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Deficiência Intelectual: concepções e terminologia

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

2.2 Deficiência Intelectual: concepções e terminologia

A definição de deficiência vem se compondo ao longo do tempo, segundo convenções sociais e/ ou científicas, em que se dão nomenclaturas diversas. Desse modo, cabe aqui apresentar concepções e classificações assumidas ao longo do tempo. Contudo, terá maior relevo a definição atual de Deficiência Intelectual mencionada.

Para Plestch (2010, p.101) a complexidade em conceituar claramente a Deficiência Intelectual tem conduzido a revisões e olhares de diferentes áreas como: educação, neurologia, psicologia, antropologia, sociologia. O próprio vocábulo para nomeá-la provém do conhecimento médico: idiotia (XIX), debilidade mental, infradotação (a partir do século XX), imbecilidade e retardo mental, com graus leve, moderado, severo, profundo e déficit intelectual cognitivo (fins do século XX). Carneiro (2006, p. 139) acrescenta que a terminologia deficiente mental surgiu a partir do Congresso de Genebra (1939), dando-se em substituição a palavra anormal, empregada de modo genérico. Contudo, tal fato gerou discussões consequentes da preocupação com o estigma da deficiência, especialmente nos Estados Unidos, onde originou uma busca por um novo termo mais ameno, que abrandasse a negatividade dos termos deficiente, retardado, prejudicado, diminuído, inválido, incapacitado. A expressão deficiência mental, ainda vista em alguns documentos, foi substituída por Deficiência Intelectual, no início do século XXI.

Pessotti (1984) acrescenta que na antiguidade, compreendia-se o desenvolvimento humano e a deficiência intelectual, como algo estabelecido previamente, sem interferência do contexto social, ademais havia a ideia de castigo sobrenatural. Posteriormente, em meados do século XVI, ultrapassadas as superstições sociais e religiosas, passou-se a considerar tal deficiência como possível causa orgânica. O ambiente era tido como neutro ou negativo, nesses casos.

Plestch (2010, p. 103) diz que apenas no século XIX, com os feitos do médico Itard, na educação de Victor de Avignon, os indivíduos com deficiência foram julgados como passíveis de tornarem-se educados.

Plestch (2010) ressalta outra contribuição significante, de Édouard Seguin, seguidor de Itard, que propôs a teoria psicogenética da deficiência mental, a qual contrapôs a visão médica de incurabilidade dessa deficiência. Criou uma metodologia baseada em estímulos cerebrais por meio de atividades físicas e sensoriais. Os estudos de Seguin influenciaram posteriormente outros teóricos como: Pestallozzi, Froebel e Montessori. Além dos estudos teóricos e da metodologia educacional acerca dessa da deficiência, Seguin dedicou-se a serviços na área criando uma escola para atender tal público. Ademais, foi presidente de uma organização de pesquisa voltada para estudos nesse campo, a qual foi fundada em 1876, sendo posteriormente denominada como Associação Americana de Retardo Mental (AAMR).

Sobre os estudos de Itard e Seguin e a educabilidade dos deficientes, até então, as concepções sobre esses indivíduos se fundamentavam em diagnóstico médico em uma visão organicista/biológica. Tal visão se modificou a partir do século XX com Binet e a utilização do teste Stanford – Binet, que emprega medidas de QI. Ressalta-se que o quociente de inteligência se baseia na relação: idade mental/idade cronológica X 100. O escore alcançado determina o nível de inteligência: leve entre 68-52; moderada 51-36; severa 35-20; profunda inferior a 20. (MAZZOTTA, 2011).

Segundo Plestch (2010, p.104) Após Binet, os estudos científicos se expandiram. As discussões envolviam as inter-relações entre condições biológicas, sociais e educacionais. Daí se originou a concepção interacionista de desenvolvimento, que defende a interação do indivíduo com o meio. Contudo, a deficiência intelectual permaneceu com o sendo organicamente incurável e sujeita a averiguação mediante teste padrão.

Na perspectiva médica, Fierro (2004, p.193) acrescenta que a oligofrenia – que traduzida do grego significa pouca mente – a princípio, era diagnosticada por uma gama de sintomas apresentados em um grupo heterogêneo de anomalias, com etiologias variadas e até

desconhecidas, mas com uma característica comum: déficits irreversíveis na atividade mental superior, em cuja única intervenção seria a prevenção, não a rigor a cura e o tratamento.

Plestch apud Mendes (1995) comenta que a prevalência dos fatores biológicos sobre os socioambientais repercutiu na segregação desse público em hospitais como também em escolas especiais. Visão essa que permaneceu até meados dos anos cinquenta, em que o entendimento da “irrecuperalidade e constitucionalidade da condição de deficiente mental” passou a englobar os aspectos sócio-educacionais em suas premissas, sendo publicados primeiramente em versão dada na quinta edição da Associação Americana de Retardo Mental - AAMR.

No território nacional, a concepção da Associação Americana de Retardo Mental (AAMR) passou a ser seguida por órgãos oficiais e estudiosos do assunto a partir da década de 1970, estando na sexta edição. Nesse entendimento, a deficiência mental, como nomeada, passou a ser compreendida como um funcionamento intelectual abaixo da média, o qual tem início no período de desenvolvimento, sendo coexistente com os déficits no comportamento adaptativo.

Plestch apud Mendes (1995) complementa que houve críticas sobre as edições da AAMR, desde a sexta até a oitava, tendo como justificativa a inconsistência de procedimentos para diagnóstico, as lacunas nas avaliações, o realce nos testes psicométricos, acarretando no encaminhamento de sujeitos apenas com dificuldade de aprendizagem para programas segregados de educação. Tais críticas levaram a uma nova publicação da AAMR (1992), em que apresentaram uma perspectiva multidimensional, que percebia tal deficiência envolvendo três dimensões: capacidade pessoal aferida por testes padronizados, ambiente de convivência, exigência de níveis de suporte.

A partir daí as premissas da AAMR tiveram influência sobre diversificados sistemas de classificação dentre eles, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10). De modo que o procedimento desenvolvido pela Associação Americana de Retardo Mental – AAMR foi tido como parâmetro para definir, diagnosticar e promover a classificação da deficiência mental no Brasil e outros países.

No território brasileiro, tal versão da AAMR recebeu críticas de alguns teóricos, devido à ênfase no sujeito e suas limitações fundamentadas exclusivamente em testes psicométricos sem, contudo, ter em consideração o contexto social. Tais teóricos contrapunham-na ao defender que a deficiência não é condição essencialmente orgânica, mas originada no meio em que vive, como construção social. Também se defendia que a visão do

normal e anormal é tida a partir do outro, da sociedade, de onde o indivíduo constrói a identidade própria.

Bueno (2004, p.69) argumenta que a deficiência é fenômeno complexo vinculado a aspectos biológicos e socioculturais, não sendo dissociados um do outro, mas em inter- relação. As possibilidades educativas se originam do entrelaçamento desses aspectos citados e das condições advindas do contexto social.

Anache (2011, p. 119) referindo-se a Riviere, o qual fundamentado em Vigotsky, diz que “O desenvolvimento humano só pode ser compreendido como uma síntese produzida pela confluência de duas ordens genéticas diferentes: a maturação orgânica e a história cultural.” Partindo dessas reflexões da autora, entende-se que por um lado o desenvolvimento humano remete a evolução biológica e, por outro, a evolução histórica cultural, conforme a qual as relações sociais se dão, sendo essenciais para o desenvolvimento do indivíduo.

Nesse caminho, Plestch (2010) e Baptista (2006) são unânimes ao acrescentar sobre a contribuição de Vygotski ao conceituar deficiência primária e secundária, que corroboram na compreensão sobre como se constitui a pessoa com deficiência intelectual. Baptista (2006) ratifica que para Vygotski a deficiência primária pode ou não se tornar secundária. Baptista (2006, p.146) considera que “a deficiência mental é sempre secundária, uma produção social”, isto é, advinda não das características limitadoras, mas produzida socialmente. Assim, tem-se que a primária abarca os aspectos orgânicos, sendo caracteres físicos que podem influenciar no desenvolvimento do sujeito. A secundária não se relaciona de modo direto com a primeira, mas se dá em decorrência das limitações que essa origina, ou seja, tem a ver com a leitura social que se faz sobre a pessoa comparada ao grupo do qual faz parte;também as relações sociais que se dão.

Nesse tocante, dá-se o fundamento do entendimento de que a deficiência intelectual para ser compreendida, demanda a articulação com as condições socioculturais. Daí em 2002, a AAMR promoveu a revisão e ampliação de seu sistema, sendo posteriormente publicada em 2006.