cultura de nosso país. Por isso mesmo, acho bom lembrar certas datas importantes em que a negrada (especialmente o mulherio) está muito presente. Estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro e do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade o que se faz é folclorizar todos eles.

E o que é que fica? A impressão que só os homens, os homens brancos, social e economicamente privilegiados, foram os únicos a construir esse

país. A essa mentira tripla dá-se o nome de sexismo, racismo e elitismo. E como ainda existe muita mulher que se sente inferiorizada diante do homem, muito negro diante do branco, muito pobre diante do rico, a gente tem mais é que tentar mostrar que a coisa não é bem assim, né?

Para começar tem o 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem a um dos maiores heróis brasileiros, o negro Zumbi de Palmares, assassinado neste mesmo dia em 1695 pelos representantes do escravismo. Seu “crime” foi ter liderado uma luta de vida ou morte por uma sociedade justa e igualitária, onde negros, índios, brancos e mestiços viviam do fruto de seu trabalho livre e eram respeitados em sua dignidade humana. Essa sociedade efetivamente democrática existiu em Palmares, que foi o primeiro Estado livre das Américas e um Estado criado por negros.

Durante cem anos os palmarinos resistiram aos ataques das tropas enviadas pelas autoridades coloniais e pelos senhores de engenho escravistas, irritados e invejosos de sua prosperidade. As mulheres palmarinas também participaram nas lutas, ao lado de seus companheiros. E quando Palmares foi finalmente destruído, elas preferiram matar os próprios filhos, suicidando-se em seguida, para que não sofressem a indignidade e humilhação de serem escravos. Ao morrerem, tornaram-se vivas em nossa memória. (Por essa razão, temos hoje no Rio de Janeiro um grupo de mulheres negras cujo nome é Aqualtune, uma heroica Palmarina, mãe de Ganga Zumba, antecessor de Zumbi).

De dia trabalho duro, de noite cai no samba

Dezembro tem muito a ver com a mulher negra, enquanto perpetuadora dos valores afro-brasileiros; aqui as “mães” e as “tias” têm papéis fundamentais. Quem é que pode esquecer toda a importância de uma Tia Ciata, quando chega o 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba? Ela é o símbolo da alegria, do bom humor, do espírito descontraído da negra que trabalha duro, é objeto das maiores desigualdades, das maiores injustiças, dos maiores sofrimentos, mas não deixa de ir no samba pra “sacudir o esqueleto” (mesmo que tenha que acordar cedo no dia seguinte pra enfrentar a “cozinha da madame”). Historicamente, a casa da Tia Ciata foi um núcleo irradiador do que veio a ser o samba carioca, os blocos e as escolas de samba. Isso sem contar sua atuação como Yalorixá.

Isso nos remete para duas outras datas importantes: 4 e 8 de dezembro. A primeira, dia de Santa Bárbara, na verdade é muito mais festejada como o dia da Iansan, a rainha dos raios, dos ventos e das tempestades, a grande guerreira. A segunda, dia de Nossa Senhora da Conceição, também é o dia de Oxum, a grande mãe (protetora de todas as crianças, desde o nascimento até o momento em que andam e falam), a dona do ouro, símbolo da beleza e