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DEFINIÇÃO DE POLITICIDADE E TIPOLOGIA DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO

No documento DICIONÁRIO DE POLÍTICA VOL. 1 (páginas 57-59)

POLÍTICA. — O primeiro problema da Antropologia política é o de definir o âmbito da politicidade. Maine e Morgan deram importância particular ao critério territorial. Radcliffe-Brown e Schapera (Government

and politics in tribal societies, 1956) reformularam o problema, demonstrando que também as sociedades mais simples têm uma base territorial. Não existe portanto incompatibilidade entre o princípio de parentela e o princípio territorial, como aliás já o tinha destacado Lowie. As diferenças estão no tipo de conceptualização das relações políticas que podem, em alguns casos, ser expressas em termos de parentela ou segundo outros modelos, que obscurecem as relações territoriais, que apesar de tudo sempre existem. Radcliffe-Brown, na introdução a African political

systems, propõe definir sistema político como: "aquela parte da organização global de uma sociedade que se ocupa da conservação ou da criação de uma origem social, numa estrutura territorial, através do exercício organizado de uma autoridade coercitiva, que passa através do uso ou da possibilidade de uso da força" (p. XIV).

Tal definição destaca a manutenção da ordem dos valores comuns de integração, equilíbrio e continuidade. Ação política é tudo aquilo que tende à manutenção desta ordem e o sistema político é visto, não como parte distinta e concreta do sistema social, mas mais como um aspecto funcional de todo o sistema social: funções de conservação, de decisão e de direção dos negócios políticos. O sistema político funciona por meio de grupos e de relações sociais, mas não é necessário que elas sejam organizações de Governo ou estatais. Assim como os cientistas políticos defendem que não podem ser entendidos adequadamente os sistemas políticos das cidades ocidentais ou modernas se nos limitarmos ao estudo das organizações formais de Governo, do mesmo modo os antropólogos funcionalistas concluem que a ausência de tais organizações não pode ser interpretada como ausência de instituições e de processos políticos. A tendência dominante tinha sido, como diz L. A. Fallers (Bantu bureaucracy, 1956, p. 45), pensar que "a coisa política" dizia respeito não a instituições particulares (e por instituições se entende aqui um modelo de

comportamento que um grupo considera justo e correto; uma norma de conduta), mas também a instituições especiais e unidades concretas, em geral, aquelas a quem competia o uso legítimo da força ou de sanções com o fim de manter a ordem social — o "Governo" ou o "Estado". As sociedades primitivas, muitas vezes, não possuem unidades sociais especializadas para as quais é difícil distinguir entre os aspectos e os papéis políticos-econômicos e religiosos. Daqui, a utilidade de definir "instituições políticas" simplesmente como normas que governam o uso legítimo do poder e não como unidades sociais a que tais normas se aplicam. Fallers, inspirando-se nos tipos ideais de Max Weber, examina a natureza da autoridade nos sistemas africanos tradicionais e põe em destaque os conflitos produzidos pela passagem de um sistema de autoridade "patrimonial" para um sistema "burocrático", produzido pela introdução das instituições administrativas coloniais. Outros, e Gluckmann em primeiro lugar (Politics law and ritual

in tribal societies, 1965), se ocuparam da

conflitualidade. Gluckmann, inspirando-se na teoria do conflito social de Simmel, elaborou a teoria dos "equilíbrios oscilantes", na qual os conflitos e certas formas de rebelião não são veículos de desintegração do sistema, e sim veículos que concorrem para manter a ordem social.

Colocando-se dentro da análise funcionalista, Fortes e Evans-Pritchard sustentam que só os Estados têm um sistema de Governo, mas toda a sociedade, sem exclusão, tem um sistema político que opera no interior de um tecido territorial. E distinguem três tipos de sistema político: em primeiro lugar vêm de sociedades de pequenas dimensões, nas quais a unidade política de mais vastas dimensões abrange um grupo de pessoas unidas entre si por laços de parentela, de tal modo que nas relações políticas coincidem com as relações de parentela; em segundo lugar, existem as sociedades em que a estrutura de descendência é o quadro do sistema político. Embora haja entre os dois um ordenamento preciso, cada um é distinto e autônomo em sua esfera. Em terceiro lugar, vêm as sociedades em que a organização administrativa é o quadro da estrutura política. Os tipos de sociedade são finalmente redutíveis a dois: Estados centralizados com instituições administrativas e judiciárias especializadas (state societies) e sociedades sem Estado (stateless societies), estas últimas baseadas sobre a linhagem e privadas das sobreditas instituições. Tal dicotomia foi objeto de inúmeras críticas. Foi posto em relevo que nem em todas as sociedades chamadas "sem Estado" a linhagem segmentaria representava a base exclusiva da organização política. Em muitas dessas, a base era representada

por grupos de idade ou por outras associações de vários tipos. Nem a linhagem é privada de importância nas sociedades estatais. A. Southall no seu livro sobre os alures (Alur society: a study in

processes and types of domination, 1954) definiu Estados segmentados aqueles sistemas em que a soberania territorial do centro é reconhecida, se bem que possa ser muitas vezes apenas de tipo ritual e os centros periféricos possam ser, na realidade, pouco ou nada controlados. Lucy Mair usa como critério de diferenciação o grau de concentração do poder e por isso distingue entre "Governo difuso" e "Governo estatal" (Primitive Government, 1962). S. N. Eisenstadt dá talvez a classificação mais exaustiva, embora mantendo a dicotomia de base. Classifica as sociedades sem Estado segundo as formas de estrutura politicamente importantes — linhagem segmentaria, grupos de idade, associações, conselhos de aldeia. Os Estados centralizados estão divididos em três categorias: aqueles em que os grupos de descendência são importantes unidades de ação política; aqueles em que existem grupos de idade; e aqueles em que têm importância outros grupos de associação.

M. C. Smith tentou reformular noções e conceitos, desviando o destaque das funções para os aspectos da ação política. A ação política é definida como um aspecto da ação cuja outra face é a ação administrativa. As ações administrativas são aquelas que são dirigidas para a organização e para a execução de políticas ou programas de ação. As ações políticas colocam-se ao nível deci-sional, ou são ações do processo governativo voltadas para modelar e influenciar as decisões nos negócios públicos e para exercer poder sobre eles. A ação política é, portanto, por sua natureza, "segmentaria", pois se exprime através da mediação de grupos e de pessoas em competição, ao contrário da ação administrativa-, que é hierárquica, na medida em que organiza os diversos graus de regras rígidas. A autoridade é hierárquica mas não o poder, que, ao contrário, é por essência "segmentário", sendo composto de centros diferenciados de poder, composto de indivíduos e de grupos em competição pelo controle dos negócios públicos. No processo governativo estão presentes tanto o aspecto político como o aspecto administrativo da ação. Segue-se daí que os sistemas políticos se distinguem, na medida em que variam em seu grau de diferenciação e em seu modo de associação destas duas ordens de ação. Poder-se-ia, portanto, constituir uma série tipoló-gica das combinações entre ação administrativa e ação política.

Para os antropólogos estruturalistas, a politici-dade é considerada sob o aspecto de relações

formais que dão conta das relações de poder realmente constituídas entre os indivíduos e os grupos. As estruturas políticas, como toda a estrutura social, são sistemas abstratos que manifestam os princípios que unem os elementos constitutivos das sociedades políticas concretas.

E. R. Leach (Political systems in Highland Burma, 1954) elabora um método estruturalista dinâmico, pondo em evidência a instabilidade relativa dos equilíbrios sócio-políticos, os ajustamentos variáveis da cultura e do ambiente. Leach põe-nos de aviso contra a estaticidade dos sistemas estruturais, os quais não se dão conta de uma realidade que nem sempre tem caráter coerente. O estudo de Leach contribuiu para uma reviravolta nos estudos de Antropologia política. O quase monopólio funcionalista que dominou por influência de Durkheim tinha, até então, acentuado os equilíbrios estruturais, as uniformidades culturais e as formas de coesão. A nova tendência da Antropologia política toma em consideração os conflitos, as contradições internas e externas ao sistema, e quer também ser uma superação da tendência a traçar uma dicotomia simplista entre supostos sistemas "primitivos" e a situação contemporânea, tal qual se apresenta, completado o processo de descolonização, depois de vários anos de experiência política autônoma. A Antropologia política pode, neste sentido, dar uma contribuição notável à ciência política, precisamente no estudo dos processos de mudança social, de modernização e de integração nacional. A estrutura global dos novos Estados independentes, retomada e adaptada de modelos ocidentais, torna-se progressivamente menos significativa, em seu interior, e, para entender seu funcionamento e a transformação, deverão ser estudadas as reais interações de grupos etnicamente e culturalmente diversos que neles coexistem, em graus diferentes de cooperação e/ou conflito.

Uma primeira contribuição para tais problemas se deve ao livro Political power and the distri-bution of

power, publicado em 1965, e a uma série de obras muito recentes que podem considerar-se interdisciplinares, porque combinam ?. pesquisa de campo da antropologia com a metodologia da ciência política americana.

IV. CONCLUSÕES.— Num artigo que remonta ao ano de 1959, Easton defendia que aos estudiosos de Antropologia política faltava uma orientação teórica clara para a política e que isto era devido, em grande parte, ao fato de os antropólogos terem a tendência a ver as instituições políticas e o seu funcionamento como variáveis independentes, que interessam sobretudo para a influência que exercem sobre outras instituições e

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funções da sociedade de que fazem parte. Easton chega, por fim, a negar que exista a Antropologia política como disciplina, precisamente porque falta, na sua base, a conceptualização dos principais atributos do sistema político e, em segundo lugar, porque lhe falta uma contribuição mais dinâmica que estabeleça uma tipologia baseada em estruturas de apoio, sobre a diferenciação dos papéis e sobre o processo de decision-making e a resolução dos conflitos. Na linha das críticas de Easton se move grande parte da pesquisa da Antropologia política atual (Aidan Southall). Todavia, as críticas de Easton são fundadas na medida em que a Antropologia política se apresenta mais como um projeto em curso de realização do que como um âmbito já constituído.

Balandier (Antropologia política, 1969) põe em relevo que, não obstante o longo caminho de sis- tematização metodológica e conceptual ainda a percorrer, a Antropologia política "ocupa uma posição central, na medida em que lhe é permitido compreender a política na sua diversidade e pôr as condições para um estudo comparado mais amplo. Além disso, a Antropologia política levou à descentralização, por ter universalizado a reflexão, estendendo-a até os pigmeus e ameríndios de poder mínimo, derrotando a fascinação longamente exercida pelo Estado sobre os teóricos da politicidade". A Antropologia política exerceu, pois, uma função crítica que contribuiu para modificar as imagens comuns que caracterizam as sociedades tomadas em consideração pelos antropólogos, incluindo as ideologias mediante as quais as sociedades tradicionais explicam a si próprias. E, em última análise, o debate metodológico e teórico a que deu origem a Antropologia política trouxe à luz os limites, tanto da análise funcional, quanto da análise estrutural, e induziu à pesquisa de teorias e modelos que levam em conta as mudanças e o desenvolvimento e também as inversões de desenvolvimento e os processos de desintegração.

No documento DICIONÁRIO DE POLÍTICA VOL. 1 (páginas 57-59)

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