• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – REGIMES INTERNACIONAIS: CONTEXTO E TEORIA

1.3 TEORIAS DE REGIMES INTERNACIONAIS

1.3.1 Teorias baseadas no poder

1.3.1.1 Teoria da estabilidade hegemônica

O conceito de hegemonia surgiu inicialmente na Ciência Política, sobretudo nas análises de Grasmci sobre as relações entre classes sociais e poder. De acordo com o autor, o predomínio de uma classe (grupo) social pode ocorrer de duas formas: como dominação, quando uma classe (grupo) consegue a submissão dos demais, usando, até, caso seja necessário, a força armada, e como orientação intelectual e moral, quando uma classe (grupo) dirige outras classes afins e aliadas77. Nesse caso, uma classe (grupo) é hegemônica quando sozinha consegue dominar e liderar as demais.

Keohane, no entanto, simplificou o conceito de hegemonia, retirando sua conotação política e concentrando-se quase que inteiramente no aspecto econômico. Para ele, hegemonia significa apenas a preponderância de recursos materiais. Assim, uma potência hegemônica é aquela que possui controle sobre as matérias-primas, sobre os recursos de capitais e sobre os mercados e que dispõe de vantagem competitiva na produção de bens78.

A teoria da estabilidade hegemônica defende que a cooperação e o adequado funcionamento da economia mundial precisam de uma estrutura política que seja construída e mantida pela existência de um único ator dominante, devendo ele usar de todos os recursos de poder à sua disposição. A capacidade de indução da potência hegemônica,

74 WALTZ, Kenneth N., 1979, op. cit. 75 Ibid.

76

YOUNG, Oran R. e OSHERENKO, Gail. Testing theories of regimes formation: findings from a large collaborative research project. In: RITTBERGER, Volker (ed.). Regime theory and international relations. Oxford: Clarendon Press, 1993, p. 223-251.

77 Apud GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Grasmci. Rio de Janeiro: Graal, 1978. 78 KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

nesse contexto, pode produzir mudanças e alinhamentos, já que os demais atores continuam defendendo seus interesses, mas com modificações, e aproximando-se dos interesses da potência.

Vários são os adjetivos para qualificar a teoria da estabilidade hegemônica. Lake, por exemplo, a descreve como forte e parcimoniosa79. Snidal, mais exagerado, afirma que ela é uma das mais poderosas para explicar as relações internacionais80. Gowa enfatiza que sua base empírica é apenas casual81. Keohane chega a chamá-la de simplória82, ressaltando que a sua evidência empírica é fraca. Russet assevera que ela é apenas uma tentativa de obter controle sobre os resultados83. Strange, por fim, postula que ela não passa de um mito84. Entre elogios e críticas, deve-se destacar alguns pontos discutidos pelos seus defensores, pois, afinal de contas, a teoria da estabilidade hegemônica, por um período de tempo, foi amplamente aceita como capaz de compreender os fenômenos internacionais.

Kindleberger, analisando a grande depressão de 1929, foi o primeiro a fazer alusão à importância da existência de um Estado estabilizador para garantir o equilíbrio da economia mundial85. Assim, a presença de um poder hegemônico pode assegurar e sustentar uma economia mundial aberta e estável. O hegemon, nesse contexto, passa a ser um fornecedor de bens públicos86. Os atores, todavia, precisam reconhecer que a situação de hegemonia traz mais benefício do que qualquer outra.

Gilpin afirma que as grandes potências buscam a hegemonia para garantir que seus interesses sejam alcançados e, agindo assim, elas acabam por beneficiar os demais. A hegemonia, portanto, cria a condição ótima de Pareto para todos os atores, o que não

79 LAKE, David A. International economic structures and American foreign economic policy, 1887-1934.

World Politics, Princeton, v. 35, n. 4, p. 517-543, july 1983.

80

SNIDAL, Duncan. The limits of hegemonic stability theory. International Organization, New York, v. 39, n. 4, p. 579-614, autumn 1985.

81 GOWA, Joanne. Rational hegemons, excludable goods and small groups: an epitaph for hegemonic

stability theory? World Politics, Princeton, v. 41, n. 3, p. 307-324, april 1989.

82

KEOHANE, Robert O., 1984, op. cit.

83 RUSSET, Bruce. The mysterious case of vanishing hegemony: or, is Mark Twain really dead?

International Organization, New York, v. 39, n. 2, p. 207-232, spring 1985.

84 STRANGE, Susan. The persistent myth of lost hegemony. International Organization, New York, v. 41, n.

4, p. 551-573, autumn 1987.

85

KINDLEBERGER, Charles P. The world in depression 1929 – 1939. London: Allen Lane, The penguin Press, 1973 apud HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker, 1997, op. cit.

86 Bem público é qualquer bem que se uma pessoa de um grupo consumi-lo, ele não poderá ser negado às

demais (OLSON, Mancur. The logic of collective action: public goods and the theory of groups. New York: Schocken Books, 1968).

significa que todos serão beneficiados igualitariamente, mas que, cada um, por não poder ser excluído, obterá uma parte, pequena ou grande, do benefício coletivo87.

A teoria da estabilidade hegemônica pode ser considerada um caso especial da teoria da ação coletiva88. Segundo Olson, qualquer grupo, pequeno ou grande, busca benefícios coletivos, já que nenhum ator, em regra geral, faria parte de um grupo se não pudesse obter alguma vantagem. No entanto, apesar de todos no grupo terem o interesse comum de alcançar benefícios, eles não terão a mesma disposição para pagar os custos: cada um preferirá que o outro pague mais. Nesse caso, os grupos menores são preferíveis aos maiores, pois os primeiros, por serem de mais fácil observação, poderão fornecer bens coletivos sem o uso de sanções coercitivas ou de incentivos89.

Alguns membros de um pequeno grupo, percebendo que seus ganhos individuais ao possuir o bem coletivo superam os custos incorridos, poderão estar dispostos a arcarem sozinhos com os custos. Dois outros aspectos da teoria olsoniana devem ser mencionados. Em primeiro lugar, como os bens públicos são exclusivos, nenhum membro do grupo poderá deixar de receber uma parte dele. Em segundo, as assimetrias de poder no interior do grupo tendem a melhorar a situação de todos, pois permitem que o membro de menor capacidade explore o mais capaz90.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado no caso do hegemon, pois, ele, apesar de ser um ator unitário, escolhe pagar sozinho o custo pelo benefício da estabilidade mundial. Os regimes internacionais, nesse contexto, podem ser compreendidos como bens públicos criados e mantidos sobremaneira por aquele que detém o poder hegemônico. Vale destacar que os regimes entram em queda à proporção que as assimetrias de poder no interior do grupo se desfazem91.

Snidal distingue dois tipos de hegemon: o benevolente e o coercitivo. O primeiro é aquele disposto a fornecer todo o bem público, e os demais membros são livres para usufruir os benefícios sem se comprometer com os custos. O segundo é aquele que usa seu poder para forçar os demais membros a arcarem com uma parte dos custos pelos benefícios

87

GILPIN, Robert. War and change in world politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

88 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker, 1997, op. cit. 89 OLSON, Mancur, 1968, op. cit.

90 Ibid.

auferidos92. Tanto um quanto o outro, entretanto, enfatizam a necessidade da presença do

hegemon para a construção e manutenção da estabilidade mundial. Ao passo que o primeiro

se dispõe a carregar sozinho o ônus, em detrimento do comportamento de cada um, o segundo decide distribuir os custos, buscando criar mecanismos para forçar cada um a pagar a sua parte.

A afirmação de que um regime internacional só pode ser criado e mantido com a presença de uma potência hegemônica tem sido refutada por pesquisas empíricas. Young e Osherenko, analisando cinco casos na área ambiental, chegaram à conclusão de que nenhum dos acordos foi negociado, barganhado e criado com base na existência de um

hegemon93. Young, em outro trabalho, observa que a formação de regimes é bastante caracterizada pela presença de lideranças e não de hegemons. Em algumas ocasiões, predomina uma liderança estrutural, aquela que possui recursos materiais, em outras, uma liderança empresarial, aquela que tem habilidade para negociar e para incentivar uma barganha mais integrativa e, por fim, ocorre o predomínio de uma liderança intelectual, aquela que gera idéias e capital intelectual94.