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De acordo com Denzin e Lincoln (2006), os pesquisadores que adotam a estratégia qualitativa utilizam uma ampla variedade de fontes empíricas nos seus trabalhos: estudo de caso, experiência pessoal, introspecção, história de vida, entrevistas, textos, artigos, entre outros. Isso permite alcançar um amplo leque interpretativo e, assim, diferentes visões do mundo real. Esses pesquisadores acabam por atuar como bricoleurs ou confeccionador de colchas, no sentido em que aproximam e reúnem pedaços da realidade, interligando cenários complexos e diferentes óticas de interpretação. A abordagem da pesquisa qualitativa concebida neste projeto possui caráter indutivo, adotando visão de “dentro para fora”. O entendimento do contexto, dos padrões de comportamento e das estruturas torna-se essencial para o melhor julgamento do objeto de pesquisa (Flick, Kardoff & Steinke, 2004).

O rótulo de pesquisa qualitativa abarca diversas abordagens metodológicas, segundo Flick et al. (2004). Essas diferenciações refletem a forma como o pesquisador enfrenta o seu problema de pesquisa, enfatizando as opções metodológicas que assume. De acordo com a sua classificação, a perspectiva desenvolvida neste projeto identifica-se com o “acesso a pontos de

42 vista subjetivos”, por meio da utilização de pesquisa bibliográfica clássica, entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo própria do ACF com base em notas taquigráficas de audiências públicas. Verifica-se na literatura do ACF a predominância dos estudos de caso como estratégia de pesquisa (Weible et al., 2009).

Com razão, o estudo de caso apresenta-se como o meio mais adequado para captar em profundidade a dinâmica de transmissão das mudanças nos regimes institucionais a subsistemas específicos na medida em que permite investigar as particularidades dessa relação dentro do seu contexto real. A necessidade de responder à pergunta de “como” e “por que” as interações políticas ocorrem e o caráter único desses acontecimentos tornam o estudo de caso o caminho mais apropriado. A impossibilidade de simular as condições contextuais, a dificuldade de quantificar esses movimentos e a complexidade do problema estudado inclinam a pesquisa a um enfoque explanatório (Yin, 2004).

Utilizando a tipologia de Stake (2005), a pesquisa proposta neste projeto seria classificada como instrumental e não como intrínseca ou de múltiplos casos. Ainda que subsista interesse pelo caso em si, a principal motivação é a generalização analítica e suas contribuições para a geração de elementos que possam suprir eventuais lacunas teóricas. Nas palavras do autor, um estudo instrumental é aquele em que “o caso é de interesse secundário, ele exerce um papel de apoiador e facilita o entendimento de algo além. O caso é ainda visto em profundidade, seu contexto escrutinado e suas atividades ordinárias detalhadas, mas tudo isso porque nos ajuda a perseguir um objetivo externo” (p. 445).

Outra classificação existente dentro de um estudo de caso diz respeito à relação do caso escolhido com a unidade de análise, diferenciando os estudos entre holísticos e incorporados. Na primeira categoria, estão os projetos em que unidade de análise e caso confundem-se. Ao passo que na segunda opção, o caso estudado está incorporado a uma unidade de análise mais ampla, da qual o caso é parte (Yin, 2004). O estudo incorporado necessariamente debruça-se de forma intensiva e profunda sobre aspectos do caso ou conjunto de casos alvo. Esse segundo formato está alinhado com a lógica instrumental e permite explorar relações entre o caso e o sistema em que se insere.

Fazendo uma compilação dos principais trabalhos relacionados à metodologia de estudos de caso, Thomas (2011) propõe tipologia que enfatiza os principais atributos que devem ser considerados na construção de um estudo de caso. São identificados quatro espectros: (i) relação entre sujeito e objeto; (ii) importância de clarificar o propósito do estudo; (iii) reconhecimento da melhor abordagem analítica; e (iv) identificação do melhor

43 processo de escolhas metodológicas na condução dos estudos. A figura 4, a seguir, demonstra a aplicação da tipologia de Thomas (2011) ao trabalho proposto.

Figura 4. Aplicação da tipologia de Thomas (2011) à metodologia da dissertação. Fonte: Elaboração do autor com base em Thomas (2011)

A classificação do projeto proposto é justificada a seguir sob os quatro espectros: (i) chave, em função da representatividade do caso para o entendimento do fenômeno; (ii) instrumental, como já descrito acima, e avaliativo (ou explanatório), no sentido proposto por Yin (2004) de que o analista busca a explanação mais aproximada para o caso estudado, contribuindo para a sua aplicação em casos similares; (iii) teste de teoria, ao passo que se trata da aplicação do esquema teórico consagrado; e (iv) único e retrospectivo (longitudinal), mostrando as ocorrências de mudanças institucionais em um único caos através de período definido de tempo.

Ao atacar as falácias acerca dos estudos de caso, Flyvberg (2006) conclui que as disciplinas acadêmicas que não incorporam grande rol de estudos de caso não são efetivas. Ao tratar da terceira falácia, o autor chama atenção à possibilidade de que a generalização dos casos tem relação estreita com a adequada escolha dos casos a serem estudados. Nessa esteira, é desenvolvido quadro de estratégias para a escolha do estudo de caso, o qual se divide em duas vertentes: a de escolha aleatória e a da seleção orientada pela informação. Ao passo que a primeira depende da definição de uma boa amostra para oferecer potencial de generalização, a segunda depende de definição de ordem qualitativa, buscando maximizar a utilidade de conjunto de poucos casos ou de caso singular. Sua estratégia é composta por quatro variações: (i) casos extremos ou de desvio; (ii) casos de maior variação; (iii) casos críticos; e (iv) casos

44 paradigmáticos. A escolha do referido subsistema tem fundamento na definição de caso crítico de Flyvberg (2006), qual seja de importância estratégica em relação ao problema central. Essa conclusão se faz à sorte da forte relevância do tema para os governos e sua presença constante na pauta prioritária da mídia e do mercado.

Nesse sentido, entende-se que o caso proposto, do setor portuário brasileiro, pode oferecer subsídios importantes no desenvolvimento teórico ou no avanço em questão de interesse coletivo. Ao desenvolver o Advocacy Coalition Framework (ACF), Sabatier e Jenkins-Smith (1988, 1993, 1999) tinham por objetivo oferecer nova abordagem acerca do processo de construção de políticas que adicionasse elementos que permitissem a acadêmicos e profissionais de políticas públicas tratar conceitos relevantes do jogo político com instrumentos mais adequados. Havia um certo desapontamento com os estudos que abordavam crenças de atores por não se aprofundarem nas verdadeiras questões que moviam as elites políticas. Diante desse diagnóstico, foi desenvolvido o quadro teórico que sustenta a corrente, que, segundo os autores (Sabatier & Jenkins-Smith, 1993) atende a todos os requisitos de uma teoria causal:

a) traz relações de causalidade para mudanças, por meio de dinâmicas internas ou externas ao subsistema;

b) permite testagem e falsificação; c) é relativamente parcimoniosa e fértil; d) pode produzir resultados surpreendentes; e

e) tem o potencial de contribuir com os que estudam ou que atuam no subsistema. Com essa perspectiva de contribuir com o desenvolvimento teórico e com conhecimentos práticos para os atuantes no setor portuário, procurou-se realizar aplicação fiel do framework na concepção original desenvolvida pelos autores. Conforme descrito na metodologia proposta para este trabalho, os instrumentos de pesquisa utilizados - entrevistas e análise documental - foram aplicados com o rigor metodológico recomendado por Sabatier e Jenkins-Smith no apêndice metodológico do livre Policy Change and Learning (1993), possivelmente o principal trabalho teórico desenvolvido no âmbito do ACF, sendo observados também os conselhos práticos oriundos do capítulo A Guide to the Advocacy Coalition Framework, de Weible e Sabatier (2007).

A coleta e análise dados abrangeu a leitura de extensa quantidade de referências bibliográficas e de documentos analisados, a realização de entrevistas semiestruturadas em profundidade e a análise propriamente dita em face da matriz teórica do ACF. O

45 operacionalização, que levou em torno de 7 (sete) para ser concluída e compreendeu os seguintes passos: i) leitura extensa das referências bibliográficas de teoria e da literatura específicas ao subsistem; ii) leitura preliminar dos documentos das audiências públicas mapeadas; ii) elaboração do roteiro de perguntas preliminar para as entrevistas e identificação dos potenciais entrevistados; iii) realização de entrevista piloto e consequente ajuste no roteiro de perguntas; iv) realização das demais entrevistas, totalizando 8 (oito) entrevistas; v) elaboração do código de análise preliminar; vi) submissão do código à validação de 3 (três) juízes e consequentes ajustes; vii) aplicação do código de análise às 10 audiências públicas mais representativas do período para o objetivo da pesquisa; viii) identificação das coalizões existentes mediante os resultados da aplicação do código e do uso do instrumento das crenças preditoras de coalizão (contribuição teórica desta pesquisa); ix) identificação e análise de coalizões, policy brokers e policy entrepreneurs identificados; x) análise e discussão final dos resultados obtidos com a pesquisa.