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DEFINIÇÃO E HISTÓRIA

No documento Santos Alberto Manuel TD 2016 (páginas 31-33)

A endoscopia de contacto é uma técnica não invasiva que permite observar as células epiteliais e a microcirculação in vivo. Esta técnica inspirou-se na colpocitoscopia, descrita por Hamou em 1979 [1] para o estudo da mucosa vaginal e uterina. Embora tenha sido publicado um ensaio preliminar em 1989 sobre a utilização de um colpocistoscópio para observar lesões inflamatórias da boca, por uma equipa italiana chefiada por L’Estrange [2], a endoscopia de contacto começou a ser utilizada com esta denominação em Otorrinolaringologia na mucosa da laringe em 1993 pelo Professor Mário Andrea e pelo Professor Óscar Dias [3].

Os primeiros estudos de endoscopia de contacto na mucosa aerodigestiva foram realizados na laringe em 1993, por uma equipa chefiada pelo Professor Mário Andrea, a qual tive o privilégio de poder integrar. Foi utilizado um colpocitoscópio ginecológico que, apesar de implicar algumas limitações técnicas, tornou possível realizar observações in vivo e in situ com 60 e 150 aumentos. Os trabalhos preliminares mostraram os benefícios da endoscopia de contacto em situações normais e patológicas, nomeadamente tumorais, inflamatórias e papilomatoses [3].

A grande evolução permitida por esta técnica baseia-se na possibilidade de, em tempo real e in situ, ultrapassar a fronteira da observação macroscópica para passar a observar, a nível celular, situações normais ou patológicas. Acresce que esta informação não é confinada a uma pequena área, como acontece aquando da biópsia. Com a endoscopia de contacto podemos observar áreas extensas da mucosa de forma rápida e não invasiva. A informação obtida não é tão detalhada e discriminativa como no exame histopatológico mas, a endoscopia de contacto permite rastrear a mucosa de uma forma eficaz e, sem lesar os tecidos ou provocar qualquer incómodo para o doente [3,4,5].

Utilizando uma coloração vital denominada azul de metileno, conseguimos observar as células epiteliais com o citoplasma corado de azul claro e o núcleo corado de azul escuro. É possível avaliar características morfológicas dos núcleos, nomeadamente a forma, dimensões, limites e coloração. Podemos ainda detectar a presença de nucléolos

ou mitoses. A observação destas estruturas e da sua organização permite avaliar a integridade e sanidade do epitélio [3].

Ao contrário do que sucede no método histológico, esta observação não lesa as células, que são observadas vivas e no seu ambiente natural, sendo possível avaliar alguns aspectos fisiológicos como a descamação típica da renovação celular epitelial. A endoscopia de contacto permite-nos também o acesso à rede microvascular subepitelial e à cinética dos glóbulos vermelhos. A observação dos vasos não é possível pela coloração das suas paredes por azul de metileno mas pela coloração natural dos eritrócitos que, ao preencherem o interior das estruturas vasculares, nos revelam a sua forma e dimensões, para além de nos transmitirem outros dados dinâmicos sobre a circulação sanguínea. Devido a este contraste natural, os vasos podem ser observados mesmo sem coloração com azul de metileno. Os ostia das glândulas da mucosa podem igualmente ser observados permitindo o estudo da sua morfologia, fisiologia e cinética de excreção [3,4,5].

A aplicação da endoscopia de contacto no estudo da laringe ocorreu naturalmente como resposta à necessidade de obter mais informação sobre algumas doenças da laringe, nomeadamente, carcinomas e papilomatoses. Embora estas patologias sejam de natureza celular, eram anteriormente estudadas apenas com base na observação macroscópica, somente complementada por uma informação histológica decorrente de uma eventual biópsia. Esta informação de carácter microscópico é, no entanto, posterior à observação clínica e limitada unicamente à área biopsada [3,5].

Participámos nesta experiência da adaptação da técnica para os territórios da Otorrinolaringologia desde o início. Tivemos o privilégio de fazer parte integrante desta equipa chefiada pelo Professor Mário Andrea, vivenciando as dificuldades e os desafios inerentes aos seus primeiros passos. Assistimos às primeiras observações da mucosa laríngea, ainda com o colpocistoscópio. Tivemos oportunidade de colaborar nos muitos estudos que se seguiram sobre a endoscopia de contacto e a sua aplicação, inicialmente na laringe e posteriormente em diferentes territórios do tracto aerodigestivo [3], nomeadamente na mucosa nasal [4], orofaringe, rinofaringe e boca. Estes estudos foram apresentados em várias reuniões onde conquistaram alguns prémios científicos. A endoscopia de contacto foi tema de um curso da Academia Americana de Otorrinolaringologia apresentado pelo Professor Mário Andrea durante vários anos, sempre com altas classificações.

Três destes estudos foram publicados em revistas de alto índice de indexação: um na Annals of Otology, rhinology & Laryngology de ST. Louis U.S.A. [3] e dois na acta

sueca, Acta Oto-Laryngologica (Stockholm) [4,5]. Estes três artigos foram citados em mais de trinta publicações científicas indexadas e em alguns livros de texto de Otorrinolaringologia. Um destes estudos foi galardoado com um prémio científico da Sociedade Portuguesa de Ciência (2º prémio Pfizer).

Os resultados encorajadores destes trabalhos preliminares, associados ao facto de ser uma técnica não invasiva e de rápida execução, levou a que a endoscopia de contacto passasse a fazer parte integrante do protocolo de observação da laringe durante a realização de microlaringoscopias, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria em Lisboa. Este protocolo começou por incluir a utilização sistemática de quatro endoscópios de angulação diferente 0º, 30º, 70º e 120º que garantiam uma completa observação macroscópica da laringe e de todas as lesões aí localizadas [3]. Após estar garantida a observação macroscópica minuciosa e completa, a única forma de progredir na avaliação das lesões durante a microlaringoscopia seria ultrapassar a barreira do macroscópico e conseguir informação microscópica sobre as lesões. Com a endoscopia de contacto a observação é rápida, não lesa os tecidos e permite uma avaliação microscópica de células e microvasos que nos pode oferecer informações complementares à observação macroscópica. Possibilita detectar lesões, identificar a sua natureza histológica, delimitar essas lesões de forma mais rigorosa, controlar a sua exérese cirúrgica garantido uma margem de segurança com maior eficácia e, ainda, participar no seguimento pós terapêutica, aumentando a eficácia do tratamento sem aumentar a morbilidade [3,5].

No documento Santos Alberto Manuel TD 2016 (páginas 31-33)