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CAPÍTULO 2 REVISÃO DA LITERATURA

2.2. Resolução de problemas em matemática

2.2.1. Definição de problema e resolução de problemas

No ensino da Matemática, definir os conceitos de problema e de resolução de problemas é um propósito difícil, já que os responsáveis pelas propostas curriculares oficiais, os investigadores e os professores, lhes conferem diferentes utilizações e interpretações.

Problema

Kantowski (1980) e a APM (1990) consideram que um problema é uma questão ou situação com que o indivíduo se confronta e não dispõe de um procedimento ou algoritmo que o conduz à solução imediata. Lester (1978, 1983) refere que problema é uma tarefa perante a qual um indivíduo ou grupo de indivíduos é confrontado e para a qual não possui um procedimento ”pronto” e conhecido, que garanta a sua solução. Para além dos aspectos cognitivos, acrescenta ainda aspectos afectivos ou motivacionais, referindo que uma situação só pode ser considerada um problema se a sua resolução for desejada pelo indivíduo ou grupo.

Na perspectiva de Lester (1983), a noção de problema prende-se com a forma como o indivíduo se relaciona com a tarefa proposta e com o contexto em que a sua resolução é conceptualizada, pois considera que uma mesma tarefa pode ser interpretada de forma diferente, dependendo do indivíduo em questão e das circunstâncias do momento em que a resolve. Esta ideia é reforçada por Krulik e Rudnik (1993) que salientam que, à medida que as crianças prosseguem o seu treino matemático, o que era um problema em tenra idade torna-se num exercício e, eventualmente, poderá reduzir-se a uma mera questão.

Também Borralho e Borrões (1995) referem que um problema é “uma questão em que o estudante não dispõe de nenhum processo rotineiro conhecido para o resolver, mas que lhe excita a curiosidade e o desejo de o solucionar” (p. 16). Para os autores, um problema exige a criação de uma estratégia para a sua resolução, assim como o uso de “uma certa criatividade em analisar, sintetizar, e avaliar dados, relações e situações” (p. 16). Esta perspectiva é defendida porCorreia

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(2005) que salienta que um problema é uma situação que envolve actividade cognitiva e desejo para a solucionar. Afirma ainda que um problema requer motivação, persistência e uma certa “expansão de alegria no primeiro contacto com a solução” (p. 41), a mobilização de conhecimentos e de capacidades, bem como uma atitude de reflexão e questionamento para: (1) a exploração da situação e do enunciado; (2) o planeamento e a definição do caminho a seguir e (3) a execução da resolução e consequente reflexão da mesma. Na mesma linha, Schoenfeld (1989) afirma que um problema matemático é uma tarefa para a qual o aluno não possui um procedimento matemático disponível para encontrar a sua solução e a qual deseja e está interessado em resolver.

Para Polya (1980), temos um problema sempre que procuramos descobrir os meios para atingir um determinado objectivo e o indivíduo que o resolve terá a oportunidade de sentir a tensão – durante a resolução – e o prazer de descobrir a sua solução, se esse problema, mesmo que modesto, desafiar a sua curiosidade e capacidade criadoras. O autor afirma que é possível que o indivíduo “venha a descobrir que um problema de matemática pode ser tão divertido quanto um enigma de palavras cruzadas, ou que o trabalho mental rigoroso pode ser um exercício tão agradável quanto uma animada partida de ténis” (Polya, 2003, p. 12). Corroborando este espírito de descoberta, Silva (1977) afirma que “todo o problema novo, com interesse, tem uma ideia- chave, um abre-te Sésamo que ilumina o espírito de súbita alegria: a clássica ideia luminosa que faz gritar „EureKa!‟” (p. 12).

No Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, surge definido problema como uma situação não rotineira mas desafiante para o aluno, podendo ser utilizadas várias estratégias e métodos de resolução (DEB, 2007). Do mesmo modo, ainda que por palavras diferentes, o instrumento que define as competências essenciais para a Educação e Formação de Adultos, nesta sociedade do conhecimento e da globalização, o Referencial de Competências-Chave – Educação e Formação de Adultos (2002), do nível básico, considera que problema “é uma situação não comum que constitui um desafio para quem a estuda uma vez que não se sabe, à partida, como resolver e, frequentemente, se admitem várias estratégias e métodos de resolução” (p. 7).

Lesh e Zawojewski (2007), bem como English, Lesh e Fennewold (2008), consideram que uma tarefa, ou actividade dirigida por objectivos, “torna-se um problema (ou problemático) quando o indivíduo que resolve o problema (que poderá ser um grupo de especialistas) precisa de desenvolver uma forma mais produtiva de pensar sobre uma dada situação” (Lesh & Zawojewski, 2007, p. 782). De acordo com Lesh e Zawojewski (2007), desenvolver uma “forma produtiva de

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pensar” significa que o resolvedor tem de se comprometer num processo de interpretar a situação matematicamente. Geralmente, esta implica a identificação, a integração e o aperfeiçoamento de diversos conceitos matemáticos a partir de várias fontes e uma progressão através de ciclos iterativos de descrição, de monitorização e de revisão de interpretações matemáticas. Acrescentam que estes são os processos elementares da modelação Matemática.

É notória a dificuldade em encontrar uma definição universal para o conceito de problema. Esta dificuldade prende-se com os diferentes elementos que fazem parte da definição de problema, segundo os vários autores, e com as características dos indivíduos que se propõem resolver o problema, nomeadamente o nível de conhecimentos e capacidades exigíveis e as suas experiências (contacto anterior com questões resolvidas por processos similares), além das atitudes pessoais perante novas situações, no que se refere, principalmente, ao desafio e ao desejo de encontrar a solução.

Apesar da dificuldade em definir problema, podemos, a partir das concepções acima apresentadas, mencionar alguns aspectos caracterizadores de um problema: (1) é uma questão que constitui um desafio para o indivíduo que a resolve; (2) é uma questão que o predispõe para a sua resolução; (3) é uma questão para a qual se desconhece, à partida, o procedimento a usar e o caminho a seguir e (4) é uma questão para a qual é necessário desencadear ou activar diferentes tipos de conhecimentos, bem como utilizar várias estratégias e métodos de resolução para encontrar a solução.

Resolução de Problemas

Da mesma forma que a definição de problema proporciona diferentes interpretações, também a resolução de problemas é entendida de modos diferentes.

Branca (1980) aponta que a resolução de problemas é “um termo abrangente que pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes ao mesmo tempo e coisas diferentes para a mesma pessoa em momentos diferentes” (p. 3). O termo resolução de problemas pode surgir em diferentes contextos, por exemplo, a criação de novos produtos, ideias, técnicas ou soluções ou a procura de soluções para problemas concretos do dia-a-dia. Branca (1980) reconhece que, se nos centrarmos no campo da Matemática, este termo, embora mais específico, também é susceptível de várias interpretações. Uma das causas para essas diferentes interpretações prende-se com a diversidade de tarefas que lhe estão associadas: tarefas convencionais, diferentes tipos de problemas e a aplicação da Matemática a situações da vida real.

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Polya (1980) perspectiva a resolução de problemas através de processos cognitivos que permitem procurar e descobrir os meios desconhecidos para alcançar um fim, reflectindo, de forma consciente, sobre como alcançar o mesmo. Reafirma que resolver problemas é uma habilidade prática como nadar e que “adquirimos qualquer competência prática por imitação e prática (…). Ao tentar resolver problemas, temos de observar e imitar o que outras pessoas fazem quando resolvem problemas e, por fim, aprendemos a resolver problemas, resolvendo-os” (Polya, 2003, p. 26). O autor sublinha que a resolução de problemas não é uma questão puramente intelectual, na medida em que a determinação e o desejo do indivíduo em resolver o problema desempenham igualmente um papel crucial.

Lester (1980) defende que a resolução de problemas é um conjunto de acções necessárias para realizar uma tarefa, onde estão envolvidos factores relacionados com as características pessoais dos resolvedores, o seu comportamento durante a resolução e o tipo de problema, bem como factores alheios ao indivíduo e ao problema. Lester (1978) e Borralho e Borrões (1995) defendem que a resolução de um mesmo problema pode exigir esforços significativos a certos indivíduos e apenas a recordação de factos já aprendidos a outros, tornando-se num mero exercício de rotina. Os mesmos autores justificam o facto pelas diferenças de experiências, conhecimentos e habilidades, de cada indivíduo que se propõe resolver o problema.

Mason (1992) refere que a resolução de problemas consiste em tentar resolver ou reformular questões não estruturadas para as quais a mente não tem um método específico.

Palhares (1997) afirma que “o processo de resolução de problemas é um processo de descoberta e não de criação” (p. 167). A resolução de problemas acontece quando um indivíduo, ou grupo de indivíduos, perante um problema, decide resolvê-lo pelos seus próprios meios, desconhecendo à partida quais os procedimentos a aplicar.

Krulik e Rudnik (1993) destacam que a resolução de problemas é o caminho através do qual o indivíduo utiliza o conhecimento previamente adquirido, as competências e a compreensão para sintetizar o que aprendeu e aplicar a uma nova situação, satisfazendo as exigências desta.

Charles, Lester e O‟ Draffer (1987) referem que a resolução de problemas é uma actividade intelectual bastante complexa que envolve o uso e a coordenação de diversas capacidades e processos de pensamento, bem como a experiência anterior, o interesse e a autoconfiança do indivíduo. Os mesmos autores salientam as capacidades de recordar a informação, de coordenar o conhecimento e de avaliar o próprio pensamento. Nesta linha, referem alguns processos de pensamento que passam por: compreender/formular a questão do problema: uma das primeiras

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tarefas, na resolução de problemas, é encontrar ou formular a questão de um problema e perceber o seu sentido, o que requer a compreensão das suas palavras específicas, bem como o reconhecimento da relação entre a questão e as afirmações do problema; compreender as condições e as variáveis do problema: neste processo, o resolvedor de problemas clarifica o significado da informação explícita ou implícita no problema, procura compreender como as variáveis e as condições se relacionam, ou seja, interioriza o problema; seleccionar ou encontrar os dados necessários para resolver o problema: durante este processo, é necessário que o indivíduo identifique e seleccione os dados necessários, elimine os desnecessários, recolha e use os dados provenientes de diversas fontes (mapas, tabelas, gráficos).

Além dos três processos apontados anteriormente, defendem ainda formular/resolver sub- problemas e seleccionar estratégias de resolução apropriadas: este processo envolve a tomada de decisão sobre a necessidade de determinar a resolução de sub-problemas ou sub-objectivos e a estratégia a experimentar, como por exemplo, fazer uma figura, tabela ou lista organizada; escolher uma operação; resolver um problema mais simples; procurar um padrão; escrever uma equação; imaginar um problema mais acessível; trabalhar para trás; usar objectos ou usar a lógica. É fundamental que o indivíduo decida a(s) estratégia(s) a usar, pois uma coisa é saber como usar uma estratégia e outra é saber quando usá-la; implementar correctamente a(s) estratégia(s) de resolução e resolver os sub-problemas: o resolvedor de problemas deve saber como implementar a(s) estratégia(s) de resolução escolhida(s), ou seja, ser capaz de usar o raciocínio lógico, de efectuar cálculos, uma lista organizada, uma tabela, entre outras; dar uma resposta relacionada com o contexto do problema: o indivíduo deve dar uma resposta numa frase completa, segundo os dados do problema, e não apresentar somente uma resposta numérica e avaliar a razoabilidade da resposta: neste processo, o resolvedor de problemas deve averiguar se a resposta encontrada faz ou não sentido, o que poderá ser necessário fazer uma nova leitura do enunciado do problema e cruzar a resposta com as variáveis, condições e questão do mesmo. Desta forma, compreende-se que os autores referidos pressupõem a existência de sete processos de pensamento inerentes á resolução de problemas, daí a complexidade da mesma.

Charles, Lester e O‟ Draffer (1987), bem como Schoenfeld (1992), revelaram a influência de diversas dimensões afectivas: interesses, atitudes e emoções, bem como as crenças do resolvedor na resolução de problemas. A convicção de que um problema tem resposta única ou que, imediatamente após a leitura do enunciado, deve-se ser capaz de o resolver pode constituir um entrave à capacidade de resolver problemas (Charles, Lester & O‟ Draffer,1987; Schoenfeld, 1992).

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Pelo contrário, quando o resolvedor assume a existência de diversas formas de resolução, demonstrando persistência e perseverança, tende a encarar positivamente a tarefa de resolver o problema proposto (Charles, Lester e O‟ Draffer, 1987).

Também Correia (2005) salienta que “a resolução de problemas é um processo intelectualmente estimulante, mas complexo” (p. 44), que depende da mobilização de vários conhecimentos - conceitos e procedimentos matemáticos -, das capacidades e atitudes do indivíduo que resolve o problema, da representação que este tem de problema e de diversos factores de carácter individual, emocional e cultural. Para Vale e Pimentel (2004), a resolução de problemas é um processo que abrange vários aspectos, como “a organização da informação, o conhecimento de estratégias, as diferentes formas de representação, a tradução de linguagens, a aplicação de vários conhecimentos, a tomada de decisões, a interpretação da solução” (p. 11), entre outros, bem como a gestão e o controlo destes.

No Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais (DEB, 2007), a resolução de problemas surge definida “como um contexto universal de aprendizagem” (p. 68) que deve estar sempre integrada nas diferentes actividades e associada a dois aspectos fundamentais da Matemática: o raciocínio e a comunicação. Considerada pelo Novo Programa de Matemática do Ensino Básico (Ponte et al., 2007) como uma capacidade Matemática fundamental, os alunos, através da resolução de problemas, têm de ser capazes de resolver e formular problemas e analisar diversas estratégias, assim como os resultados de possíveis alterações dos enunciados.

Na opinião de Lester e Kehle (2003), Zawojewski e Lesh (2003), Lesh e Zawojewski (2007), as definições tradicionais de resolução de problemas são as que permanecem na escola ainda hoje. Segundo os mesmos autores, estas colocam a ênfase na procura de procedimentos que estabelecem a ligação entre dados e objectivos bem especificados, permitindo a descoberta do caminho e, consequentemente, a solução do problema. Porém, consideram a interpretação dos dados e dos objectivos como o maior desafio da resolução de problemas, fazendo da selecção e da aplicação do procedimento um processo cíclico incorporado nas fases de interpretação da resolução de problemas.

Assim, Lester e Kehle (2003), considerando que é difícil definir resolução de problemas, referem que esta é uma actividade que envolve uma diversidade de acções cognitivas, que requerem conhecimento e capacidades não rotineiros. Essas acções cognitivas são influenciadas por uma série de factores não cognitivos, tais como as atitudes, as emoções e as crenças dos indivíduos que se propõem resolver problemas. Apesar da dificuldade em definir resolução de

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problemas, afirmam que a tarefa “é bem sucedida quando envolve a coordenação de experiências, conhecimentos, representações e padrões de inferência, intuições prévias num esforço de criar novas representações e padrões de inferência” (p. 510) com o intuito de resolver a tensão ou as ambiguidades (falta de representações significativas e suporte às mudanças de inferências) que desencadearama actividade original de resolução de problemas.

Na mesma linha de pensamento, Zawojewski e Lesh (2003), Lesh e Zawojewski (2007) e English, Lesh e Fennewald (2008) definem resolução de problemas como o processo de interpretar situações de forma Matemática, envolvendo dois aspectos: (1) diferentes ciclos repetidos de exprimir, monitorizar e rever interpretações matemáticas e (2) a integração, separação, modificação e o aperfeiçoamento de conceitos matemáticos de diferentes temas, dentro e fora da escola. Os autores sublinham que esta noção de resolução de problemas envolve a ideia de que as pessoas aprendem Matemática através da resolução de problemas e aprendem a resolver problemas através de modelos matemáticos.

Concluindo, com base nas análises dos vários autores anteriormente referidos sobre a definição de resolução de problemas, podemos afirmar que, apesar das diferenças, todos os autores supracitados consideram que a resolução de problemas é uma actividade intelectual em que o resolvedor se envolve, quando confrontado com uma tarefa, que requer a mobilização, e a combinação de conhecimentos relativamente a conteúdos e a procedimentos, bem como diversas capacidades. Paralelamente a esta mobilização, defendem que outros aspectos poderão contribuir para a resolução de problemas, nomeadamente os que se relacionam com a experiência, o comportamento, a predisposição, a perseverança, as atitudes e as crenças do resolvedor.