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D EFINIÇÃO F OBJETIVOS DA DISCIPLINA — A Antropologia política é uma especialização recente da

No documento DICIONÁRIO DE POLÍTICA VOL. 1 (páginas 55-57)

I. DEFINIÇÃO F. OBJETIVOS DA DISCIPLINA. — A Antropologia política é uma especialização recente da antropologia social. A pesquisa antropológica sempre tinha considerado o fato político

como um sistema de relações derivado e, por esse motivo, tomara-o em consideração apenas marginalmente. Foi do exame das estruturas sociais que nasceu, recentemente, o interesse que privilegia o estudo dos sistemas políticos primitivos. Como disciplina, a Antropologia política quer reconhecer e examinar empiricamente a natureza dos sistemas e das combinações políticas, a fim de descobrir quais sejam, na realidade, os princípios que regulam as relações internas e externas dos membros das comunidades políticas diversas daquelas que nos são familiares. A Antropologia política rejeita tanto a filosofia política quanto a ciência política tradicionais, confinadas dentro da perspectiva "eurocêntrica". A Antropologia política não deseja elaborar abstrações, mas estudar as instituições políticas com método científico que seja, ao mesmo tempo, indutivo e comparativo e tenda, em primeiro lugar, a explicar a uniformidade e a diferença entre as instituições e a sua interdependência em relação às outras formas de organização social.

A Antropologia política se coloca em polêmica contra a maior parte das teorias políticas centradas sobre o conceito de Estado e fundadas sobre uma noção unilateral de Governo das sociedades humanas. O primeiro objetivo da Antropologia política é a definição de politicidade, não mais vinculada às chamadas sociedades históricas ou à presença de um aparelho estatal, mas de modo a poder dar conta da grande diversidade de formas políticas no mundo. As obras relativas à Antropologia política propõem classificações das diversas formas de organização política que permitem a racionalização e a comparação dos diversos sistemas. Finalmente, a Antropologia política tentou redefinir noções fundamentais, como: poder, autoridade, ação política, ação administrativa, legitimidade, legalidade, sistema político, Governo, para torná-las universalmente aplicáveis. Isto responde à ambição última da Antropologia política, de propor-se como verdadeira ciência comparativa de Governo, que utilizando categorias adequadas a todas as formas de organização política de todas as épocas e dispondo de um esquema analítico possa chegar a comparar sistematicamente sociedades diferentes.

II. HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA POLÍTICA.— Os primeiros estudos de Antropologia política que se ocuparam do fato político foram feitos de um modo indireto; Sir Henry Maine (Ancienl law, 1861) e L. H. Morgan (Ancient society, 1887) elaboram teorias sobre a evolução política da humanidade. Eles propõem uma primeira distinção que ainda é atual: as sociedades fundadas sobre a organização de parentela se diferenciam

daquelas que são fundadas sobre a territorialidade. Tal distinção é especulativa, na medida em que se funda mais sobre uma concepção da evolução histórica do que sobre uma informação precisa concernente à estrutura geral das chamadas sociedades "primitivas". Um dos primeiros a abordar, de forma explícita, um tema de Antropologia política foi o americano R. H. Lowie (The origin of the State, 1927). A pesquisa sobre as origens do Estado, a utilização de categorias ocidentais mantêm, para esta disciplina em embrião, o seu caráter etnocêntrico. Lowie emprega o termo político com o fim de designar o conjunto das funções legislativas, executivas e judiciárias, o que o conduz a privilegiar a existência e o caráter do Governo central. Todavia, Lowie dá um passo à frente em relação a Maine e a Morgan enquanto demonstra a possibilidade de formas de passagem da organização de parentela à organização territorial: estes dois tipos não são exclusivos nem de um nem de outro. Mas a verdadeira origem da moderna Antropologia política se deve atribuir aos anos 30 e às pesquisas conduzidas no quadro da antropologia aplicada. Tais pesquisas foram impulsionadas, seja pelas exigências de conhecimento da política colonial britânica de administração "indireta", seja pela descoberta de que no continente africano continuavam a existir e a funcionar sistemas políticos "tradicionais", quando, no resto do mundo, sistemas desse tipo estavam desaparecendo rapidamente. A série de pesquisas que se ocuparam, pela primeira vez, do estudo dos sistemas políticos tradicionais na África combinam os métodos de trabalho sistemático de campo' de Malinowski com a perspectiva sociológica funcional de Durkheim, retomada por Radcliffe-Brown. Eles destacam a análise do sistema político, sublinhando as diferenças estruturais e a extrema variedade de formas.

O texto que confere estatuto científico à Antropologia política se intitula African political sys-

tems. É uma série de ensaios de vários autores, publicada em 1940 por M. Fortes e E. E. Evans- Pritchard, com uma introdução dos editores e uma outra de Radcliffe-Brown. Nesta obra se distingue entre "sociedades estatais" e "sociedades sem Estado". Ainda que sistemática e freqüentemente criticada, esta classificação é um progresso, já que o fato político não é mais excluído daquelas sociedades que não possuem instituições específicas e especializadas. Esta série de estudos abriu caminho para muitas pesquisas monográficas e para obras de análise comparativa, e também para um articulado debate teórico e metodológico. As pesquisas de Antropologia política, sobretudo as dos antropólogos africanistas, analisaram os sistemas estatais não

ocidentais e a natureza do Governo e da política nos tipos de sociedade ditos "sem Estado", nas quais não existem, ou existem apenas em número mínimo, instituições e funções especializadas de tipo político, e aprofundaram o exame das estruturas de parentela e dos modelos de relação que os regem, permitindo uma nova e mais funcional delimitação do âmbito político e uma indi-viduação mais exata dos seus aspectos.

A Antropologia política dos anos 30 e 40 era, por definição, funcionalista. A política, neste quadro teórico, era definida de modo unilateral: a manutenção da ordem e da coesão social. A política estava a serviço do conjunto da organização, nunca na perspectiva de uma estratificação não igualitária dos grupos. Neste sentido, a primeira Antropologia política é muito formal e apresenta descrição de normas políticas de funcionamento e não de comportamento real. É só a partir dos anos 50 que ao formalismo desta Antropologia política se juntam novas correntes teóricas.

Não foi por acaso que os antropólogos do após- guerra se dedicaram sobretudo ao estudo dos conflitos sociais e políticos: o fim do sistema colonial impõe a própria dinâmica histórica à teoria (M. Gluckmann e G. Balandier). Enquanto nos Estados Unidos a reação antifuncionalística e anticul-turalística toma a forma de um neo-evolucionismo que analisa as sociedades antigas e as sociedades contemporâneas (M. Sahlins, M. Fried, L. Krader, E. Service, E. Wolf). A segunda corrente corresponde à mudança estruturalista do antigo funcionalismo (E. Leach, T. Pouillon) e à análise de um sistema político como sistema de ação política, como processo. Neste caso, a Antropologia política privilegia a análise dos casos, a interação no seio das microcomunidades e constrói modelos que têm em conta a dimensão individual. Aplica-se a teoria dos jogos ou da decisão para formalizar comportamentos reais. As duas correntes se contrapõem segundo o nível de análise escolhido. Os antropólogos da primeira corrente defendem uma visão global da sociedade e comparam a definição oficial dos sistemas com as contradições reveladas em seu funcionamento, mas sem construir um modelo. Os antropólogos da segunda corrente, por sua vez, preferindo examinar os microcosmos políticos, se ocupam, antes de tudo, dos atores e dos comportamentos, como prova de uma formalização implícita. Os primeiros partem da totalidade e da teoria do sistema, enquanto que os segundos a reconstruem a partir das práticas e das interações individuais e coletivas. A segunda corrente é tanto uma reação contra o funcionalismo quanto uma reação contra a visão historicizante e global dos sistemas sociais (F. G.

ANTROPOLOGIA POLÍTICA 47 Bailley, M. Swartz, R. Nicholas). Alguns temas

permitem ligar as duas correntes. São aquelas que consideram o sistema político como o lugar de relações assimétricas de competição e de cooperação e que analisam as relações entre os grupos em termos de estratégia, de manipulação e de contestação.

III. DEFINIÇÃO DE POLITICIDADE E

No documento DICIONÁRIO DE POLÍTICA VOL. 1 (páginas 55-57)

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