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Trabalho informal para as ciências econômicas

CAPÍTULO 2 INFORMALIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO HISTÓRICO

2.2. Trabalho Informal como Fenômeno Interdisciplinar

2.2.2. Trabalho informal para as ciências econômicas

Sob a ótica das Ciências Econômicas o trabalho informal guarda relação com a temática da exclusão social e da pobreza, em muito se relacionando, na atualidade, com o processo de globalização da economia mundial.

De acordo com Gilberto Dupas,165 o fenômeno da globalização, verificado na década de 1980, deve-se em especial à internacionalização acelerada das economias capitalistas, além da difusão da tecnologia da informação, o que acarretou a fragmentação da cadeia produtiva, caracterizada pelo partilhamento da produção em diversos setores mundiais, através do processo de informalização das relações de trabalho, além da intensa utilização de franquias e terceirizações pelas empresas.

Assim, pondera o autor que enquanto os anos 1980 são marcados pela possibilidade de os grandes produtores controlarem simultaneamente a atividade desempenhada em diversos locais, extraindo o que de melhor cada região pode oferecer, os anos 1990 caracterizam-se pelo deslocamento de recursos e operações em nível mundial, de forma que os centros de decisão estratégica situam-se nos países desenvolvidos, ao passo que a tecnologia, os equipamentos e a estrutura de gerenciamento são levados aos locais em que a mão de obra é menos qualificada e os sindicatos mais frágeis, viabilizando a subcontratação e a terceirização.

Nisto consiste a fragmentação da cadeia produtiva, o que otimiza, em favor das grandes corporações, as vantagens e os custos dos fatores de produção.

Afirma-se, portanto, que a tendência do capitalismo contemporâneo consiste em reduzir o número e aumentar o porte dos grupos do setor, os quais operam em nível global com vistas à abertura de mercado e atuação competitiva.

De se observar que a economia globalizada, embora esteja mais propensa a incluir nas bases da cadeia produtiva trabalhadores subcontratados e com baixos salários, também impõe a flexibilização das relações trabalhistas no topo do processo de produção. Um exemplo disso são as frequentes demissões de gerentes e altos executivos, com o fim de que sejam readmitidos

165 A lógica da economia global e a exclusão social. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São

Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141998000300019>. Último acesso em 07 de setembro de 2010.

como consultores “independentes”, afastando os custos sociais inerentes à contratação de um empregado.

Ademais, nas economias estáveis, a ameaça de transferência do setor produtivo de empresas a países em que a legislação trabalhista e ambiental são menos protetivas, é utilizada como forma de barganha nas negociações coletivas realizadas com os sindicatos,166 o que demonstra a tendência mundial de informalização das relações de trabalho.

Ainda, pondera Gilberto Dupas167 que a atuação das empresas transnacionais tem forte influência sobre a autonomia dos mercados de trabalho, além dos sistemas de proteção social, uma vez que o desempenho de atividade geograficamente dispersa, implica em competição de diversos trabalhadores pelos mesmos cargos, resultando na redução dos padrões qualitativos e sociais e das relações de trabalho.

Neste passo, resta evidente que o principal objetivo das multinacionais é o crescimento das corporações, mediante remuneração adequada de seus acionistas, e com geração apenas dos empregos possíveis. Não há qualquer preocupação social dessas empresas que, declaradamente, visam exclusivamente o lucro.168

A esse respeito elucida Thomas L. Friedman que:169

“(...) Daí a tese que defendo, neste livro, de que por volta do ano 2000 adentramos uma nova era: a Globalização 3.0, que está não só encolhendo o tamanho do mundo de pequeno para minúsculo, como também, ao mesmo tempo, aplainando o terreno. enquanto a força dinâmica na Globalização 1.0 foi a globalização dos países e, na Globalização 2.0, a das empresas, na 3.0 a força dinâmica vigente (aquilo que lhe confere seu caráter único) é a recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial. (...) E quando aconteceu, pessoas do mundo inteiro começaram a acordar e perceber que tinham mais poder do que nunca para se tornarem globais como indivíduos, que precisavam mais do que nunca pensar em si próprias como

166 Assinala o economista Gilberto Dupas que: “Recente pesquisa efetuada pela OIT (1997/98) em 600 empresas

dos EUA revelou que em 50% dos casos os empregadores utilizaram o argumento ou a ameaça de transferência da produção como forma de oposição aos sindicatos e em 10% deles, parte da produção foi efetivamente transferida.” A lógica da economia global e a exclusão social. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0103- 40141998000300019>. Último acesso em 07 de setembro de 2010.

167 A lógica da economia global e a exclusão social. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São

Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141998000300019>. Último acesso em 07 de setembro de 2010.

168 A lógica da economia global e a exclusão social. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São

Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0103-40141998000300019>. Último acesso em 07 de setembro de 2010.

169 O mundo é plano – o mundo globalizado no século XXI. 3ª edição. Tradução de Cristina Serra, Sergio

indivíduos competindo com outros indivíduos em todo o planeta e que tinham mais oportunidade para trabalhar com esses outros indivíduos, e não apenas para competir com eles.”

No mesmo sentido, Jeremy Rifkin:170

“Enquanto as primeiras tecnologias industriais substituíram a força física do trabalho humano, trocando a força muscular por máquinas, as novas tecnologias baseadas no computador prometem substituir a própria mente humana, colocando máquinas inteligentes no lugar dos seres humanos em toda a escala da atividade econômica. As implicações são profundas e de longo alcance. (...)

Enfrentando o dilema entre a crescente concorrência global e encargos trabalhistas cada vez maiores, as multinacionais parecem determinadas a acelerar a transição entre trabalhadores humanos e seus substitutos mecanizados. Seu ardor revolucionário ultimamente tem sido incentivado por considerações irresistíveis sobre a linha de lucro. Na Europa, onde se atribui a culpa da estagnação da economia e da perda da competitividade nos mercados mundiais ao custo da mão-de-obra, as empresas estão se apressando em telecomunicações. Nos Estados Unidos, o custo da mão de obra mais do triplicou nos últimos 8 anos em relação ao custo do investimento em equipamentos de capital(...).”

Na década de 1990, com a queda do muro de Berlim, foi retomada a ideia de que o Estado tende à ineficiência, em especial diante da frustração do programa de governo de diversos países desenvolvidos.

Como tentativa de reversão desse quadro, no plano econômico, houve a intensificação do processo de globalização das economias, além da privatização da infraestrutura pública.

O resultado de tais providências, no entanto, foi o aumento do desemprego formal e a crescente flexibilização da mão de obra, razão por que os governos se veem pressionados a garantir proteção social à crescente população carente, sem que, no entanto, possua recursos orçamentários suficientes, ante a meta de contenção de déficits.

Diante de tal cenário, a figura do Estado mínimo revela-se insuficiente à solução das questões sociais e mesmo contrária aos interesses da globalização: sem um Estado ativo (ainda que como mero parceiro ou facilitador), o desenvolvimento sustentável mostra-se impossível. Este o principal obstáculo a ser superado.

170O fim dos empregos – o contínuo crescimento do desemprego em todo o mundo. São Paulo: M. Books do

No âmbito nacional, interessante mencionar recente estudo realizado por Marcio Pochmann, que identifica as causas da informalidade no país a partir da evolução do perfil do trabalhador, bem como da proteção social efetivada pelo Estado.

Nesse sentido, relata o economista que até a década de 1930 predominava no mercado de trabalho brasileiro o emprego da mão de obra negra, como reflexo do período colonial, uma vez que até então a economia nacional sujeitava-se ao modelo do Estado Liberal, sem que houvesse qualquer regulamentação das relações de trabalho pelos poderes públicos.171

Com a Revolução Constitucionalista (1930), o abandono do modelo econômico agrário- exportador e a instauração do projeto de industrialização e urbanização do país, mediante garantia de direitos sociais e trabalhistas à população, houve mudança significativa no panorama do mercado de trabalho brasileiro, através da contratação de mão de obra imigrante, de origem europeia, o que perdurou até a década de 1970.

Ademais, como resultado do avanço industrial houve, entre as décadas de 1930 e 1970, intensa migração dos trabalhadores rurais aos grandes centros urbanos, onde a oferta de empregos era maior e melhores as condições de trabalho.

Todavia, esclarece o autor que o número de empregos disponíveis não foi suficiente para atender à demanda apresentada, o que implicou, a um só tempo, na impossibilidade de elevação dos salários em geral, bem como na “metropolização” da exclusão social. Desta feita, instaura-se nas zonas urbanas um cenário de desemprego, poluição e violência, marcando uma nova fase da exclusão social no país.172

Tal circunstância foi a responsável pela ampliação do número de beneficiários do sistema de seguridade social que, conjugada à elevada taxa de desemprego existente, implicou na criação de contribuições específicas, além de tributos indiretos e demais subvenções fiscais, culminando na oneração dos rendimentos das classes sociais mais necessitadas.

Ainda, tendo em conta o elevado gasto com proteção social, o valor real dos benefícios concedidos teve de ser reduzido e a qualidade dos serviços públicos prestados, especialmente nas áreas da saúde e da educação, restou comprometido, além da fragmentação da assistência

171 POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, pp. 16 e 17. 172 POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, p. 29.

em bases filantrópicas. Nesse contexto, a perspectiva de universalidade da proteção foi obstaculizada.173

Ante o deficitário amparo social proporcionado pelo Estado, além da desproporção entre o valor do salário mínimo e a oscilação da moeda pela inflação, têm início no Brasil as economias denominadas “não capitalistas”, tais quais, a agricultura, os serviços urbanos de abastecimento, além de lojas e oficinas de atendimento pessoal e familiar.

Concomitantemente, verifica-se o surgimento de alternativas criadas pela própria população com o fim de assegurar condições mínimas de moradia e saneamento básico, como é o caso de construções em terrenos irregulares, instalações não autorizadas de rede elétrica, dentre outros.174 Nesse sentido, assevera Pochmann que na década de 1990, a cada dez ocupações criadas, quatro referiam-se a trabalho doméstico, ambulantes, serviços de limpeza e manutenção e segurança.175

O que se observa, portanto, no final do século XX, é o intenso crescimento do segmento informal no país através do exercício precário do trabalho, sem regulação pública e distante da organização sindical.

Diante da incerteza quanto à tutela estatal em caso de necessidade que impeça o exercício de atividade laborativa, ainda predomina no inconsciente coletivo como referência social o emprego no mercado formal de trabalho.

Embora com a implantação do Plano Real a informalidade tenha sido beneficiada pela estabilidade da moeda ante a maior acumulação de renda, fato é que a renúncia dos períodos de férias, feriados e fins de semana, bem assim a existência de preconceito social pela elite, dada a volatilidade das ocupações desempenhadas pelos trabalhadores informais, além de questões envolvendo evasão fiscal, são motivo de insegurança e sensação de desamparo pelos trabalhadores informais.

A esse respeito, pondera Gilberto Dupas que:176

173 POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, pp. 50 e 51. 174 POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, p. 55. 175 POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, p. 56. 176 A lógica da economia global e a exclusão social. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São

Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141998000300019>. Último acesso em 07 de setembro de 2010.

“Há algum tempo, a imagem retratada por Charles Chaplin do trabalhador

repetindo o gesto de apertar parafusos representava o pesadelo da Modernidade. Hoje, este posto de trabalho pode aparecer como o já distante sonho de segurança e estabilidade”.

CAPÍTULO 3 -

TRABALHO INFORMAL PERANTE O SISTEMA DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Consoante o salientado no capítulo anterior, embora seja possível identificar a presença constante do trabalho informal no universo das relações laborais, nota-se que, com a globalização da economia mundial, o segmento assume hoje novos contornos.

Historicamente, integram o setor as mulheres, os negros, os analfabetos, os idosos e os deficientes. Relacionando-se tal circunstância aos valores inerentes à sociedade brasileira e mesmo de outros países, mais acentuadamente até o início do século XX, pouca era a preocupação com a integração desses trabalhadores ao mercado formal.

Contudo, ante o aumento da oferta de mão de obra, bem assim diante da redução de postos de trabalho com as políticas econômicas liberais, trabalhadores que antes tinham pleno acesso ao mercado formal, passaram a sentir o impacto da informalidade, concebida inicialmente como situação transitória.

Com efeito, até esse momento, o principal objetivo daqueles que integravam o segmento informal era desenvolver atividade de mera sobrevivência, seja por pertencer à classe dos socialmente excluídos, seja por não encontrar espaço no mercado formal.

Todavia, com a globalização da economia mundial - da qual decorre a concentração de capital nas mãos de poucos -, mais do que a redução de postos no setor formal, o que se tem é a tentativa de redução das contratações regulares, com vistas à diminuição dos custos a elas inerentes, com transferência dos riscos da atividade ao próprio trabalhador.

Nesse sentido, aumentam o número de cooperados, prestadores de serviços terceirizados, trabalhadores autônomos titulares de pessoas jurídicas, dentre outras figuras, cuja atuação não visa a mera subsistência, mas sim a geração de lucro ao detentor do capital.

No cenário atual, portanto, é possível vislumbrar a coexistência de todas essas figuras integrantes do setor informal, nas quais o desamparo jurídico, notadamente nas esferas trabalhista e previdenciária, e a exclusão social são um denominador comum.

A depender do enfoque dado ao tema, no entanto, o fato de o trabalho ser desenvolvido em condições precárias ou mesmo a ausência de proteção social pelo sistema de seguridade,

não significa necessariamente que a atividade seja informal, podendo revelar uma situação de mera irregularidade ou ilicitude.

Assim, considerando-se o corte epistemológico realizado no presente estudo, em que o Direito é concebido como um sistema comunicacional, será delineada a seguir a definição de trabalho informal compatível com esse pressuposto.