CAPÍTULO I – REGIMES INTERNACIONAIS: CONTEXTO E TEORIA
1.3 TEORIAS DE REGIMES INTERNACIONAIS
1.3.2 Teorias baseadas no interesse
1.3.2.3 Modelo da barganha institucional
Os pressupostos teóricos anteriores são fortemente influenciados pela concepção de que o tomador de decisão sabe exatamente o que fazer, como fazer e as conseqüências de
123
OYE, Kenneth A., 1985, op. cit.
124 MARTIN, Lisa L. The rational state choice of multilateralism. In: RUGGIE, John Gerard (ed.).
Multilateralism matters: the theory and praxis of an institutional form. New York: Columbia University
Press, 1993, p. 91-121.
suas ações. Entretanto, conforme afirma Young, um ator comumente desconhece as suas estratégias disponíveis, os prováveis resultados de cada estratégia e em que proporção um resultado alcançado satisfaz seu interesse. Nesse contexto, ele preferirá inserir-se em um processo de barganha integrativa, em que, por meio de atividades cooperativas, o objetivo é a expansão de benefícios e não a barganha distributiva, em que se procura distribuir apenas os resultados fixos. Ao passo que a primeira é negociada, refeita, discutida, a segunda é praticamente rígida126.
O modelo da barganha institucional tem duas características essenciais que devem ser destacadas. Em primeiro lugar, ele defende que a única alternativa é a cooperação com base na existência de uma zona de acordo. Assim, torna-se impraticável falar da criação de regimes sem a presença de um espaço (intersecção) em que os atores percebem haver interesses comuns. Nesse caso, a zona de acordo é uma condição necessária, mas não suficiente para haver cooperação.
Em segundo lugar, a incerteza, que na concepção de Keohane, acaba levando os atores à cooperação sempre que ela é reduzida, é uma variável que incentiva os atores à formação de regimes, pois, eles, em virtude da presença de um manto de incerteza sobre o futuro, ficam inseguros e acabam impulsionados a agirem juntos. Nesse contexto, quanto maior a incerteza, maior é o incentivo à cooperação127. Um outro aspecto, além do mais, deve ser colocado em relevo quando se analisa a criação de regimes: a necessidade de regras unânimes, pois os atores, apesar de discordarem em vários pontos no início do processo negociador, passam a integrar seus interesses até formarem um todo mais homogêneo e, portanto, mais unânime128.
A figura 2 retrata o modelo da barganha institucional, destacando tanto as variáveis- chave quanto o modo de elas se relacionarem. O poder, o interesse e o conhecimento são forças que influenciam os atores e que, portanto, agem diretamente sobre a barganha institucional. Nesse processo, ademais, o contexto e a liderança criam os caminhos a serem seguidos. Assim, com a interação entre poder, interesse, conhecimento, liderança e contexto, há a possibilidade de obtenção ou não de um contrato constitucional.
126 YOUNG, Oran R. The politics of international regime formation: managing natural resources and the
environment. International Organization, New York, v. 43, n. 3, p. 349-375, summer 1989.
127 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker, 1997, op. cit. 128 YOUNG, Oran R., summer 1989, op. cit.
Forças de condução social
Liderança Caminho
Contexto
Fonte: YOUNG, Oran R.; OSHERENKO, Gail. 1993, op. cit., p. 239.
FIGURA 2 – Modelo da barganha institucional
O modelo da barganha institucional objetiva, de um lado, definir as circunstâncias em que podem ocorrer esforços coletivos para a criação de regimes e, de outro, categorizar os fatores que permitem o sucesso de tais esforços. O quadro 1 enumera o conjunto de fatores e de circunstâncias que contribuem para a formação de um regime.
Dois fatores incentivam a barganha integrativa. Inicialmente, deve haver um ambiente propício para que o contrato se caracterize tanto por uma zona de acordo não- definida completamente e, portanto, capaz de ser construída por meio de um processo de barganha, quanto pela ausência de informação completa que garanta, assim, a existência do manto de incerteza. Além do mais, a expectativa de choques ou crises incentiva a tendência à proximidade dos atores, pois eles, ao perceberem as situações exógenas comuns que os ameaçam, acabam por serem incentivados a buscarem soluções coletivas129.
129 YOUNG, Oran R., summer 1989, op. cit.
Poder Interesse Conhecimento
Barganha Institucional
Contrato Constitucional (sucesso/fracasso)
QUADRO 1 – Fatores que contribuem para o sucesso da barganha institucional Fatores que estimulam a barganha integrativa
- Ambiente contratual permeado por uma zona de acordo e por um manto de incerteza - Choques ou crises exógenas
Fatores que promovem o sucesso da barganha integrativa - Disponibilidade de soluções eqüitativas
- Disponibilidade de soluções salientes
- Disponibilidade de mecanismos de comprometimento bem definido e eficaz - Presença de uma liderança
Fonte: HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker. 1997, op. cit. p. 75.
Quatro outros fatores, conforme destaca o quadro 1, fazem que a barganha integrativa dê bons resultados. A disponibilidade de soluções eqüitativas possibilita que os atores tenham o interesse de cooperar, pois cada um, ao perceber uma distribuição mais equilibrada dos resultados, aceitará o contrato constitucional como capaz de satisfazer as suas expectativas. Nesse caso, o manto de incerteza põe os atores em dúvida e eles, acreditando que o resultado final os beneficiará, acabam por formalizar acordos130.
A disponibilidade de soluções salientes significa a necessidade de haver caminhos claros e bem definidos. Se, de um lado, deve haver uma penumbra que paire sobre o resultado final, de outro, cada ator, pelo menos, deve conhecer as possíveis soluções que o beneficiarão131. Dessa forma, existe um aspecto subjetivo e nebuloso (o que de fato ocorrerá no final), mas com a presença de algo objetivo e definido (o que se pode fazer).
A disponibilidade de mecanismos de comprometimento bem definido e eficaz induz os atores a cumprirem o acordo. Na verdade, a discussão sobre a presença de instrumentos capazes de evitar o não-cumprimento dos acordos permeia todas as teorias de regimes internacionais. Young, de fato, afirma que a presença desses mecanismos diminui a ameaça de deserção132. A presença de liderança, por fim, facilita o processo de barganha, pois o líder organiza o grupo, incentiva a negociação, estimula a participação, permite a resolução de conflitos, ameniza os ânimos das partes e esclarece os pontos obscuros do acordo. Dessa
130 YOUNG, Oran R., summer 1989, op. cit. 131 Ibid.
forma, ao estar disposto a integras o grupo e tendo a capacidade de fazê-lo, o líder termina por garantir o sucesso da barganha integrativa133.