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PARTE III AS PROVAS ESTRUTURAIS QUE CONSTRANGEM AS EXPECTATIVAS

8. Expectativas de futuro e a dimensão de gênero

8.4. Gênero e trabalho

Apesar de vivenciarem situações mais vantajosas no âmbito da escolarização, o mesmo não ocorre no mercado de trabalho. Ainda que o contexto de trabalho vivenciado em âmbito nacional no período em que nossos dados foram colhidos se apresentasse mais favorável para as mulheres do que na década anterior, como apontamos no capítulo 4, sinais da histórica desigualdade entre os sexos nesse âmbito não deixaram de ser notados. Ao cruzarmos trabalho com o sexo do aluno, observamos uma forte correlação entre as duas variáveis (P=001), apontando que as mulheres eram as que mais estavam à procura de emprego (28,5%) quando comparado aos homens (14,6%). Enquanto isso, os homens tinham mais empregos fixos (57,1%) do que as mulheres (44,8%). Eles também faziam mais biscates (14,2%) do que elas (10,5%). Ou seja, de alguma forma, estavam mais inseridos no trabalho remunerado que as mulheres. Como esperado, mulheres pertenciam mais ao grupo dos que ocupavam-se com afazeres domésticos e dos que só estudavam (apesar de a diferença ser discreta), como se pode conferir no gráfico a baixo.

104 Gráfico 56- Trabalho e sexo do aluno (%)

Também encontramos correlação altamente significativa (P=000) ao cruzarmos a idade de ingresso no mercado de trabalho com o sexo do aluno. Homens ingressaram no mercado de trabalho mais cedo que as mulheres. Entre os que iniciaram a vida de trabalho ainda na infância, ou seja, com menos de 10 anos, 7,1% eram homens enquanto apenas 2,1% eram mulheres. No grupo ingressante entre 10 e 15 anos, os percentuais foram de 26,2% para eles e 17,1% para elas. As mulheres são maioria apenas no grupo que ingressou com mais de 18 anos de idade (18,6% para elas e 9,2% para eles) e entre aqueles que declararam nunca terem trabalhado (18,6% contra 9,2% de homens).

Gráfico 57- Idade que começou a trabalhar x sexo do aluno (%)

Em nossos cruzamentos de dados, não encontramos correlação significativa entre abandono escolar e sexo do aluno. Essa correlação apareceu apenas para repetência (como já

0.0 10.0 20.0 30.0 40.0 50.0 60.0

não, só estudonão, mas procuro empregosim, tenho trabalho fixosim, faço biscatessim, ajudo nos afazeres domesticos

13.4 14.6 57.1 14.2 0.8 13.8 28.5 44.8 10.5 2.5 masculino feminino Mais de 18 anos Entre 16 e 18 anos Entre 10 e 15 anos Menos de 10 anos Nunca trabalhei 9.2 44.2 26.2 7.5 12.9 18.6 41.4 17.1 2.1 20.7 Masculino Feminino

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demonstramos). Porém, desagregando as justificativas para o abandono por sexo, obsevamos que homens apontaram mais o trabalho como favorecedor do abandono escolar que as mulheres, tanto no Ensino Fundamental (46,7 para eles e 21,8% para elas) como no Médio (61,3% para eles e 37,8% para elas). Para as mulheres, o fator mais determinante do abandono no nível fundamental foi ter tido filho, (25,3% para elas e 2,2% para eles). No Ensino Médio, esse fator também aparece com relevância para elas (22,2% contra 2,2% deles), embora a dificuldade de conciliar trabalho e estudo também tenha sido apontada como mais determinante para o abandono também por mulheres.

Gráfico 58- Trabalho como justificativa para o abandono escolar e sexo do aluno (%)

Esse recorte de gênero no abandono escolar por motivo de trabalho atribuímos, (dentre outros fatores que abordamos anteriormente) ao fato de os homens ingressarem mais cedo no mercado de trabalho, e também por serem os que, no momento em que os dados foram colhidos, mais estavam inseridos no mesmo que as mulheres. Um estudo de Artes e Carvalho (2010), baseado na Pesquisa Nacional de amostra por Domicílio- Pnad 2006, também chegou à conclusão de que, de fato, o trabalho prejudica mais intensamente o percurso escolar dos meninos do que das meninas. Contudo, alertou que esse não é o principal fator para a diferença no desempenho entre meninos e meninas já que, entre os que não estudavam e também estavam fora do mundo do trabalho, 28,7% eram meninos e 11,7 % eram meninas. Além do mais, no grupo em que todos trabalhavam, o percentual de defasagem escolar era de 68,4% para meninos e 49,4% para meninas. Logo, trabalhar prejudica mais o andamento escolar de homens do que de mulheres. O resultado foi reforçado pela análise regressiva que,

0 10 20 30 40 50 60 70 masculino Feminino 46.7 21.8 61.3 37.8 Ensino Fundamental Ensino Médio

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ao explorar a questão do tempo de trabalho, apontou que, quanto maior a jornada, maior o risco de defasagem também para rapazes (ARTES e CARVALHO, 2010).

Prosseguindo a análise das discrepâncias entre os sexos no mercado de trabalho, cruzamos as faixas de remuneração com essa variável e obtivemos correlação significativa (P=002), que apontava, mais uma vez, para a histórica desigualdade de gênero no mercado de trabalho, já que mulheres informaram ganhar menos que os homens. Entre os que recebiam até um salário mínimo, 61,5% eram mulheres enquanto 39% eram homens. Já nas faixas com maior renda (de um a dois, de dois a cinco e de mais de cinco salários) a maioria eram homens, conforme se confere no gráfico a seguir.

Gráfico 59- Remuneração x sexo do aluno (%)

Nossos resultados apontam o que dados nacionais e internacionais há muito vêm apontando: mulheres ainda vivem em situação mais desvantajosa que os homens no mercado de trabalho, mesmo quando possuem níveis de escolaridade equivalentes. Tendo em vista que os dados da pesquisa foram colhidos num contexto em que o país passava por avanços significativos em direção à equidade de gênero no âmbito do trabalho, a desigualdade que ainda se observava de modo contundente apontava para a necessidade de tornar tal movimento progressivo. Contudo, dados recentes têm apontado uma invertida significativa no que se refere ao progresso em direção à paridade de gênero. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, o Brasil recuou da 71ª posição, em 2014, para a 95º em 2018 no seu Índice Global de Desigualdade de Gênero, num total de 149 países ranqueados por nível de equidade de gênero. O aumento da desigualdade salarial entre homens e mulheres é apontado

Mais de 5 salários mínimos De 2 a 5 salários mínimos De 1 a 2 salários mínimos Até um salário mínimo 0.6 6.4 54.1 39 0 3.4 35 61.5 Masculino Feminino

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no relatório do Fórum como um dos principais fatores dessa queda36. Sem dúvidas, um

cenário preocupante, pois o alargamento das disparidades de gênero agrava especialmente a situação das mulheres pobres, que já vivem de maneira mais dura os impactos dessas desigualdades.

Em suma, vimos que as expectativas de ampliação da escolaridade dos jovens da pesquisa são afetadas por fatores sexuais, podendo estar ligadas a construções sociais de gênero. Observamos também que as principais provas estruturais das mulheres estão no mercado de trabalho, onde ainda há muito por ser feito para que alcancem equidade de rendimentos, de condições de ingresso e permanência neste. Contudo, se as desigualdades de gênero as desfavorecem no mercado de trabalho, o mesmo não ocorre com a escola. Ainda quando pertencem ao grupo dos que acabaram por truncar na trajetória escolar, mulheres apresentam desempenho superior a rapazes, fruto de uma relação com o saber e com a instituição escolar mais positiva. Essa vantagem está ligada ao fato de que estas depositam mais na formação escolar as esperanças de alcançarem, no futuro, uma posição mais favorável na vida. Isso ajuda a compreender a maior ambição escolar das moças, já que desejam com mais intensidade ampliar a formação após o fim do Ensino Médio. Para elas, a escola é ainda mais posta a serviço dos projetos de vida.

Quanto aos rapazes, ainda que enfrentem menos discriminação no mercado de trabalho quando comparado às moças37, há maior probabilidade de que seus percursos escolares sejam

mais repletos de obstáculos estruturais. Uma relação mais conflituosa com a escolarização e com o saber está na gênese das menores expectativas em relação à ampliação da formação. Também é válido dizer que quando menores expectativas são depositadas na escola, menor mobilização, logo, menor desempenho.

36 O índice calculado pelo Fórum Econômico Mundial contempla quatro diferentes categorias que representam as

diferenças entre os gêneros: participação econômica, educação, participação política e saúde.

37 Sabe-se que desigualdades raciais também estão presentes no mercado de trabalho e, quando consideradas,

continuam a desfavorecer as mulheres. Há ausência dessa discussão no âmbito quantitativo de nosso trabalho pois nossos cruzamentos não apontaram correlação significativa entre variáveis de cor/raça e variáveis de trajetória escolar, trabalho, local de moradia, etc. Nem mesmo a comparação de expectativas mostrou discrepâncias significativas entre brancos (as) e negros (as).

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