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Posição brasileira em relação às reformas do Órgão de Solução de

CAPÍTULO II – ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA

2.2 O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA ORGANIZAÇÃO

2.2.5 Posição brasileira em relação às reformas do Órgão de Solução de

Controvérsias

Um dos primeiros aspectos que direciona as discussões sobre a reforma do OSC é a sua transformação em um sistema jurídico mais rigoroso no tocante ao estabelecimento de regras e de prazos e/ou a manutenção de práticas diplomáticas que procuram soluções políticas. Na verdade, a maioria dos membros da OMC, inicialmente, busca soluções diplomáticas, acertos bilaterais e acordos informais, mas procedimentos legais são necessários quando não se chega a negociações mutuamente benéficas. O Brasil, nesse

293 BROEK, Naboth van den. Power paradoxes in enforcement and implementation of World Trade

Organization Dispute Settlement Reports. Journal of World Trade, New York, v. 37, n. 1, p. 129, february 2003.

contexto, defende que o sistema de solução de controvérsias da OMC se encaminhe cada vez mais para uma legalização e que o grande desafio dos países-membros, no momento, consiste em estabelecer processos jurídicos flexíveis suficientes para possibilitar a existência de soluções políticas294.

A proposta da obrigatoriedade de notificar, na etapa de consulta, as soluções mutuamente acordadas é bem vista pelo Brasil. Todavia, o governo brasileiro teme que seja afetado por essa modificação, pois, na prática, várias disputas comerciais que ele participou, como, por exemplo, a do setor automotivo, foram finalizadas sem nenhuma notificação ao OSC do acordo alcançado. Além do mais, o governo brasileiro assevera que os interesses do país de não divulgar alguns entendimentos informais considerados sigilosos não podem ser prejudicados. O Brasil, nesse caso, propõe que as partes envolvidas no contencioso decidam se, de fato, há um acordo definitivo a ser notificado. Se houver, então, ele deve ser comunicado ao OSC295.

Algumas propostas de melhoria da etapa de consulta têm sido discutidas pelos países-membros. Uma delas é a obrigatoriedade de a parte demandante, caso seja solicitada pela parte demandada, realizar mais de uma reunião de consulta. Uma outra é que a base legal e factual da solicitação de consulta esteja de acordo com o conteúdo do pedido do painel. O Brasil defende que a primeira proposta é desnecessária, pois depende da disposição de cada parte definir o número de reuniões que deseja participar. Caso a parte demandante não queira negociar, não adianta nada obrigá-la a estar presente em vários encontros296.

Em relação à coerência entre o pedido de consultas e os termos de referência do painel, o governo brasileiro observa que o documento mais importante do sistema de solução de controvérsias da OMC é o pedido do painel e que este, na maioria dos casos, não tem sido tão diferente daquele apresentado na etapa de consulta. Portanto, em situações de grandes assimetrias entre os pedidos encaminhados na consulta e no painel, este último resolveria a questão297.

294

BRASIL. Relatório da Delegação Permanente do Brasil em Genebra (DPC). Genebra, no 37, 20 out. 1998.

295 Ibid. 296 Ibid. 297Ibid.

No caso específico, se o painel observar que o reclamante apresentou um pedido de consulta vago, com o objetivo de incluir novas medidas na fase do painel, ele poderia criar, de acordo com a posição brasileira, os remédios necessários para corrigir essa distorção. Todavia, o Brasil não concorda com a criação de mecanismos formais que busquem evitar a inclusão de novas medidas no pedido, pois, segundo ele, a decisão de um país retirar uma medida e substituí-la por outra é soberana. Em virtude de todas essas questões que podem surgir durante a etapa preliminar do OSC, o Brasil defende que a inclusão do pedido de estabelecimento do painel na agenda do OSC não pode acontecer antes de terminado os sessenta dias da fase de consulta298.

O Brasil admite a participação de terceiras partes durante a consulta, mas ressalta que algumas consultas, por tratarem de medidas específicas, só dizem respeito às partes envolvidas no contencioso. Enfim, essa participação, em algumas situações, não poderá ser muito ampla. Além do mais, a parte reclamada deve ter o direito de indicar se aceita ou não que um determinado país participe das consultas. No que diz respeito à participação das terceiras partes interessadas no painel, o Brasil acha justo que a posição delas seja conhecida antes da reunião do painel. Dessa maneira, todas as partes envolvidas no contencioso teriam seus direitos de defesa garantidos. Vale destacar que a confidencialidade em todas as etapas do sistema de solução de controvérsias é defendida pelo Brasil como um aspecto indispensável ao bom andamento dos trabalhos do OSC299.

O uso de uma lista fixa de peritos que podem ser selecionados para os painéis, argumenta o Brasil, dificultaria ainda mais o processo de escolha dos países-membros, pois, dependendo do contencioso, existe a necessidade de indivíduos com perfis técnicos específicos que, nem sempre, estarão incluídos na lista fixa, o que poderia provocar um enrijecimento e não uma flexibilização do processo. O Brasil, ademais, afirma que as preocupações com a imparcialidade e com a probidade dos membros dos painéis são pertinentes, e cabe ao Secretariado examinar os candidatos e observar se algum deles tem conflito de interesses300.

As consultas durante a fase do painel, quando ele achar adequado auxiliar as partes de um contencioso a encontrar uma solução mutuamente aceitável, devem, de acordo com o

298 BRASIL. Relatório da Delegação Permanente do Brasil em Genebra (DPC), no 37, 20 out. 1998. 299Ibid.

governo brasileiro, ser estimuladas. Na verdade, o painel deve discernir se há possibilidade de uma disputa comercial ainda ser resolvida por meio de conversações ou não. Dessa forma, mesmo finalizada a etapa de consulta e iniciado o processo do painel, este último, caso seja possível, pode criar um ambiente propício para que as partes, pelo menos inicialmente, continuem conversando. Nesse contexto, o estabelecimento de prazos bem definidos para a apresentação de novas evidências ao painel e o direito de resposta a esses novos fatos são vistos pelo Brasil como capazes de agilizar os trabalhos do OSC e, além do mais, essas alterações, ao propiciar maior previsibilidade, beneficiariam aos usuários freqüentes do mecanismo de solução de controvérsias301.

Uma outra questão analisada pelo Brasil é a que trata do direito de recorrer aos procedimentos do OSC em relação à matéria examinada. Nesse caso, quando houver, em intervalos temporais diferentes, o estabelecimento de dois painéis para examinar as mesmas medidas de um membro, o painel, buscando evitar a proliferação de múltiplas interpretações, deve evitar tomar, segundo a posição brasileira, decisões diferentes. Assim, a proposta de que um painel posterior aceite a determinação de um painel anterior que tenha examinado o mesmo conflito comercial pode ser adotada de maneira cautelosa, mas essa prática não pode gerar um precedente obrigatório. Dessa forma, deve-se atentar que cada caso é distinto, e cabe ao painel atual definir se deve endossar ou não as decisões de um painel antigo302.

A possibilidade de o Órgão de Apelação ter autoridade para devolver à instância inferior, o painel, um processo para ser reavaliado é uma das discussões mais complexas e, que, portanto, tem sido bastante debatida pelos membros da OMC. O Brasil, nesse caso, salienta que a modificação no procedimento de solução de controvérsias aumentará as atribuições do Órgão de Apelação, já que ele terá que decidir se um contencioso deve ou não ser avaliado novamente pelo painel, e, em decorrência, os trabalhos do painel, pois ele terá que analisar os questionamentos do Órgão de Apelação, e, conseqüentemente, os prazos previstos para terminar um processo de disputa comercial no OSC303.

Os prazos para a adoção dos relatórios do painel e do Órgão de Apelação e para a determinação do período razoável de tempo na etapa de monitoramento da implementação

301BRASIL. Relatório da Delegação Permanente do Brasil em Genebra (DPC), no 37, 20 out. 1998. 302 Ibid.

das recomendações do OSC têm sido bastante criticados e, portanto, têm estado na pauta de discussão dos membros da OMC. As propostas de alteração enfatizam a necessidade de entendimento bilateral e respeito às vontades das partes em litígio. Nesse caso, o Brasil compartilha a idéia de que deveria caber aos membros envolvidos na disputa comercial a decisão de quando é mais adequado a adoção do relatório, seja do painel seja do Órgão de Apelação. Além disso, o Brasil afirma que a extensão do prazo para determinação do período razoável de tempo na fase de monitoramento da implementação das decisões do OSC, na prática, já acontece. Entretanto, o governo brasileiro enfatiza que essa prorrogação não pode ser infinita304.

Enfim, o governo brasileiro, por achar tanto a Organização Mundial do Comércio quanto o Órgão de Solução de Controvérsias necessários para manter a estabilidade do comércio internacional e para garantir os interesses dos países em desenvolvimento, defende propostas de reforma do OSC que procurem aumentar a eficiência do sistema, por meio de procedimentos legais, sem prejudicar a possibilidade de continuar as conversações políticas. Em suma, para o país, o estreitamento legal não pode inviabilizar os encaminhamentos diplomáticos.