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PARTE III AS PROVAS ESTRUTURAIS QUE CONSTRANGEM AS EXPECTATIVAS

8. Expectativas de futuro e a dimensão de gênero

8.2. Trajetória escolar, gênero e expectativas

A irregularidade na trajetória escolar é característica comum entre os Jovens Fora de

Série, entretanto, ao desagregarmos o número de reprovações com o sexo dos alunos

utilizando o teste Qui-Quadrado, encontramos correlação significativa (p<0,002) entre repetir no Ensino Médio e ser do sexo masculino. O desempenho das mulheres leva vantagem quando observamos que, 51,7% dos que nunca reprovaram eram do sexo feminino, enquanto 38,7% eram do sexo masculino. Esse dado confirma o que outras pesquisas em educação vêm apontando: homens são mais propensos à reprovação do que mulheres, como evidencia o gráfico abaixo:

Gráfico 48-Repetência no Ensino Médio e sexo do aluno (%)

Ainda em nossa pesquisa de mestrado, nos interessamos por investigar em que medida esse veredito escolar poderia interferir nas expectativas de futuro dos jovens. Assim, cruzamos a variável repetência tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio. Os resultados apontam que o veredito escolar afeta frontalmente as perspectivas de futuro dos jovens, em especial, a repetência no Ensino Médio, onde a correlação estatística com sexo do aluno foi apontada. Nesse nível de ensino, dentre aqueles que tinham expectativas escolares, 48,2% nunca havia repetido, já entre aqueles que já haviam repetido, os percentuais de expectativas desse tipo caem para 29,3% no grupo que repetiu uma vez, 16,8% entre os que repetiram duas vezes e para 5,7% entre os que repetiram três vezes ou mais. Enquanto isso, as menções a expectativas não escolares sobem conforme o número de repetências.

Repeti três vezes Repeti duas vezes Repeti uma vez Nunca repeti 4.8 26.2 30.3 38.7 5.9 14.4 28 51.7 Masculino Feminino

93 Gráfico 49- Expéctativas de futuro e repetência no E. Fundamental (%)

Gráfico 50- Expectativas de futuro e repetência no E. Médio (%)

De um modo geral, todas as expectativas declinam na medida em que se acumulam as reprovações. Conforme aumentam os anos de truncamento por repetência, diminuem as perspectivas de ingressar numa universidade e fazer cursos profissionalizantes (expectativas

escolares). Inversamente, à medida que avançam os anos de repetência, aumentam as expectativas não escolares, ou seja, o desejo de tão somente dedicar-se ao trabalho ao fim da

escolarização básica. Em geral, as expectativas de “melhorar de vida” mediante a continuidade dos estudos é afetada pela quantidade de repetências. Os que repetem têm maiores probabilidades de rebaixarem as expectativas.

Não são poucos no Brasil os estudos que investigam as consequências da repetência na trajetória escolar dos alunos. Também não há consenso sobre os efeitos desse veredito escolar no rendimento acadêmico dos alunos. Há estudos que sugerem que a repetência pode ter

Nunca Uma vez Duas vezes Três ou mais 32.2 36.1 19.1 6.5 27.0 38.4 21.9 12.4 Expectativa escolar Expectativa não escolar

Nunca Uma vez Duas vezes Três ou mais 48.2 29.3 16.8 5.7 32.0 37.5 23.4 7.0 Expectativa escolar Epectativa não escolar

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efeitos positivos no desempenho de alunos que apresentam habilidades e maturidade emocional não condizente com sua idade (ALEXANDER et. al, 1999 apud LUZ 2008). Mesmo assim, ela só seria benéfica quando realizada de forma correta e objetiva, ou seja, selecionando-se os alunos realmente com habilidade não desenvolvidas. Entretanto, tais argumentos carecem de evidências empíricas tanto qualitativas quanto quantitativas (RIANI e SILVA, 2012). Apesar de alguns estudos apostarem nos possíveis efeitos positivos da repetência, há incontestável vantagem numérica dos trabalhos que concluíram contrariamente a essa prática. Os estudos de Soares (2007) e Luz (2008), por exemplo, evidenciam que, quando se retém um aluno, esta “segunda chance” não costuma promover elevação no nível de conhecimento deste sujeito e ainda traz prejuízos simbólicos, a saber, a desmotivação e a estigmatização do aluno.

Esses efeitos negativos, em especial os ligados à motivação escolar, nos fornecem pistas para compreender a diminuição das expectativas dos jovens conforme o acúmulo de repetências. Expectativas mais ambiciosas, como é o caso do desejo de ingressar numa universidade, vão declinando e cedendo lugar a perspectiva de seguir na vida por caminhos que não requeiram elevadas credenciais escolares.

Estudos de Bernard Charlot (1996; 2014) sobre a relação dos jovens com o saber nos ajudam a compreender os elementos que implicam na motivação desses sujeitos em relação à escola. De acordo com o autor, a motivação escolar se enraíza na própria identidade desses indivíduos, correlacionando-se com suas expectativas de futuro e com as imagens que estes fazem de si mesmos e das associação com os demais. Isto quer dizer que a relação com o saber é ao mesmo tempo social, pois se constrói na família e no ambiente de vida, e singular, já que é elaborada ao longo de uma história individual, particular.

Segundo Ferrão (2005), um dos intervenientes mais diretos da motivação para a continuidade dos estudos é o autoconceito escolar32, ou seja, os julgamentos que os

indivíduos fazem sobre sua capacidade acadêmica. Tal conceito é afetado, dentre outros fatores, pelo sucesso ou pelo fracasso vividos no interior da escola. Essa relação entre autoconceito e expectativas escolares é trabalhada vastamente pelo campo da psicologia (FARIA e NEVES, 2009), não sendo este o objeto específico de nosso estudo. Entretanto,

32 O autoconceito escolar está intimamente ligado ao conceito de Competência Pessoal Percebida, que é

definida como o conjunto de percepções, juízos e avaliações dos indivíduos acerca das suas capacidades pessoais. O autoconceito escolar refere-se a essas percepções circunscritas às habilidades acadêmicas, construídas muito mais a partir de avaliações externas (através da percepção dos professores e do veredito escolar, por exemplo) do que da autoavaliação de desempenhos em termos objetivos (FERRÃO, 2005).

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encontramos certa pertinência desses fatores ao relacionarmos as perspectivas de possuir um diploma universitário com a autoavaliação de desempenho dos jovens.

Gráfico 51-Expectativas de ter diploma universitário e autoconceito escolar (%)

Estes dados nos mostram que a forma de avaliar o próprio desempenho escolar influi nas expectativas dos jovens diante do futuro. Enquanto entre os jovens que avaliam o próprio desempenho como excelente, um percentual de 56% têm perspectivas de chegar à universidade, entre os que julgam ter um mau desempenho, chegando a considerar-se um dos piores em relação aos demais, apenas 16,7% nutrem tal expectativa. Vemos que, conforme diminuem as expectativas quanto ao próprio desempenho, decrescem as perspectivas de continuidade dos estudos para além do Ensino Médio. Logo, a forma de um jovem se autoavaliar é variável importante na elaboração de seus projetos de vida.

Nossos dados sugerem que as expectativas dos jovens acompanham o autoconceito acadêmico, bem como são impactadas pelo acúmulo de repetências vivenciadas na trajetória escolar. Era de se esperar que as sucessivas repetências vividas por muitos desses jovens não deixariam intactas suas expectativas de futuro. Ao gerar dados sobre tal questão, nosso estudo reforçou os argumentos que apontam os efeitos negativos da repetência. A reprovação interfere nas expectativas de futuro dos jovens em geral, mas os dados apontam que, por serem os que mais reprovam, homens têm mais probabilidade de ter suas expectativas de futuro afetadas por esse veredito escolar. Rapazes enfrentam mais provas estruturais no processo da escolarização que moças, isso nos ajuda a compreender sua menor preferência por projetos escolares. A reprovação pode, então, ser pensada como um componente nesse

Excelente Acima da média Na média Abaixo da média Mal, sou um dos piores 56.0 47.8 42.0 29.4 16.7 Exp ecta ti va d e t er u m d ip loma u n iv ers itá ri o em m éd io p ra zo (% )

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conjunto de provas intraescolares que afetam as expectativas de futuro dos jovens, prova esta vivida com mais intensidade por homens do que por mulheres.

8.3.Expectativas de futuro e suas relações com o saber e com a instituição escolar de homens