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CAPÍTULO IV – AS TEORIAS DE REGIMES E O CUMPRIMENTO DAS

4.1 HIPÓTESES BASEADAS NO PODER

4.1.3 Defesa de posição

Alguns Estados podem ser motivados por ambição e por cobiça. Entretanto, como eles vivem em um mundo anárquico e passível de dominação, o temor e a desconfiança acabam influenciando as suas tomadas de decisão. Cada Estado, dessa forma, acredita que a sua sobrevivência, e até a sua independência, devem ser asseguradas por meio de uma vigilância permanente. Sobreviver e ser independente são os dois objetivos mais fundamentais e mais relevantes para os Estados. Para garantir que eles sejam garantidos de maneira contínua, o Estado procura incessantemente defender a sua posição. Assim, o Estado não se preocupa com a ampliação dos seus ganhos, mas com a manutenção deles.

Um Estado, para defender a sua posição, leva em consideração tanto a sua vulnerabilidade quanto a importância estratégica de uma questão que está em disputa. No primeiro caso, o Estado não iria tomar decisões que o deixassem mais vulnerável à ação de outros. Portanto, os indicadores de capacidade servem como parâmetros comparativos, pois quanto maior capacidade tem um Estado, maior poder ele possui e menos vulnerável ele é. No segundo, quanto maior importância estratégica tiver o assunto, menos o Estado tomará

decisões capazes de afetá-lo negativamente. A importância estratégica deve ser averiguada de acordo com a importância tecnológica do setor.

A indústria aeroespacial brasileira iniciou suas atividades por volta de 1945 com a criação do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA). EM 1947, o CTA instaurou-se como Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Em 1954, com a criação do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD), o governo brasileiro, com o objetivo de alcançar autonomia nacional nos setores de alta tecnologia, definia a sua estratégia para alcançar auto-suficiência nas principais áreas da indústria aeronáutica570.

A Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), empresa estatal, foi criada em 1969 com a missão de transformar-se em um centro de desenvolvimento de aeronaves para a Força Aérea Brasileira (FAB). Em 1971, em parceria com a empresa italiana Aermacchi, lançou o Xavante – primeiro jato desenvolvido no país. Em 1972, os primeiros aviões agrícolas brasileiros, o EMB 200 Ipanema, e aviões Bandeirantes de série foram lançados. Em 1978, a empresa apresentou o EMB 121 e, em 1983, lançou o primeiro EMB-120 Brasília, um bimotor turboélice para trinta passageiros. A Embraer foi privatizada em 1994 e, em 1995, aconteceu o primeiro vôo do jato comercial ERJ-145571.

A Embraer foi criada como empresa estratégica capaz de desenvolver tecnologia por meio da construção de aeronaves572. De acordo com Maurício Botelho, ela desempenha um papel estratégico na defesa nacional, sendo, ademais, um braço tecnológico do governo573. Para cumprir tal objetivo, o apoio governamental podia acontecer de várias formas: no financiamento das atividades de pesquisa e desenvolvimento, no financiamento de vendas a taxas de juros compatíveis com as necessidades da indústria, nos incentivos fiscais, na compra contínua de parte da produção e na criação de barreiras tecnológicas para evitar a entrada de concorrentes574.

570 GOMES, Sérgio Bittencourt Varella; BARTELS, Walter; LIMA, Jorge C. C. Oliveira; PINTO, Marco

Aurélio Cabral; MIGON, Marcio Nobre. O desafio do apoio ao capital nacional na cadeia de produção de aviões no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 12, n. 23, p. 119-134, jun. 2005.

571 FILHO, Mário Simas; RODRIGUES, Lino. “Não podemos abrir mão da tecnologia”. Isto É, São Paulo, n.

1784, p. 40-43, 10 dez. 2003.

572 VASSALLO, Claudia, jun. 1999, op. cit.

573 GOUSSINSKY, Eugenio. Embraer tem o maior lucro de sua história. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30

mar. 2000.

574 EMBRAER. Documento básico do projeto de preservação da EMBRAER apud SINDICATO DOS

ENGENHEIROS NO ESTADO DE SÃO PAULO – Delegacia Regional de São José dos Campos; SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E REGIÃO. Diagnóstico econômico- financeiro e perspectivas de viabilização da Embaer. São José dos Campos, set./dez. 1993, p. 13.

A Embraer, investindo pesadamente em novas tecnologias de produção, transformou-se na quarta maior companhia do mundo no setor aeronáutico575. Ela criou capacitação técnico-científica e tem tido acesso constante a novas tecnologias576. Desde a sua criação, a empresa tem estimulado o desenvolvimento tecnológico brasileiro577. A Embraer, além disso, começou a controlar tanto a tecnologia de projeto quanto a dos sistemas, e, com a revisão dos processos produtivos, aumentou a produtividade da empresa578. Em 1995, a empresa demorava quatorze meses para montar uma aeronave e possuía uma produtividade por empregado de quarenta mil dólares. Em 2000, o ciclo de produção da Embraer foi de cinco meses e a produtividade por empregado subiu para trezentos mil dólares. Além disso, a montagem das estruturas dos aviões passou a ser 80% automatizada579.

O governo brasileiro, segundo Maurício Botelho, considerava a indústria aeronáutica estratégica580. A modernização tecnológica consolidaria o Brasil e, especialmente a Embraer, no mercado aeronáutico mundial. A Embraer era vista como uma empresa brasileira que estava disputando espaço em mercados internacionais de tecnologia avançada581. De acordo com Lampreia, o governo brasileiro tinha grande interesse estratégico na Embraer582 e, portanto, recorreria a todos os recursos disponíveis para apoiar o desenvolvimento desse setor de tecnologia avançada583. O diretor-geral do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores, Valdemar Carneiro Leão, deixava claro que os interesses estratégicos do Brasil seriam defendidos584.

O Brasil, segundo Fernando Henrique Cardoso, tinha que ter uma posição política firme no contencioso com o Canadá, pois ele estava, na competição, agindo de maneira correta e defendendo um material de desenvolvimento tecnológico importante para o

575

SILVEIRA, Virgínia. High tech nos aviões da Embraer. Gazeta Mercantil, São Paulo, 26 dez. 2000.

576 RUMO ao futuro. Jornal do Brasil, Brasília, 21 nov. 1999.

577 VÔO exemplar da Embraer. Gazeta Mercantil, São Paulo, 15 jun. 1999.

578 EMBRAER fatura como nunca por empregado. Gazeta Mercantil, São Paulo, 10 set. 2000. 579

SILVEIRA, Virginia. Novas tecnologias fortalecem posição da Embraer. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. C7, 26 dez. 2000.

580 GOITIA, Vladimir. Solução para o impasse entre a Embraer e Bombardier é política. O Estado de São

Paulo, São Paulo, 25 nov. 1999.

581 DUAS histórias de sucesso. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 jun. 1999. 582

LEAL, Luis Eduardo. Brasi pode ir à OMC contra Canadá. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A4, 9 jan. 1998.

583 GALVÂO, Arnaldo. Embraer, governo e Canadá comemoram resultado. Valor Econômico, São Paulo, 27

jul. 2001.

país585. Fernando Henrique Cardoso assinalava que a tecnologia criada pela indústria aeroespacial brasileira era um componente estratégico indispensável para o projeto de desenvolvimento nacional. Dessa maneira, o governo federal deveria dar todo o apoio comercial e financeiro de que a Embraer necessitasse586.

Os indicadores de capacidade, PIB, participação das exportações no PIB e participação das aeronaves nas exportações brasileiras, mostram que o setor de aeronaves, especificadamente a Embraer, tem um papel relevante para o Brasil. Permanecendo crescente a participação das exportações no PIB, pode-se afirmar que quanto maior a venda externa de aviões, maior poderá ser o PIB e, portanto, maior crescimento econômico para o país, o que pode ser traduzido como maior capacidade para o Brasil.

O governo brasileiro, então, para defender a posição de um setor importante estrategicamente, buscou manter e criar as condições necessárias para que a Embraer continuasse competindo internacionalmente. Assim, o acesso a fontes adequadas de financiamento às exportações pode ser mencionado como uma exigência específica do setor de jatos regionais.