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CAPÍTULO 2 INFORMALIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO HISTÓRICO

3.1. Delimitação temática

A premissas acima alinhavadas acerca da Teoria da Linguagem visaram oferecer os subsídios necessários à delimitação do objeto desta pesquisa, bem como ao questionamento das possíveis causas jurídicas de exclusão do trabalhador informal perante a previdência social.

Analisando-se o segmento informal na atualidade, é possível dividi-lo em duas grandes categorias: os trabalhadores por conta própria e aqueles não registrados e subordinados a um “tomador de serviços”.

De acordo com Ney Prado,177 tanto em um como em outro caso, a atividade informal, por implicar em burla à legislação trabalhista e tributária, deve ser considerada como ilícita, não lhe restando outra alternativa senão a exclusão do sistema jurídico como um todo.

Tal concepção, todavia, busca como justificativa para a qualificação jurídica atribuída (ilicitude), os efeitos indiretos da atividade e não o trabalho informal em si.

As infrações à legislação trabalhista e a sonegação fiscal, acarretam consequências sancionatórias próprias em cada subsistema de regulação, razão pela qual essas transgressões por si só, não são suficientes a desqualificar o trabalho informal como atividade em princípio lícita, perante o sistema de previdência social.

Como bem pontuado por Fábio Lopes Vilela Berbel,178 inexiste no Direito sinalagmaticidade de vínculos jurídicos entre os seus mais variados ramos. Nesse sentido, embora a relação jurídica de filiação previdenciária decorra do exercício do trabalho, isso não quer dizer que apenas as relações consideradas como válidas perante o direito laboral ensejarão a proteção correspondente pelo seguro social.

177 Economia informal e o direito no Brasil. São Paulo: LTr, 1991. 178Teoria geral da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

Assim, levando-se em conta que a informalidade não representa a ocupação dos que deliberadamente pretendam desenvolver atividade com finalidade ilícita, mas, ao contrário, consiste na única alternativa de subsistência para considerável parcela da população brasileira, limitar a abordagem do tema à ilicitude reflexa, parece insuficiente.

Necessária se faz, portanto, a identificação das causas jurídicas da exclusão de cobertura – o que, neste trabalho, tem como pano de fundo a teoria comunicacional do Direito -, bem como das providências cabíveis a fim de promover a inclusão desse trabalhadores perante o subsistema de previdência social.

Neste passo, a expressão “trabalho informal” referir-se-á, na presente pesquisa, à atividade remunerada desempenhada com regularidade, para fins de subsistência do trabalhador e de sua família, e não representada em linguagem competente, cujo objeto por si só não constitua crime previsto na legislação penal em vigor. “Trabalhador informal”, por seu turno, é o sujeito que exerce atividade sob tais condições.

São abrangidas por essa definição as figuras dos pequenos vendedores de mercadorias e alimentos (proprietários de “barracas” de comida e de “stands” de venda de produtos); os vendedores ambulantes (camelôs, que não possuem local fixo de trabalho); os prestadores de serviços em geral (eletricistas, encanadores, costureiras, pintores, técnicos e especialistas); além dos que exercem atividade com subordinação técnica e econômica a outrem, sem o competente registro em carteira de trabalho. Não apenas serviços de baixa complexidade técnica, mas também aqueles que exijam conhecimento especializado estão abarcados neste segmento.

Devem ser excluídas desta definição, todavia, as atividades cujo objeto constitua crime nos termos da legislação penal em vigor. Se o produto comercializado consistir em mercadoria originária de furto, roubo, falsificação, pirataria, descaminho, ou se o serviço prestado configurar tráfico de entorpecentes, subtração de energia elétrica, furto de rede, dentre outros, tratar-se-á de atividade criminosa que, por essa razão, não pode ser concebida como trabalho para qualquer fim, sob pena de descaracterização do ordenamento jurídico como um sistema uno, já que contraditório em si mesmo.

A independência entre cada área do Direito, como anteriormente destacado, é apenas relativa, tornando necessário que entre todas elas exista certa homogeneidade, a fim de que o sistema jurídico não se torne incoerente.

Destarte, como forma de se evitar a incongruência do ordenamento jurídico, premiando- se na esfera previdenciária os que praticam fato vedado expressamente no âmbito penal, área em que a intervenção estatal, como é cediço, ocorre como última ratio, dada a gravidade da conduta punível e a consequência jurídica correspondente (restrição da liberdade), não é possível conceber-se tal espécie de ocupação sequer como trabalho; nem mesmo informal.

De se ressaltar que sob o ponto de vista da relação jurídica de custeio, a filiação daqueles que desenvolvam atividade criminosa não se revela de todo incoerente, tendo em conta especialmente o caráter tributário das contribuições sociais que poderiam em princípio, ser regidas pela cláusula non olet, corolário da isonomia tributária.179

Todavia, embora autônomas, as relações jurídicas de custeio e de benefício possuem prejudicialidade entre si, isto é, se não satisfeitas as obrigações inerentes ao custeio do sistema previdenciário, não haverá tutela jurídica no âmbito prestacional.

Desta feita, considerando-se que o custeio da previdência não se limita ao aspecto tributário, na medida em que sua finalidade é assegurar proteção nas hipóteses de contingência social, parece não ser possível admitir-se a tutela daqueles que deliberadamente desempenhem atividade por si só criminosa.

Isso se deve ao fato de que o crime é causa e finalidade esse tipo de atividade, não se confundindo com o objetivo do trabalho informal, cujos ilícitos penais eventualmente decorrentes - em regra de natureza fiscal -, são sua consequência indireta. A intenção do trabalhador informal deve ser a sua subsistência e a de sua família; não a prática de crime.

Observe-se, por derradeiro, que diferentemente do proposto pelas Ciências Sociais, no sentido de que a flexibilização das relações de trabalho (através das terceirizações, cooperativas, dentre outras) seria uma espécie de informalidade, sob o enfoque jurídico não é possível dizer que se trata de trabalho informal, tendo em vista que nestes casos há regulamentação legal mínima da atividade.

179 Sobre esse princípio, esclarece Paulo da Barros Carvalho: “No domínio do direito tributário, o artigo 150, II,

da Carta Magna, proíbe à União, Estados Distrito Federal e Municípios a instituição de tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Não deverá haver qualquer discrimen com base na ocupação profissional ou função exercida. O intuito é garantir a tributação justa (sobrevalor).

(...)

Quando a estimativa „igualdade‟ é empregada no direito tributário, o critério é bem objetivo: dois sujeitos de direito que apresentarem sinais de riqueza expressos no mesmo padrão monetário haverão de sofrer a tributação em proporções absolutamente iguais.” Direito tributário, linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses,

No mais das vezes, se evidenciarem a intenção de burla à legislação trabalhista e previdenciária, tais situações podem-se revelar ilícitas, na medida em que contrárias ao ordenamento jurídico, mas não propriamente informais.

Neste passo, nas hipóteses de flexibilização das relações de trabalho, faz-se necessário, através dos mecanismos jurídicos apropriados, tais como a fiscalização do trabalho e o processo judicial trabalhista, o reconhecimento da ilicitude que lhe seja inerente, com a consequente constituição do fato jurídico do emprego, o que gera repercussão também na esfera previdenciária.