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2.9 AS ESTRUTURAS DE OBSERVAÇÃO: OS OBSERVATÓRIOS

2.9.5 Definições e caracterização dos observatórios no contexto do

Apesar de os observatórios serem utilizados frequentemente como fonte de estudos e subsídio para a tomada de decisões, eles receberam uma relativa pouca atenção dos pesquisadores até o momento (DA SILVA et al., 2013).Conforme afirma Angulo Marcial (2009, p. 12), os observatórios apresentam como elemento comum a diversidade e a dispersão conceitual. Já Urdapilleta (2006 apud ANGULO MARCIAL,

51 Aprovada durante a Segunda Conferência de Assentamentos Humanos (HABITAT II), realizada em

2009) diz que esse termo está ausente dos dicionários quando se referem às ciências sociais. Cabe citar ainda, nessa mesma direção, as palavras de Laviña (2008) de que “nem tudo o que se qualifica, ou é chamado por outros, como um observatório o é na realidade” (LAVIÑA, 2008 apud ANGULO MARCIAL, 2009, p. 6, tradução nossa).

Essa reflexão limitada sobre a natureza conceitual dos observatórios também parece ocorrer na França. Mesmo com esse país contabilizando uma grande quantidade de observatórios já na década de 1990 (ROUCHET, 1999) foi somente mais recentemente que esse assunto passou a ser contemplado com uma maior quantidade de estudos. Apesar disso, é desse país que se origina a produção científica mais relevante sobre os observatórios territoriais e sociais em relação a aspectos epistemológicos, metodológicos, organizacionais e históricos. Nesse contexto, os trabalhos de De Sède-Marceau e Moine (2009), Lenormand (2011), Roux e Feyt (2011), Signoret (2011) e Chebroux (2015) se destacam, assim como a Revista

Espaces (EDTS, 2018) quando se considera uma abordagem técnica e operacional.

A concentração das principais referências científicas sobre o assunto naquele país possivelmente se deve ao fato de os observatórios se mostrarem bastante presentes no cotidiano da gestão pública, coletiva e territorial francesas (LENORMAND, 2011; ROUX; FEYT, 2011; CHEBROUX, 2015). Com isso, sua implantação em escalas territoriais diversas e a orientação para diferentes temáticas fizeram com que eles se constituissem em uma “pluralidade de olhares sobre o território”, como a eles se referiram os pesquisadores Roux e Feyt (2011, p. 28). Nesse sentido e considerada a importância do contexto para o estudo dos observatórios, é importante conhecer o que pesquisadores franceses disseram sobre o assunto. Para Lenormand (2011), um observatório é:

[...] um projeto que tem como objetivo o funcionamento de uma rede de parcerias de desenvolvimento territorial com vistas à melhoria da ação sobre este território a partir de uma mobilização crescente de informações e da construção de conhecimentos territorializados (LENORMAND, 2011, p. 115, tradução nossa).

Nessa definição podem ser identificados elementos que são frequentemente associados aos observatórios: a parceria, o desenvolvimento territorial, a otimização das ações sobre o território, a mobilização de informações, o conhecimento territorial. Eles parecem ser componentes fundamentais de um observatório, que é definido por Lenormand (2011) como um projeto. Já outro pesquisador francês, Chebroux (2015),

diz que os observatórios são “um dispositivo-ferramenta técnica e social, pluri e transinstitucional, de análise e informações regulares e/ou contínuas sobre territórios de vários tamanhos” (CHEBROUX, 2015, p. 34, tradução nossa). Aqui novamente estão presentes as ideias da parceria, da importância das informações, da orientação para a ação e o território, agregando-se ainda a intenção da regularidade ou constância na obtenção de informações.

Essa noção de observatórios como um dispositivo-ferramenta é compartilhada pelos pesquisadores espanhóis Gil, Fernandéz e Herrero (2015) que os descreveram como:

dispositivos de observação dos territórios gerados por um ou vários organismos para estudar a evolução de um fenômeno, local ou setor e que podem ser definidos resumidamente como ferramentas de compreensão e análise dos territórios (GIL; FERNANDÉZ; HERRERO, 2015, p. 12, tradução nossa).

Ali as ideias da parceria, dos territórios, da regularidade do propósito, da intenção de análise e produção de conhecimento se repetem, mas o escopo da observação valoriza também fenômenos e/ou setores além da questão territorial. Esse tipo de abordagem converge com o que descreve Angulo Marcial (2009) quando diz que “a figura do observatório emergiu para analisar assuntos ou problemas da realidade social com diversidade de métodos, técnicas de coleta e análise de dados” (ANGULO MARCIAL, 2009, p. 6, tradução nossa).

A consideração dessas definições em seu conjunto evidencia que a compreensão dos observatórios pode muitas vezes se mostrar circunspectra a um caráter instrumental evidenciado por meio do uso de termos como projeto, dispositivo ou ferramenta. Contribui para isso a associação da imagem deles a sua origem junto do aparato estatístico governamental enquanto instrumento de controle territorial e planejamento centralizado (LENORMAND, 2011; ROUX; FEYT, 2011; CHEBROUX, 2015). Outro fator relacionado a essa imagem diz respeito a natureza das suas operações envolvendo a integração e a utilização de dados e informações em busca de um melhor conhecimento territorial (DE SÉDE-MARCEAU; MOINE, 2009; BAGDAHN, 2012; GIL; FERNANDÉZ; HERRERO, 2015).

Esse tipo de compreensão dos observatórios parece estar relacionada com sua percepção por meio de seus aspectos mais operacionais e visiveis, representados na implantação de bancos de dados e sistemas de informações, de estatísticas e de

indicadores (MIT, 2008; MORALES, 2011;). Um exemplo disso se encontra em Morales (2011), para quem um observatório é:

um órgão dedicado ao estudo e análise de indicadores em qualquer campo do conhecimento, do qual a informação produzida resulta muito útil para o desenvolvimento de políticas de uma área determinada. Um observatório é uma figura instrumental que implica a coleta de dados e a transformação da informação com atribuição a ela de importância e propósito, realizada de forma sistemática e permanente sobre algum fenômeno natural, social ou econômico, a fim de aprofundar o conhecimento da sua trajetória e tendências quando for necessário criar um instrumental para monitorar e validar seu comportamento e evolução (MORALES, 2011, p. 36, tradução nossa).

Esse entendimento dos observatórios como mecanismo de apoio as políticas públicas expresso por Morales (2011) aponta na direção de outras menções que se referem a eles como espaços de articulação de atores sociais para fiscalização das políticas públicas (BEUTTENMULLER, 2007); meio para participação cidadã (MARTINEZ; JIMENEZ, 2014) e instância de governança territorial (DE SÈDE- MARCEAU; MOINE, 2009; SIGNORET, 2011).

Apesar de uma parte considerável das referências aos observatórios fazerem alusão a eles como serviços ou instituições vinculadas ou associadas à atuação governamental, tendo natureza estatística e sendo representadas por reposítórios de informações, outras compreensões também aparecem na literatura. Entre elas se destacam aqui, a ideia de organismos coletivos criados para acompanhamento de um fenômeno (ENJUNTO, 2008 apud ANGULO MARCIAL, 2009); de espaços de aprendizagem (TÉLLEZ, 2005 apud ANGULO MARCIAL, 2009; DUVERNEY, 2006); de espaço de informação, intercâmbio e colaboração (HUSILLOS, 2006 apud ANGULO MARCIAL, 2009); de laboratórios (PIPONIER, 201x); de estratégia política (ROUX; FEYT, 2011); de atividades de monitoramento e avaliação suportadas por tecnologias da informação e da comunicação (ANGULO MARCIAL, 2009); de portais e sites que envolvam análises (ANGULO MARCIAL, 2009).

Mesmo com o predomínio das referências aos observatórios como mecanismos de captação, organização, armazenamento e compartilhamento de dados, de informações e de indicadores amparados em capacidade informática, cabe ponderar que eles podem assumir configurações mais complexas. Nesse sentido, Husillos (2006 apud ANGULO MARCIAL, 2009) comenta que o conceito de Observatório evolui com duas abordagens. A primeira delas se relacionada com a

ideia de armazéns de informações e geração de relatórios. Já a outra está baseada na colaboração que estimula a comunicação e promove a reflexão.

Esse tipo de abordagem também foi discutida por Chebroux (2015) quando tratou de observatórios locais. Para ele, os observatórios necessitam apresentar capacidade para realizarem estudos e projetos em parceria, pois seus objetos de estudo são desenvolvidos a partir das questões e das percepções comuns, compartilhadas e complementares aos atores, com os dados coletados entre os seus saberes e conhecimentos [...] sendo cruzados com outras fontes externas e especialistas. Por fim, ainda de acordo com ele, os resultados dos tratamentos, das análises e da formatação dos dados são difundidos e apresentados com dois objetivos. O primeiro, consiste em alimentar as representações e os questionamentos individuais e coletivos, bem como os debates sobre as situações, a dinâmica territorial e os conhecimentos disponíveis sobre os territórios. O segundo trata de favorecer a tomada de decisão pelos atores em seus domínios (CHEBROUX, 2015).

Para poderem fazer isso, Chebroux (2015) afirma que os observatórios dependem de um sistema de parceria para coletar informações, processá-las, produzir e difundir conhecimento sobre o território (CHEBROUX, 2015). Nesse contexto, os dados coletados dependem, de fato, das percepções dos atores locais sobre os objetos abordados, e em caso de observatórios construídos socialmente, eles integram os dados para produzirem representações amplas e matizadas, objetivando os fatos ou fenômenos discutidos. Assim os observatórios permitem a cada ator envolvido se aproximar das realidades territoriais em que eles evoluem (CHEBROUX, 2015).

Por fim, esse estudioso comenta que em termos de processos operacionais, esses dispositivos centralizam dados quantitativos e qualitativos de interesse e disponibilidade, conforme um mecanismo de solicitação e fornecimento da informação pelos atores competentes. Dessa maneira, os tratamentos e a formatação são realizados em função das suas necessidades de conhecimento, sendo que a difusão dos resultados visa favorecer a apropriação pelos atores, enriquecer suas representações e suscitar novos questionamentos (CHEBROUX, 2015).

O relato de Chebroux (2015) descreve os observatórios como dispositivos que atendem a uma necessidade de conhecimento, o que converge com a premissa adotada nesta pesquisa e que foi expressa também por Angulo Marcial (2009), quando diz que os observatórios se mostram como uma ferramenta para a Gestão do

Conhecimento. Nesse sentido, a reflexão sobre diferentes perfis de observatórios à luz das gerações de DBC apresentados por Carrillo (2003) e detalhados no Quadro 5, se mostra um exercício análitico pertinente.

Quadro 5 – Três Níveis de Desenvolvimento Baseado em Conhecimento (DBC)

GERAÇÃO Geração I Centrada em Objetos Geração II Centrada em Agentes Geração III Centrada em Contextos ATRIBUTO Conceito de Conhecimento Registro de informações Capacidade de fluxo Alinhamento de valores Processo de Capitalização Acúmulação e armazenamento. Faciliitação e crescimento da circulação. Ajuste dinâmico a um equilibrio de valores sustentáveis. Definição de DBC DBC é uma infraestrutura para ampliação do estoque social de conhecimento. DBC é uma política que propicia o fluxo social do conhecimento. DBC é uma estratégia de desenvolvimento que é baseada na identificação, sistematização e desenvolvimento do universo do capital social. Fonte: Carrillo (2003), tradução nossa.

Como pode ser depreendido do quadro, existem observatórios que podem ser relacionados com a primeria geração do DBC, caracterizada pela centralidade nos objetos, por um conceito de conhecimento associado ao registro de informações, processo de capitalização vinculado ao acúmulo e ao armazenamento de informações e por uma definição do DBC como infraestrutura (CARRILLO, 2003).

Já em outros momentos os observatórios foram constituidos com foco nas interações entre pessoas e instituições e por isso se enquadrariam na segunda geração do DBC (CARRILLO, 2003). Esta é marcada pela centralidade nos agentes, pela capacidade dos fluxos de transferência, pela facilitação e incremento da circulação de informações e pela definição do DBC como uma política. Esse tipo de situação converge com os observatórios descritos em estudos como os realizados por Barnes (1974) e De Sède-Marceau e Moine (2009), bem como converge também com a abordagem dos observatórios por meio do modelo SECI (NONAKA; TAKEUCHI, 1997), situação discutida brevemente por Angulo Marcial (2009).

Além dos casos citados, é possivel constatar ainda observatórios que foram implantados tendo por objetivo a atuação política ou a afirmação de uma identidade (ROUX; FEYT, 2011), condição que os aproxima da terceira geração do DBC. Nesse nível, segundo Carrillo (2003), a centralidade se encontra orientada para os contextos,

o conceito de conhecimento é associado ao ajuste de valores, a capitalização se relaciona a um ajuste dinâmico visando o equilibrio sustentável de valores e a definição do DBC se apresenta como uma estratégia de desenvolvimento baseada na identificação, na sistematização e no desenvolvimento do universo do capital social.

Essa abordagem de estudo dos observatórios considerando sua relação com os diferentes níveis de DBC (CARRILLO, 2003) apresenta perspectivas para uma melhor compreensão dos observatórios e possibilita por exemplo, a discussão se esses diferentes perfis representariam tipologias de observatórios ou fases de maturidade ao longo de seus ciclos de vida. É nessa direção que o Sistema de Capitais (CARRILLO, 2002; 2014) se apresenta como uma abordagem relevante para este tipo de estudo, pois apresenta viabilidade e completude por conta de sua visão sistêmica, holística e articulada.

Considerando o que foi exposto nesse tópico, cabe relembrar que os observatórios apresentam uma ampla variabilidade de configurações (ROUX; CHEBROUX, 2011) e de entendimentos (ANGULO MARCIAL, 2009; ORTEGA NURER, 2010; DA SILVA et al., 2013). Isto parece ser um reflexo direto da diversidade de finalidades presentes por ocasião da sua criação. É por isso que se mostra relevante conhecer as finalidades para as quais os observatórios tem sido criados com o propósito de se compreender melhor esse objeto de estudo.