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CAPÍTULO I – REGIMES INTERNACIONAIS: CONTEXTO E TEORIA

1.3 TEORIAS DE REGIMES INTERNACIONAIS

1.3.2 Teorias baseadas no interesse

1.3.2.1 Teoria funcional

A teoria funcional, usando o instrumental microeconômico, busca compreender como os regimes internacionais influenciam a cooperação dos atores. Ela, portanto, procura explicar a criação e a manutenção dos regimes, valendo-se de uma lógica baseada nas funções de cada uma das partes presentes no sistema internacional. Robert Keohane não só é o principal representante dessa teoria, mas um dos que mais escrevem sobre regimes104.

102 Os seguintes artigos publicados nos anos 70 confirmam tal afirmação: RUGGIE, John G. Collective goods

and future international collaboration. American Political Science Review, Washington, v. 66, n. 3, p. 874- 893, september 1972. RUGGIE, John G. International responses to technology: concepts and trends.

International Organization, New York, v. 29, n. 3, p. 557-583, summer 1975.

103 RUGGIE, John Gerard, 2002, op. cit.

104 Algumas publicações de Robert Keohane discorrem sobre as instituições internacionais: KEOHANE,

Robert O. The demand for international regimes. In; Krasner, Stephen D. (ed.). International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983, p. 141-171. KEOHANE, Robert O. After hegemony: cooperation and discord

in the world political economy. Princeton: Princeton University Press, 1984. KEOHANE, Robert O. International institutions and state power: essays in international relations theory. Boulder: Westview Press,

1989. KEOHANE, Robert O. The analysis of international regimes: towards a European - American Research Programme. In: RITTBERGER, Volker (ed.). Regime theory and international relations. Oxford: Clarendon Press, 1993, p. 23-45. KEOHANE, Robert O. Institutionalist theory and the realist challenge after the Cold War. In: BALDWIN, David A. (ed.). Neorealism and neoliberalism: the contemporary debate. New York: Columbia University Press, 1993, p. 269-300. KEOHANE, Robert O. International institutions: two approaches. In: KRATOCHWIL, Friedrich e MANSFIELD, Edward D. (eds.). International organization: a

Assim, boa parte dos estudos sobre regimes, ora criticando-o ora elogiando-o, apresenta um ou outro aspecto das idéias postuladas por Keohane.

Os Estados ainda são considerados os atores fundamentais no cenário político mundial. Eles, portanto, são atores racionais e egoístas que agem motivados pela satisfação de seus próprios interesses. Um ator racional é aquele que ordena as suas preferências, calcula os custos e benefícios de cada alternativa e escolhe aquela que poderá maximizar a sua função utilidade. Um ator egoísta é aquele que mantém sua função utilidade independente das funções dos demais atores. Este último aspecto, na verdade, significa que o ganho ou a perda de utilidade de um não ocorre em decorrência do ganho ou perda da utilidade de outro105. Além do mais, utilizando uma abordagem sistêmica, a teoria funcional leva em consideração apenas as condições estruturais externas que orientam as decisões dos atores. Nesse contexto, os aspectos internos (domésticos) que influenciam cada ator acabam não sendo usados para compreender melhor tais decisões106.

Quando têm um interesse comum em qualquer área (comércio, finanças etc.), os Estados podem procurar realizá-lo por meio da cooperação. A existência de um interesse comum, todavia, não é uma condição suficiente para fomentar a cooperação, pois, conforme acontece no dilema do prisioneiro, os jogadores podem até ter o interesse comum de cooperar, mas, em razão das próprias circunstâncias do jogo – falta de informação sobre o comportamento um do outro – eles não alcançam o melhor resultado107.

A cooperação não pode ser confundida com a harmonia. Ao passo que a segunda exige plena identificação de interesses, a primeira só ocorre em situações que contenham simultaneamente desacordos e interesses complementares. Nesse caso, haverá cooperação quando os atores forem capazes de ajustar suas preferências entre si108. Cooperação, portanto, pode ser compreendida como ajuste mútuo que ocorre como conseqüência de um processo de coordenação política109. Cabe enfatizar que não são os interesses (preferências sobre os resultados) que sofrem ajustes quando os Estados cooperam, mas as políticas (preferências sobre as ações).

105

KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

106 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker, 1997, op. cit. 107 KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

108 AXELROD, Robert; KEOHANE, Robert O., 1986, op. cit. 109 KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

Os regimes internacionais, nesse contexto, servem como um agente facilitador da cooperação, pois eles são capazes de modificar tanto os interesses, quanto os incentivos para a ação dos atores110. Aplicando essa última afirmação à teoria dos jogos, os regimes, mesmo quando podem fazê-lo, não modificam a estrutura do resultado. Os regimes, na verdade, oferecem estratégias mais racionais aos atores para que eles disponham de instrumentos mais eficazes para maximizar suas funções utilidades111.

A teoria funcional é baseada sobremaneira no argumento econômico da falha de mercado112. Na verdade, a política mundial, como o mercado, apresenta deficiências que podem ser amenizadas. Uma forma de melhorar as interações entre os Estados, fazendo-os maximizar os seus resultados, consiste em diminuir o impacto do problema da ação coletiva de Olson113: mesmo que todos os Estados tenham o interesse em buscar um benefício, alguns podem individualmente não estar dispostos a pagar por ele.

Fazendo uma adaptação do teorema de Coase114, Keohane sugere três maneiras de minimizar o problema da ação coletiva: criar uma estrutura legal que possa estabelecer formas de responsabilizar os atores por suas ações, diminuir a assimetria de informações e reduzir o custo de transação. Os regimes internacionais, nesse contexto, seriam capazes de desempenhar essas três funções115.

Inexiste no mundo da política uma autoridade central capaz de sujeitar os Estados às suas decisões. Assim, a cooperação é criada e mantida por meio da própria interação dos Estados. Eles temem ser enganados, mas a presença constante de estratégias recíprocas, do tipo toma lá dá cá, incentiva a interação e desencoraja a não-cooperação. Na verdade, a possibilidade de um ator modificar sua posição reduz o incentivo de não-cooperação. Os regimes não só estimulam as estratégias de reciprocidade como suavizam o problema da

110

Ibid.

111 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker, 1997, op. cit.

112 O mercado apresenta falhas porque um dos seus setores não está desempenhando adequadamente a sua

função. Assim, os defeitos (subemprego) em um setor impedem que haja uma transferência rápida de recursos e um aumento nos rendimentos (KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice. Economia internacional:

teoria e política. São Paulo: Makron Books, 1999).

113 KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

114 Ronald Coase, em seu artigo The problem of social cost, imaginou a seguinte situação: suponha que duas

firmas emitam, cada uma, x unidades de poluentes. O governo define que cada uma deve emitir apenas uma unidade de poluente. A firma A tem um custo menor que a firma B para se livrar de uma unidade de poluente. Para resolver tal situação, Coase criou seu teorema: se as firmas puderem negociar, sem custos, sobre a alocação dos recursos, elas resolverão a questão com benefícios mútuos e obterão resultados mais eficientes (KEOHANE, Robert. O., 1984, op. cit.).

sanção. Aliás, os efeitos negativos na reputação, de acordo com Keohane, são mais eficazes que o uso de sanções coercitivas116.

As informações disponíveis pelos Estados não são completas, acessíveis, tampouco inteligíveis. Nesse caso, eles passam a ter necessidade de estruturar e de agregar melhor as informações, as quais, ao estarem organizadas, podem facilitar a identificação de situações problemas e criar opções mais adequadas para a tomada de decisão. Em um mundo de informação imperfeita, os Estados não conseguem fazer prognósticos efetivos sobre os impactos das suas ações, já que a insuficiência de informação gera falhas de conhecimento. Os regimes internacionais, nesse contexto, diminuem a insegurança dos atores ao disponibilizarem informações mais fidedignas e confiáveis117.

Os regimes internacionais, por fim, podem reduzir os custos de transação118 de várias formas. A mais simples é que os atores, por meio de negociações conjuntas, barateiam seus gastos ao concentrarem, em um único espaço, técnicos que possam discutir e elaborar acordos. A mais complexa ocorre por meio das ligações de assuntos. Nesse caso, os Estados negociam acordos que, de uma forma ou de outra, acabam tendo uma forma de vínculo uns com os outros. Assim, cria-se uma teia entre assuntos, ligando os Estados entre si119.