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Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, o Estado Brasileiro passou por diversas transformações que reforçaram o papel governamental de condução da economia. O poder foi centralizado no Executivo, que passou a sistematizar as políticas públicas antes fragmentadas. A década ainda ficou marcada pela sindicalização dos trabalhadores, incluindo a dos portuários, e pela tentativa de profissionalizar a burocracia estatal, por meio da criação do Departamento Administrativo do Serviço Público – o DASP (Moreira Neto, 2008).

O período que se inicia a partir da implantação do DNPN, em 1933, marca a inflexão em direção ao maior controle do Estado sobre as operações portuárias. O porto passou a ser visto como serviço público dotado de essencialidade e como questão de segurança nacional. Como destaca Moreira Neto e Freitas (2015, p. 21), a sistematização dos normativos do setor portuário foi iniciada pela previsão trazida na Constituição de 1934, a qual dispunha no seu art. 5º, inciso VIII, que competia “privativamente à União legislar sobre o regime de portos e

70 de navegação de cabotagem, assegurada a exclusividade desta quanto às mercadorias e aos navios nacionais”.

A regra constitucional norteou a edição de quatro decretos que estabeleceram a lógica de exploração da atividade portuária. Os Decretos nº 24.447, 24.508, 24.511 e 24.599, todos de 1934, fixaram o sistema legal que disciplinou o funcionamento dos portos brasileiros, unificando-os com a utilização de conceitos padronizados como “porto organizado”, “administração do porto” e “instalações portuárias”, os quais permanecem vigentes até os dias atuais (Oliveira, 2015).

O Decreto nº 24.447, de 22 de junho, cunhou o conceito de “porto organizado” e definiu as áreas de abrangência dos portos organizados, prevendo que, além da exploração direta pela União, os portos poderiam também ser delegados por contrato a arrendatários ou concessionários. Já o Decreto nº 24.508, de 29 de junho, caracterizou os serviços prestados nos portos organizados com a definição das taxas portuárias e incumbiu ao DNPN do Ministério da Viação e Obras Públicas a tutela sobre a exploração dos portos organizados e a fiscalização de arrendatários ou concessionários. No mesmo dia de 1934, foi editado o Decreto nº 24.511, que estabeleceu regras para a operação portuária, inclusive instituindo o conceito de área de monopólio dos portos (hinterland), por meio da qual o território brasileiro foi particionado entre os portos organizados existentes. Por fim, o Decreto nº 24.599 autorizou a concessão dos portos nacionais a empresas privadas ou aos estados em que se localizassem, seu melhoramento, aparelhamento e a exploração do respectivo tráfego, sendo omisso quanto a obras de construção (Guimarães, 2014; Moreira Neto & Freitas, 2015).

Tal sistema previa forte tutela do Estado na exploração portuária, sobretudo devido à característica monopolística que se atribuiu aos portos organizados e a rigidez administrativa do DNPN, que definia diretrizes e fiscalizava os arrendatários ou concessionários a partir da lógica da prestação de serviços públicos. Tal sistemática tinha fundo na exploração de portos de maior escala, enquanto portos menores ficavam à margem dos novos normativos. O Decreto-Lei nº 6.460, de 1944, endereçou essa questão ao prever regrar para portos rudimentares que não se enquadrassem no Decreto nº 24.599, e previu também a possibilidade da sua delegação a estados e municípios, além da concessão a particulares (Guimarães, 2014).

Já no regime militar, o papel preponderante do planejamento estatal cedeu lugar à reintrodução de maior liberdade aos empresários com a edição do Decreto-Lei nº 5, de 1966, que regulamentou a construção e exploração de instalações portuárias para uso próprio; e do Decreto-Lei nº 561, de 1969, que permitia que fossem movimentadas cargas de terceiros nos

71 terminais e embarcadouros de uso privativo na hipótese de congestionamento dos portos organizados, desde que devidamente autorizado pelo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN). Essa autarquia, criada em 1963, sucedeu o anterior Departamento Nacional de Portos Rios e Canais (DNPRC), de 1943, que havia sido constituído a partir da reorganização do antigo DNPN.

Reconhecia-se com esses expedientes a necessidade que os grandes exportadores de granéis sólidos e líquidos tinham de obter alternativa eficiente para o escoamento da sua produção, sem depender dos portos supervisionados pelo Estado. Dessa forma, inseria-se uma brecha na rígida regulação estatal desenhada na década de 1930 e permitia-se um outro regime jurídico de exploração das instalações portuárias, não mais como serviço público, mas como atividade econômica. A Constituição de 1967 recepcionou esse conceito ao prever que a União poderia explorar a infraestrutura portuária diretamente ou por meio de autorização (Moreira Neto & Freitas, 2014).

O DNPVN vigorou até 1975, quando suas funções foram absorvidas pela Empresa de Portos do Brasil (Portobrás), constituída para funcionar como uma holding dos portos organizados brasileiros. Tal configuração encontrava fundamento no ideal de estado burocrático weberiano, preconizado pelos militares e impulsionado pelo Decreto-Lei nº 200, de 1967, o qual trazia uma reforma administrativa que centralizava a política e descentralizava a execução por meio de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista (Souza Junior, 2008).

A Portobrás foi constituída como empresa pública federal, criada pela Lei nº 6.222, 10 de julho de 1975, tendo como competências a promoção da Política Portuária Nacional, de acordo com as diretrizes do Ministério dos Transportes, a realização de estudos, planos e projetos e a aprovação de obras e melhoramentos nos portos sob todos os regimes de exploração, administrar e explorar portos, promover a captação de recursos para o setor, fiscalizar a exploração e administração de portos sob concessão ou autorização, além da promoção e supervisão geral do setor portuário, entre outras atribuições. Dessa forma, não só foram transferidas as atribuições DNPVN para a nova estatal, como permitido que houvesse uma atuação direta no domínio econômico. A empresa passou a controlar diretamente oito companhias docas e a administrar diretamente nove portos, além de fiscalizar os portos delegados (MTPA, 2017).

Do planejamento à intervenção direta nas atividades econômicas, passando pela regulação de normas técnica atinentes ao setor, a Portobrás assumiu a centralidade na

72 condução da política portuária, recebendo diretrizes estratégicas do Ministério dos Transportes. A descentralização trouxe importantes avanços. Os primeiros dez anos de atuação da empresa marcaram um avanço sem precedentes do setor em espaço tão curto de tempo, com investimentos de ampliação de capacidade, dragagem e melhorias operacionais ocorrendo em diversos portos do país.

O modelo que a sustentava, contudo, tinha sua matriz no fluxo constante de recursos públicos direcionados ao setor, premissa inviabilizada com a crise da dívida pública e da pressão inflacionária vivida pelo país desde meados da década de 1980. A dificuldade da captação de recursos no exterior e a escassez de recursos públicos disponíveis debilitou a capacidade de a Portobrás de realizar investimentos e sustentar seu quadro de pessoal, que havia crescido sobremaneira no auge da holding portuária. Não faltaram esforços para suprir a lacuna do investimento público por meio de tentativas de parcerias com a iniciativa privada, que, entretanto, mostrava-se retraída a novos investimentos no cenário de instabilidade institucional e financeira que se apresentava no final da década de 1980 (Souza Junior, 2008).

O ano de 1990 trouxe à presidência Fernando Collor de Mello e uma ampla reorientação dos rumos do país, visando a trazer maior eficiência ao aparelho estatal brasileiro, na esteira das tendências internacionais de desregulamentação. Com essa reorganização veio a extinção de diversas autarquias e empresas estatais, entre elas a Portobrás, por meio da Lei nº 8.029, que autorizou a sua dissolução, e dos Decretos nº 99.192 e 99.226, que a determinaram. Para Souza Junior (2008), a dissolução ocorreu de forma abrupta, ocorrendo uma fragmentação da estrutura existente. O setor passou a ser novamente centralizado na administração direta, tendo sido alocado sob a esfera de atuação do Ministério da Infraestrutura e, posteriormente, do reconstituído Ministério dos Transportes.