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PARTE III AS PROVAS ESTRUTURAIS QUE CONSTRANGEM AS EXPECTATIVAS

6. Expectativas de futuro: os efeitos do trabalho e da idade

6.1. De que contexto trabalhista estamos falando?

Conforme apontam dados do IBGE (SIS 2013; 2014; 2015; 2018) a partir de meados da década de 2000, a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro apresentou um comportamento diferente das décadas anteriores, já que passou a incorporar um contingente maior de trabalhadores ao processo produtivo. Se em 2004 a taxa de desocupação era de 8,7, em 2014 esse número reduziria para 6,8%. Esse aumento da população ocupada atingiu com mais força a população feminina que, apesar de ainda representar o maior contingente de desocupados (3,7 milhões), teve uma redução no nível de desocupação nesse período um pouco maior que a masculina. Assim, pode-se dizer que, entre 2004 e 2014, foram as mulheres que mais incrementaram a força de trabalho.

Quanto às formas de inserção no mercado de trabalho, dados do IBGE referentes à década em questão também apresentavam um cenário de melhoria de condições para o trabalhador. Houve um aumento significativo da proporção de trabalhadores formais, passando de 45,7% em 2004 para 57,7% em 2014. Ressalta-se que o ano de 2013 registrou a mais alta taxa de formalização já experimentada no país, sendo de 58%. Segundo análises do

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instituto, o aumento da taxa de formalização dos trabalhadores deveu-se ao crescimento de empregos formais, o que significou uma maior cobertura previdenciária ao trabalhador brasileiro.

Houve também uma redução da população ocupada em posições precárias, como trabalhadores sem carteira, trabalhadores por conta própria, trabalhadores na construção e na produção para o próprio consumo e não remunerados. Os percentuais de trabalhadores nessas condições foram de 54,3% em 2004 para 42,3% em 2014. A formalização do trabalho das mulheres também foi uma marca desse período. Na categoria de empregados domésticos, por exemplo, onde cerca de 92% dos trabalhadores são do sexo feminino, verificou-se um aumento significativo de pessoas ocupadas com carteira, cujo percentual passou de 27,8%, em 2004, para 40,3%, em 2014 (SIS 2015).

Uma estimativa realizada pelo mesmo instituto compreendendo o período de 2004 a 2013 mostrou que essa redução da informalidade atingiu (além das mulheres), em especial, a população jovem, grupo que apresentou queda superior ao observado no país. Enquanto a queda no país foi de 12,3%, as populações de 16 a 24 e de 25 a 29 anos foi de 17,8 % e 13,9%, respectivamente (SIS 2014).

Gráfico 29-Proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas em trabalhos informais Brasil, 2004-2013

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004/2013

Cabe ressaltar também que, nesse período, a expansão dos empregos se fez em um cenário de queda das desigualdades de rendimento, fenômeno que foi na contramão de momentos passados no Brasil em que o aumento do emprego geralmente era acompanhado de crescimento das desigualdades (CARVALHAES, 2014). Assim, a melhoria na qualidade no mercado de trabalho pôde ser observada também no aumento dos rendimentos reais dos

61.0 48.6 48.5 57.7 80.4 54.3 44.8 34.7 37.7 45.1 69.0 42.0 0.0 10.0 20.0 30.0 40.0 50.0 60.0 70.0 80.0 90.0 De 16 a 24 anos De 25 a 29 anos De 30 a 49 anos De 50 a 59 anos Com 60 ou mais Total 2004.0 2013.0

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trabalhadores, que foi de 27,1% na década observada. Essa melhoria atingiu principalmente as mulheres que, apesar de ainda receberem menos que os homens, tiveram seus rendimentos elevados em uma proporção maior do que o grupo masculino. Em 2002, o rendimento médio das mulheres ocupadas de 16 anos ou mais de idade era equivalente a 70% do rendimento dos homens, indo para 75% em 2013 (SIS, 2014). Apesar de ainda ter elevados patamares de desigualdade, os dados apontam que, no período em questão, o mercado de trabalho brasileiro tornou-se menos desigual.

Em suma, o mercado de trabalho brasileiro apresentava avanços significativos com a redução nas taxas de desocupação, o crescimento da taxa de formalização, a redução de trabalhos precários, o aumento dos rendimentos do trabalhador, entre outros. Isso se refletia em maior inclusão aos direitos trabalhistas e de proteção social, o que significava maior percentual de trabalhadores com garantia de alguns benefícios como aposentadoria, auxílios acidente ou doença, salário-maternidade, seguro desemprego, entre outros.

Salas e Leite (2012), em estudo que cotejava essas mudanças com o âmbito internacional, apontaram que tais transformações vinham ocorrendo num contexto de emergência de novas tendências que passaram a favorecer os países latino-americanos juntamente com a emergência na região de novas influências políticas. A abertura de uma situação internacional favorável às economias latino-americanas, impulsionada pela demanda de commodities produzidas na região, estaria facilitando a ação de atores sociais que há muito clamavam por mudanças nas políticas econômicas e sociais, assim como pelo atendimento dos problemas enfrentados pelos grupos menos favorecidos. Configurava-se, então, um novo modelo de desenvolvimento, resultante tanto da ação de movimentos sociais como das tendências econômicas do capitalismo em nível internacional. No Brasil, segundo os autores, a forma específica em que esse modelo se expressou tinha características que o tornavam um “desenvolvimentismo distributivo” orientado pelo Estado (LEITE e SALAS, 2012).

Assim, pode-se concluir que a melhoria no âmbito do trabalho no país ocorrida naquela década não foi somente fruto do crescimento econômico, mas também de políticas públicas voltadas para melhorar as condições de ocupação. Dentre elas, destacam-se o aumento da vigilância do então Ministério do Trabalho22 sobre as situações irregulares de uso

da força de trabalho pelas empresas; a ação do Ministério Público do Trabalho; a 22 De acordo com a Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, o Ministério do trabalho foi extinto, ficando

alguma de suas atribuições a cargo do Ministério da Economia, e outras fracionadas em outros ministérios. A medida representa um retrocesso para os trabalhadores, uma vez que perdem um órgão que vinha sendo responsável pela fiscalização de suas condições de trabalho.

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regulamentação do trabalho da empregada doméstica (ocorrido em 2013) e a política de valorização do salário mínimo vigente que teve importantes efeitos sobre a estrutura salarial.

Esse quadro histórico nos permite observar que os dados da pesquisa se inserem no final de um ciclo de crescimento e melhorias do mercado de trabalho. Isto porque, a partir de 2015, um novo cenário começa a se delinear, agora, muito mais desfavorável. Grande parte das experiências ocupacionais dos Jovens Fora de Série, até aquele momento, transcorreu numa conjuntura econômica de crescimento e, sobretudo, de sistemática ampliação da oferta de postos de trabalho; mais ainda, de postos de trabalho protegidos por um contrato formal. Desse modo, ao observarmos as expectativas dos jovens, temos em mente a singularidade daquele tempo flagrado.

Nos últimos anos, o contingente de trabalhadores incluídos no processo produtivo do país vem declinando progressivamente. Se em 2014, como vimos, a taxa de desocupados era de 6,7 milhões, em 2018 subiu para 12,8 milhões, o que significa um aumento de 6,1 milhões de desocupados. O nível de ocupação, que em 2014 era de 56,9%, caiu para 54,1% em 2018. Os empregos com carteira assinada também vêm sofrendo queda: de 36,6 milhões em 2014 caíram para 32,9 milhões no mesmo período em 2018, ou seja, recentemente, 3,7 milhões de trabalhadores deixaram de ter carteira assinada, abstendo-se, portanto, de todos os benefícios e da seguridade que isso ainda representa (IBGE, 2019).

Vem crescendo também o número de pessoas desalentadas, ou seja, aquelas que desistiram de procurar emprego por considerarem que não conseguiriam trabalho adequado ou porque não havia emprego em sua localidade, todavia, gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para trabalhar. As taxas de pessoas nessa situação saltaram de 1,5 milhão em 2014 para 4,7 milhões em 2018. No primeiro trimestre de 2019, esse número subiria para 4,8 milhões, o que dá indícios de que a piora no mercado de trabalho pode ter tendências ao agravamento (IBGE, Pnad, 2019).

Destacamos também o fim, em 2019, da política de valorização do salário mínimo23,

que, como vimos anteriormente, vinha sendo responsável pelo aumento real do salário, já que

23 Pela regra adotada nos últimos anos, o piso nacional era reajustado com base na inflação (INPC) do ano

anterior mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, quando houvesse crescimento. A partir de maio de 2019, o atual governo federal estabeleceu que a nova regra será utilizar apenas a inflação para reajustar os salários. Destacamos ainda a nota técnica do Departamento Intersindical de estatísticas e estudos Econômicos (Dieese), defendendo que, acabar com a política de valorização do salário mínimo é um passo para aumentar a pobreza no país. O documento lembra ainda que, se o salário mínimo tivesse sido reajustado apenas pela inflação no período de 2004 a 2019, valeria hoje apenas R$ 573. Para maiores informações: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec201SalarioMinimo.pdf

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assegurava um crescimento acima da inflação. Essa mudança, juntamente com o aumento do desemprego e a redução da formalização, delineia um quadro agravamento das condições que o trabalhador brasileiro enfrenta atualmente no mercado de trabalho.

Podemos pensar no quanto a deterioração das condições de trabalho podem influir, inclusive, na temporalidade dos indivíduos. Martins (2017) apontou que, enquanto o assalariamento desenha a temporalidade do amanhã, para aquele que está desempregado ou subempregado, o hoje se sobrepõe ao ontem e ao porvir. Isto porque, quando os sujeitos encontram-se em situação de fragilidade, marginalidade e precariedade, a temporalidade que se instaura é a da luta pela sobrevivência. Diferente daqueles indivíduos que estão inseridos na produção e no salário estável, aqueles precisam ocupar-se da sobrevivência dia-a-dia tem o horizonte encurtado. Quando não há salário no fim do mês, não há décimo terceiro salário, não há férias remuneradas, não há poupança possível para um posterior consumo, a temporalidade do “hoje”, o “tempo do agora”, é o que organiza a vida dos indivíduos.