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DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

No documento Santos Alberto Manuel TD 2016 (páginas 67-71)

As Doenças Potencialmente Malignas (DPM) da cavidade oral, Potentially Malignant Disorders (PMD), descrevem-se como alterações morfológicas da mucosa oral em que algumas, mas não todas, são detectáveis clinicamente, apresentando um potencial acrescido de transformação maligna, tanto nas lesões visíveis como na mucosa aparentemente normal [43].

O conceito de pré-malignidade oral tem sofrido alterações de nomenclatura ao longo dos anos. Primeiramente, foi descrito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1978, como lesões e condições orais pré-malignas [43], dividindo-se, classicamente, em lesões pré-malignas e condições pré-malignas [43]. As lesões pré-malignas descreviam- -se como áreas específicas de mucosa oral morfologicamente alteradas, clinicamente detectáveis, onde era mais provável que ocorresse cancro oral do que na mucosa aparentemente normal, podendo essa transformação demorar poucas semanas ou muitos anos [43].

As condições eram descritas como estados mais generalizados associados a um risco aumentado de cancro, nomeadamente cancro oral, em qualquer local da boca ou da orofaringe e que incluiam doenças sistémicas nas quais os sintomas orais eram apenas uma das suas manifestações [43].

Ao longo dos anos, encontram-se na literatura diversos termos para descrever estas lesões: lesões pré-malignas, lesões intra-epiteliais neoplásticas, lesões epiteliais precursoras e lesões epiteliais orais displásicas. Devido à quantidade de termos utilizados em diversas publicações, houve a necessidade de se estabelecer uma nomenclatura universal, para que todos os clínicos pudessem descrever de igual forma as lesões orais, demonstrando consenso entre as publicações [43].

Assim, em 2005, teve lugar no Reino Unido um workshop da Organização Mundial de Saúde (OMS) Collaboranting Centre for Oral Cancer and Precancer, de onde saiu um relatório, que propôs uma nova terminologia que pudesse ser globalizada e utilizada por todos os clínicos e investigadores dedicados à Patologia Oral. Foi assim proposto, um novo termo para estas lesões e condições: Doenças Potencialmente Malignas. Este novo termo foi assim decidido, uma vez que nem todas as lesões orais sofrerão transformação maligna e, sobretudo, devido ao reconhecimento da noção de campo de cancerização, no qual toda a mucosa da via aero-digestiva superior se encontra susceptível aos mesmos factores de risco, podendo toda esta mucosa sofrer transformação displásica e/ ou transformação maligna [43].

O termo actualmente utilizado por clínicos para descrever a lesão propriamente dita, é de lesões epiteliais precursoras, denominação utilizada na última monografia de Tumores de Cabeça e Pescoço em 2005 pela OMS [43].

Dentro do espectro das doenças potencialmente malignas, descrevem-se várias lesões: leucoplasia, eritroplasia, queilite actínica e lesões do palato em indivíduos com práticas tabágicas aberrantes. Descrevem-se também as condições sistémicas potencialmente malignas (CPM): fibrosa submucosa, líquen plano, lesões liquenóides, lúpus eritematoso discóide, disqueratose congénita, sífilis, imunodepressão, candidíase hiperplásica crónica, epidermólise bolhosa, síndrome de Plummer-Vinson (disfagia sideropénica), xeroderma pigmentosum, queratoacantoma, estados de má nutrição, deficiência de vitamina A, B, C e doença do enxerto-versus-hospedeiro (DEVH) [43, 44].

Neste trabalho, optámos por usar a divisão de lesões e condições potencialmente malignas, apenas por uma questão de organização, reconhecendo, no entanto, que estas lesões e condições pertencem todas ao espectro contínuo de campo de cancerização da boca e orofaringe, em consonância com o conceito de Pré-cancro oral [43].

O conceito de pré-cancro oral baseia-se em quatro princípios de evidência científica[43]: 1) Está relatado na literatura a transformação maligna de lesões previamente identificadas como lesões potencialmente malignas;

2) Nas margens dos carcinomas pavimento-celulares (CPC), identificam-se lesões potencialmente malignas, especialmente leucoplasias e eritroplasias;

3) Em termos anátomo-patológicos, as doenças potencialmente malignas, partilham características morfológicas e citológicas com os carcinomas, mas sem a invasão profunda, característica dos tumores malignos;

4) As doenças potencialmente malignas partilham, ainda, características cromossomais, genéticas e moleculares com os carcinomas da cavidade oral e orofaringe.

Em muitos estudos são descritos como factores de risco associados ao carcinoma da cavidade oral: o tabaco, o álcool, os fenóis, a noz de bétel, as infecções virais, bacterianas e fúngicas, a imunodepressão, o trauma mecânico repetido ou persistente e localizado, as reacção electro-galvânica, a radiação, a genética, a desactivação de genes supressores de tumor, a activação de oncogenes e os estados de malnutrição [43].

Considerando que existe um processo de transformação maligna numa mucosa comum à via aero-digestiva superior e, que nesse processo, existe previamente uma transformação displásica, admitem-se que os factores de risco para as doenças potencialmente malignas são semelhantes [43, 44].

As lesões potencialmente malignas têm uma prevalência de 1% a 5% na população geral [44-45], sendo entre os 50-70 anos de idade que se regista a maior incidência o que, curiosamente, corresponde a um período de cerca de 5 anos antes da idade mais frequente do cancro oral. No entanto, cerca de 5% das lesões potencialmente malignas, ocorreram em indivíduos com menos de 30 anos. O local mais comum de ocorrência de uma lesão potencialmente maligna é a mucosa jugal, seguida da gengiva, língua e pavimento da boca [44, 45].

As lesões potencialmente malignas são, frequentemente, assintomáticas e apresentam uma taxa e um tempo de transformação maligna imprevisível. Estas características podem condicionar um diagnóstico tardio e obrigam a um seguimento eficaz e longo, de forma a garantir uma detecção precoce das situações de malignização [43, 44]. As lesões potencialmente malignas podem ser lesões únicas localizadas, não associadas a nenhuma doença, ou lesões associadas a um estado mais generalizado de doença [43, 44].

Estudos revelam que existe ainda um grupo de doentes, com doença potencialmente maligna múltipla, que apresentam maior incidência de transformação maligna, reflectindo uma provável instabilidade generalizada de toda a mucosa oral (campo

de cancerização). De acordo com alguns estudos, a patologia multifocal generalizada de toda a cavidade oral, deveria ser um marcador de risco de carcinoma pavimento- -celular, não apenas da cavidade oral mas de todo o tracto aero-digestivo superior [47, 48, 49].

A biópsia é obrigatória para o diagnóstico definitivo das lesões potencialmente malignas. A displasia é o principal factor preditor de futura transformação maligna [43].

Os doentes que apresentam doença potencialmente maligna multifocal ou disseminada a toda a cavidade oral, representam um grupo específico com alto-risco de transformação maligna e constituem um importante desafio de diagnóstico e tratamento. Este grupo, necessita de um seguimento mais frequente, com um mapeamento feito através de múltiplas biópsias [50]. Acresce o facto de os doentes com os principais factores de risco para estas lesões, tabaco e álcool, não terem perfil de procura de assistência médica frequente, nomeadamente, profissionais de saúde oral.

A informação da população sobre estas lesões é ainda muito baixa, apesar dos rastreios realizados e de alguma divulgação esporádica nos meios de informação. O facto de muito doentes desconhecerem que devem olhar regularmente para a sua boca, fazendo um auto rastreio, associado ao desconhecimento sobre o tipo de lesões que os deve levar a procurar o médico, pode contribuir para o diagnóstico tardio destas patologias. As doenças potencialmente malignas são ainda entidades pouco faladas no meio médico pelo que, muitas vezes, o seu diagnóstico tardio também se pode dever ao eventual insuficiente conhecimento dos médicos assistentes sobre a patologia oral [44, 45, 46]. Tanto nas lesões potencialmente malignas como no cancro oral, o diagnóstico precoce é a chave do tratamento e altera drasticamente a mortalidade e a morbilidade destes doentes. O prognóstico dos carcinomas T1/T2 é completamente distinto do prognóstico dos T3/T4 [44].

No documento Santos Alberto Manuel TD 2016 (páginas 67-71)