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5.3 Os atores relevantes e a formação de coalizões

5.3.4 Policy brokers, policy entrepreneurs e hurting stalemate

No estudo de caso do setor portuário brasileiro pesquisado foi possível identificar, por ocasião das discussões que levaram à construção do novo marco regulatório no período de 2012 a 2013, a atuação de um importante policy broker. Esse papel foi desempenhado por um ator governamental enquadrado na coalizão desenvolvimentista – a Casa Civil da Presidência da República. Essa identificação teve como base os depoimentos coletados por meio de entrevistas com atores que participaram das negociações da redação da MP nº 595/2012 e pelo discurso proferido pela então ministra Gleisi Hoffmann em audiência pública realizada no âmbito da Comissão Mista da MP.

Quanto às entrevistas, há relatos de que a Casa Civil conduziu todas as negociações para a elaboração da proposta, articulando-se com os órgãos públicos responsáveis pela política portuária (SEP, ANTAQ e MT) e com representantes dos stakeholders do setor. A iniciativa teria partido da Casa Civil, em articulação com a SEP, tendo sido as primeiras reuniões restritas a poucos membros com alto nível hierárquico (ministros, secretários, diretores de agência reguladora e assessores especiais). Com o amadurecimento da proposta, foi inserido um grupo maior de atores nas negociações, emulando a dinâmica própria dos subsistemas do ACF, porém em ambiente ainda com participação restrita e em ambiente fechado. O próprio fato de que o lançamento do novo marco ter sido acompanhado do lançamento do módulo de portos do Programa de Investimentos em Logística (PIL-Portos) levou à ampliação da base de participantes, sobretudo em função da interface com a previsão de obras de acessos rodoviários e ferroviários aos portos, divulgados conjuntamente.

Durante todo o processo, o governo - por intermédio da ministra e dos assessores especiais da Casa Civil - fez o trabalho de policy broker, dirimindo conflitos entre todos os interessados, atuando em ambiente de inerente complexidade intrínseco ao setor portuário. Embora tenha havido resistência de alguns participantes, como de parlamentares, operadores portuários e trabalhadores, membros da coalizão estatista, a percepção da existência de um impasse prejudicial ao setor (hurting stalemate), devido aos elevados custos portuários e à baixa eficiência dos portos nacionais, permitiu que houvesse acordo em torno dos pontos essenciais da reforma, com as flexibilizações necessárias tendo ocorrido por meio no Congresso Nacional, por meio da não oposição de emendas das coalizões liberal e estatista.

102 Quanto à análise de conteúdo do discurso da ministra Gleisi Hoffmann, percebe-se a defesa dos pontos centrais da reforma, com a devida motivação de cada uma das alterações. Nesse pronunciamento, foram codificados 5 (cinco) posicionamentos enquadrados em crenças preditoras de coalizão (A1, B1, B1, B15, B12), com pontuação média de 3,8, o que demonstra a posição moderada, mas com viés próximo do estatista, da ação desse policy broker, que utilizando da sua condição de membro do governo e da articulação construída, conseguiu canalizar as forças necessárias para desencadear mudanças na política (policy changes).

Um elemento importante para a compreensão da dinâmica que permeou o subsistema no período estudado foi a convergência existente entre o policy broker e alguns atores-chave para a condução das negociações, os policy entrepreneurs. Verificou-se a atuação de dois atores que se enquadram nas caraterísticas típica dessa função, uma importante liderança nas discussões do subsistema e a capacidade de direcionar a atenção e os recursos disponíveis para os seus pontos de interesse. Embora não esteja parte integrante do framework do ACF, Sabatier e Jenkins-Smith (2007) apontam essas características como recurso essencial para catalisar a mudança na política (policy change).

O primeiro desses atores, o qual esteve ativamente presente na maior parte das audiências mapeadas no período, foi a senadora Kátia Abreu. Declaradamente entusiasta das questões de logística, conforme destacou por diversas vezes em seus discursos, a parlamentar do Tocantins demonstrou extrema capacidade de liderar a pauta de discussão, usando recursos como a apresentação de requerimentos relativos a assuntos de portos; da apresentação do Projeto de Lei do Senado nº 118 de 2009, que permitia objetivava permitir a exploração de instalações portuárias privadas para uso geral; e da intensa participação nos debates realizados. Com relação a esse último ponto, convém destacar que foram codificados 31 (trinta e um) posicionamentos da Senadora ao longo das 10 (dez) audiências analisadas em profundidade.

Outro importante ator nas discussões do subsistema foi o representante da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. Em que pese a sua necessidade de harmonizar interesses de associados arrendatários (terminais públicos) e autorizatários (terminais privados), o presidente da ABTP demonstrou-se amplo domínio das questões centrais do setor, exercendo liderança política e técnica sobre os demais atores. Tal posição é sustentada pela intensa participação em grande parte das audiências públicas analisadas. Além de ser presidente da associação mais relevantes de operadores portuários, Wilen Manteli apresentou visões e crenças muito bem definidas acerca do setor, em todas as oportunidades

103 registradas neste trabalho. Seus pronunciamentos costumam ser ricos em posicionamentos e, portanto, transmitem claramente as crenças defendidas, tendo totalizado 39 (trinta e nove) codificações em seu nome.

Tal característica é notória também nas falas da senadora Kátia Abreu, indicando aparente correlação dessa característica com o exercício de liderança no interior do subsistema, típico de um policy entrepreneur (Sabatier & Weible, 2007). Em que pese ambos atuem no âmbito da coalizão liberal – Kátia Abreu com média de 1,9 e Wilen Manteli com média de 2,1 nas crenças preditoras – ambos souberam moderar suas posições ao longo dos debates, facilitando a aceitação de muitas de suas posições entre os demais atores.