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Durante os debates realizados nas audiências públicas submetidas à análise de conteúdo para a elaboração desta dissertação, foram identificadas 3 (três) questões basilares para o desenvolvimento do setor portuário brasileiro: (i) a governança da gestão das políticas portuárias (centralização x descentralização); (ii) a competição entre e intraportos; e (iii) a profissionalização da gestão portuária.

Destaca-se que permanecem diversas críticas ao modelo de governança das políticas

portuárias estabelecido pela Nova Lei dos Portos. Tais críticas apareceram de forma

praticamente uníssona durante os debates no Congresso Nacional, durante e após a tramitação da MP nº 595/2012, permanecendo presentes no cenário atual. Diversos parlamentares e representantes dos governos estaduais manifestaram-se contra a medida, que foi justificada pela necessidade de integrar o planejamento logístico nacional e pela padronização dos procedimentos de elaboração de estudos e de licitação. Importa destacar que nenhuma das três coalizões identificadas (liberal, desenvolvimentista e estatista), no seu agregado, defendeu crenças relacionadas à centralização das políticas do setor. Como era esperado, a coalizão liberal destacou-se na defesa da descentralização, mas foi acompanhada por tom moderado pelas demais coalizões. A exceção ficou por conta da Casa Civil e de alguns membros da coalizão desenvolvimentista, mentores da ideia em função da sua composição no grupo que detinha o governo.

O estado de Pernambuco, por exemplo, dono de um dos portos mais eficientes do país, o porto de Suape, cuja história de construção teve importante participação de recursos provenientes dos cofres estaduais, teceu duras críticas ao modelo centralizado na SEP, em função da retirada da autonomia que o porto anteriormente possuía para planejar e implementar suas melhorias, possibilitando a sua diferenciação competitiva entre os portos do

104 Nordeste. O modelo trazido pelo novo marco regulatório, embora seja aparentemente razoável do ponto de vista teórico, guarda o risco prático de esbarrar na capacidade institucional de SEP e ANTAQ em processar simultaneamente e de forma célere as demandas de expansão do conjunto de portos organizados do país. Tal situação agrava-se pelo distanciamento da realidade local e as possíveis ingerências políticas que podem distorcer as prioridades de licitação de Brasília. Ou seja, há diversas incertezas que circundam o modelo de centralização do planejamento e da formulação das políticas portuárias pela SEP, com riscos relacionadas à imprescindibilidade da sua adequada governança, sob a pena da geração de ineficiências superiores às vistas no modelo anterior de descentralização. A possibilidade prevista na Nova Lei dos Portos de poder delegar a realização da licitação às administrações portuárias, combinada com um exercício leve do poder de emanar diretrizes pela SEP poderia ser caminho alternativo para suprir as lacunas institucionais existentes, sem acarretar a necessidade de qualquer mudança legal. Equacionar a governança nesse sentido, está entre as questões essenciais para o desenvolvimento do setor portuário.

Outra questão fundamental para o setor portuário, a qual também foi alvo de intensos debates no âmbito das audiências públicas analisadas é a competição entre e intraportos. Entende-se por competição entre portos, a possibilidade de competição de terminais arrendados localizados dentro de portos organizados com terminais privados localizados fora das poligonais. As associações que integram a coalizão estatista trazem no seu discurso um forte apelo por medidas de “isonomia” e “equalização” das condições de competição, sob a alegação de que a livre competição entre portos públicos e privados traria desequilíbrio em desfavor dos primeiros.

A lógica, entretanto, é aparentemente inversa e o argumento falacioso. Os terminais que ocupam área arrendadas em portos organizados dispõe, primeiramente, de toda a infraestrutura comum do porto público, além de possuir ganhos de escala, por exemplo, na contratação de trabalhadores avulsos por meio do OGMO – que é administrado por um pool dos próprios operadores portuários arrendatários – e de serviços associados à operação. Além disso, conta com investimentos públicos relativos à infraestrutura de acessos terrestres e aquaviários de acesso ao porto, por meio da construção de rodovias, ferrovias e a execução de programas de dragagens sem ônus para o arrendatário. Já os portos privados precisam construir suas próprias condições de infraestrutura para poderem operar, sem dispor de incentivos públicos para tanto. Além disso, operam de forma independente, ou no mínimo em cluster, precisando desenvolver de maneira privada volume de atividade suficiente para ser

105 competitivo. Suas vantagens estão justamente associadas a esses riscos, quais sejam a não ingerência política sobre as suas operações e a flexibilidade da gestão privada da infraestrutura portuária, inclusive sem a necessidade de contratação de trabalhadores cadastrados no OGMO.

Assim sendo, a adoção de medidas destinadas a compensar supostos desequilíbrios nessa competição, indicam o caminho exatamente oposto da promoção da livre concorrência. Seria o equivalente a introduzir proteções artificiais no mercado, por meio da intervenção governamental, privilegiando o grupo de operadores tradicionais, que hoje detém os arrendamentos portuários mais lucrativos do país.

Quanto à competição intraporto, há que se falar na criação de condições para que novos entrantes ingressem nas áreas disponíveis nos portos organizados brasileiros. A SEP trabalha hoje com rol de aproximadamente 90 (noventa) áreas que seriam passíveis de licitação, as quais poderiam fomentar a competição interna ao porto. A introdução desse tipo de relação, inclusive com a redundância de terminais para o mesmo tipo de carga, se viável economicamente, poderia trazer incalculáveis benefícios em termos de eficiência portuária. Essa foi, possivelmente, uma das principais ideias que norteou a elaboração da MP nº 595/2012, sendo bastante defendida nos pronunciamentos da coalizão desenvolvimentista, acompanhada de forma moderada pela coalizão liberal. A evolução, contudo, desse ponto depende da capacidade de gestão do governo federal, que até desde a instituição do novo marco em 2013 conseguiu contratar apenas 2 (dois) novos terminais.

Por fim, mas não menos importante, está a questão da profissionalização da gestão

portuária. Esse seja talvez o principal desafio a ser superado para viabilizar o pleno

desenvolvimento dos portos nacionais. Isso porque a gestão dos portos depende da introdução de nova cultura nas administrações portuárias, nos operadores portuários e nos trabalhadores. Convém segregar a discussão em 3 (três) tópicos, sendo o primeiro a profissionalização em si da administração do porto organizado, tornando impessoais e cooperativas as relações com operadores e trabalhadores portuários. A modernização das instalações portuárias, inclusive pelo uso de tecnologias da informação, por meio de modelo de gestão por resultados, da simplificação de procedimentos, da transparência na condução dos negócios do porto e do compromisso pela execução de melhorias que realmente sejam prioritárias, em prol de toda a comunidade portuária.

O segundo tópico diz respeito à coordenação entre as diversas autoridades que atuam como intervenientes na operação portuária (ANVISA, Marinha, Vigiagro, Polícia Federal,

106 Receita Federal e demais autoridades), as quais dependem da devida priorização governamental das atividades por eles desempenhadas, com a provisão de quadros e recursos adequados para o fiel cumprimento das suas obrigações. A implementação de medidas como do Porto 24 horas e do Porto Sem Papel são salutares para a melhoria da eficiência da atuação desses órgãos intervenientes.

Já o terceiro tópico diz respeito ao alto grau de rigidez das relações trabalhistas no setor portuário. A percepção dos operadores portuários é de que faltam profissionais habilitados para atuar em sintonia com os avanços tecnológicos e a automação dos serviços portuárias. Em tempo, a Lei nº 12.815/2012, a partir de emendas feitas durante a tramitação congressual, previu que o OGMO deve promover o treinamento multifuncional para os trabalhadores portuários, endereçando, assim, a questão da atualização educacional desses profissionais.

A despeito da existência de regime diferenciado de direitos para os trabalhadores portuários, fundamentado na Convenção nº 137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e refletido na Lei nº 12.815/2013, o enrijecimento das relações de trabalho no setor tem pesado em termos de custos para a logística. De acordo com Rocha et al. (2016, p. 17):

Os sindicatos dos portuários ainda mantêm forte controle sobre a remuneração das operações dependentes de mão de obra especializada (estiva, capatazia), mesmo com a criação do OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra. Também controla m o tamanho das equipes (terno), em geral acima do necessário, gerando ociosidade e elevação dos custos.

Outro importante gargalo para as administrações portuárias é o alto grau de judicialização de demandas trabalhistas, que ocorrem majoritariamente sobre a alegação de desvio de função. Há quem defenda que as administrações portuárias deveriam deixar de ser autarquias para passarem a ser sociedades de economia mista e, assim, terem maior flexibilidade na alocação da mão de obra. Além dos enquadramentos jurídicos, há também a percepção de certa permissibilidade excessiva por parte da Justiça do Trabalho, o que acaba por potencializar a cultura do ingresso em juízo por parte dos trabalhadores.

Ainda em relação à gestão portuária, poderia ser testado a possibilidade de concessão dos portos organizados, que poderiam se dar tanto no modelo de “porteira fechada”, em que a concessionária administraria o porto e as áreas dos terminais, ou no modelo “condomínio portuário”, em que a concessionária exerceria estritamente a administração das áreas e serviços comuns do porto. Essa poderia ser uma alternativa às restrições que haveria à profissionalização das administradoras públicas, a exemplo das Companhia Docas, devido à

107 sua natureza e arraigada cultura estatal. O modelo poderia ser inicialmente aplicado a portos não estratégicos e, a partir dos resultados obtidos, cogitada a sua gradual expansão para o restante do conjunto de portos organizados.