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PARTE IV- DESAFIOS ESTRUTURAIS E EXPECTATIVAS DE FUTURO EM ESCALA

10. Trabalho, escola e futuro: uma relação simbiótica

10.1. Transições para/pelo trabalho

Semelhante ao que ocorre nos dados quantitativos gerais da pesquisa JFS, o grupo de entrevistados também é composto majoritariamente por jovens trabalhadores. Entre os 19 entrevistados, 15 estavam trabalhando no momento em que deram seus depoimentos. Apenas 4 disseram não trabalhar fora, sendo que todas são mulheres e residentes na companhia dos pais ou familiares. Duas já haviam trabalhado e procuravam emprego, outras duas nunca tinham experimentado o trabalho fora de casa e gozavam de um período de moratória concedido pela família para que concluíssem a educação básica.

Para facilitar a análise, construímos uma tabela, disposta abaixo, contendo informações sobre a idade e o motivo de entrada dos jovens da pesquisa no mercado de trabalho, bem como as ocupações iniciais e as atividades desempenhadas na ocasião das entrevistas.

Quadro 8- Ingresso no mercado de trabalho e ocupações atuais (%)

ENTREVISTADO/A IDADE DE INSERÇÃO NO TRABALHO

MOTIVO DA

INSERÇÃO OCUPAÇÕES INICIAIS TRABALHO ATUAL

Alex (24) 12 anos Busca de

autonomia para o consumo

Pedreiro e Camelô Pedreiro

Clara (29) 6 anos Ajudar à família Agricultora,

doméstica Funcionária de Padaria

Daniel (23) 17 anos Sustentar o filho Motoboy Despachante de cargas

em empresa

Gabi (20 ) Nunca trabalhou - - -

Helena (20) 14 anos Busca de

autonomia para o consumo

Panfletista Feirante

Iago 21) *Durante a

adolescência Ajudar a família Vendedor em barraca de praia Promotor de vendas em supermercado

João (27) 9 anos Ajudar a família Fretista em

supermercado Balconista de loja

José Germano (27) 6 anos Ajudar a familia Agricultor Meio-oficial de

eletricista em construção civil

Jorge(20) *Durante a

adolescência *Não informou Prestação de pequenos serviços para conhecidos

Estagiário de nível técnico em segurança no trabalho em empresa

Josivaldo (26 ) 13 anos Busca de

autonomia para o consumo

Camelô Soldado/military

114 autonomia para o

consumo de oficina mecânica

Lucas (22) *Durante a

adolescência Ocupar o tempo após abandono do EM

Ajudante de

garçom Ajudante de Garçom

Mariana (22) 14 anos Busca de

independência em relação a família Atendente em barraca de cachorro quente Assistente administrative

Marcelo (28) 12 anos Ajudar a família Pedreiro e

Copeiro Agente de preparo de alimentos(“merendeiro” de escola)

Paulo (24) 16 anos Busca de

autonomia para o consumo Auxiliar de escritório Representante comercial, auxiliar de escritório e dono de lanchonete.

Rafael (29) 12 anos Busca de

autonomia para o consumo

Pedreiro Pedreiro e Porteiro

Taís (23) *Durante a

adolescência

*Não informou Atendente de Mc Donalds

À procura de emprego

Tayana (22) *Não informou *Não informou Vendedora de

planos de telefonia

À procura de emprego

Talita (19) Nunca trabalhou - - -

Fonte: Banco de dados qualitativos da Pesquisa Jovens Fora de Série. Elaboração própria.

*Quatro jovens não precisaram a idade de ingresso no mercado de trabalho, apenas revelaram em que período da vida se encontravam. Duas jovens não deram informações sobre seus motivos de ingresso.

Como podemos observar, a maioria dos investigados iniciou no trabalho durante a adolescência, entre 12 e 17 anos. Contudo, três jovens começaram a trabalhar ainda na infância, entre 6 e 9 anos de idade. Para estes, o vínculo entre a inserção ocupacional e o início do processo de passagem à vida adulta pode até ser questionado. Percebe-se ainda que o início da atividade produtiva ocorreu na informalidade e em ocupações que exigiam pouca ou nenhuma escolaridade. Nota-se também que, na ocasião da entrevista, a maioria continuava a exercer atividades iguais ou próximas às que desempenhava quando iniciou a vida produtiva. Com exceção apenas de Mariana, cuja biografia analisaremos mais tarde, não há indícios de mobilidade de status ocupacional nos percursos desses jovens. Esta situação está associada às baixas credenciais escolares desses sujeitos.

Um estudo de Garcia (2017), baseado em dados colhidos em 2013 apontou a forte associação entre mobilidade educacional e mobilidade ocupacional dos jovens. Ainda que tenha apontado a persistência da influência do status ocupacional dos pais na posição dos filhos no mercado de trabalho, revelou também que, de modo geral, durante a década de 2000, os jovens que alcançaram maiores níveis de escolaridade que seus pais, também tiveram maior probabilidade de alcançar trabalhos mais qualificados que os mesmo. Mesmo que a escolaridade não fosse fator suficiente para garantir a mudança no status ocupacional,

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permanecia como condição necessária para que os jovens fizessem a passagem de um emprego de baixa qualificação para um de melhor qualificação.

O estudo de Cardoso (2008) também nos ajuda a aprofundar as análises sobre a relação entre escola e trabalho. Usando dados de censos nacionais de 1970 a 2000, o autor identificou diferentes modelos de transição entre escola e trabalho no país. Até a década de 1990, havia uma relação chiástica cruzada entre esses dois universos. Apenas filhos das classes médias permaneciam na escola, postergando a entrada no mercado de trabalho, enquanto os filhos das classes populares deixavam cedo a escola, indo inserir-se no mercado de trabalho ou, no caso das mulheres, se dedicar à vida doméstica. A escola como formadora para o trabalho era desnecessária ou acessória para estes.

Contudo, fazendo a transição para o trabalho com baixas credenciais escolares, a tendência era que essas pessoas que deixaram a escola cedo mantivessem as mesmas relações de trabalho que conseguiram na primeira inserção ocupacional. Isso significava a impossibilidade (em termos probabilísticos) de mobilidade de status ocupacional. A partir de 1990, entretanto, com o aumento das oportunidades educacionais no país, a escola adquiriu cada vez mais centralidade nas chances de inserção dos jovens, tendo como efeito o aumento da postergação da iniciação ocupacional também nas classes populares. A entrada no mercado de trabalho mediada pela escolarização passou então a representar para estes alguma oportunidade de ascensão ocupacional.

O autor aponta ainda uma sobreposição entre esses dois modelos de transição escola- trabalho atualmente, e é este fato que nos ajuda a refletir sobre nossos dados. Os jovens investigados nessa pesquisa são aqueles que se inseriram cedo no mercado de trabalho, muitos dos quais sem a mediação da escola, e isso significou a manutenção de baixos status ocupacionais. Ainda que, nos termos aqui já expostos, possamos considerar que boa parte deles já tivesse completado seu processo de transição para a vida adulta, o retorno aos bancos escolares relaciona-se, para boa parte, ao interesse em recuperar essa possibilidade de construção de carreiras profissionais. E neste sentido, a conclusão do Ensino Médio tem papel importante, pois constitui uma ponte necessária, ainda que não suficiente, para atravessar essa linha que os mantinha a trabalhos pouco qualificados.