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Trabalho informal para as ciências sociais

CAPÍTULO 2 INFORMALIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO HISTÓRICO

2.2. Trabalho Informal como Fenômeno Interdisciplinar

2.2.1. Trabalho informal para as ciências sociais

Para as Ciências Sociais, o setor informal, dos mais relevantes temas na atualidade, é analisado, em linhas gerais, à luz do conceito de capital e de meio de produção, tal como proposto pelo marxismo teórico.

De acordo com a socióloga Leslie Denise Beloque, as principais pesquisas acerca do setor informal foram inicialmente desenvolvidas pelo “Programa Regional do Emprego para a América Latina e o Caribe” (PREALC), órgão vinculado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que já se encontra extinto.

Esclarece a autora que dentre as investigações realizadas pelo programa na década de 1970, a mais relevante para o cenário nacional é de autoria dos pesquisadores Paulo Renato Souza e Víctor Tokman, uma vez que tem por objeto de análise a situação específica da América Latina.150

Para esses autores, no estudo em questão, a baixa geração de empregos no modelo de desenvolvimento adotado nos países latinos deve-se, dentre outros, à instalação de filiais de indústrias transnacionais no início dos anos 1970, que visavam a produção de bens sem

148 Direito tributário, linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, pp. 03 a 10. 149 Direito tributário, linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, pp. 194 a 197.

150 A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades informais. Tese de Doutorado.

qualquer preocupação com as necessidades e recursos locais, e à inovação tecnológica introduzida nos setores produtivos, implicando na redução de investimento de capital e de contratação de mão de obra pelos detentores do capital.

Ademais, o enfoque desse modelo não era a geração de emprego, mas sim a criação de formas de incorporação dos trabalhadores menos favorecidos ao processo produtivo, sem que houvesse uniformidade salarial.

Assim, embora através desse sistema tenham-se alcançado níveis consideráveis de produção de mercadorias, houve em contrapartida restrição ao crescimento dos empregos produtivos.151

Ainda, considerando-se a substituição do trabalhador rural por máquinas de alta tecnologia, o que acarretou intensa migração populacional para os centros urbanos, bem assim a baixa potencialidade de geração de empregos pelos mercados existente nas grandes cidades, a única alternativa encontrada pelos trabalhadores excluídos do mercado formal, consistiu na criação de empregos com baixos níveis de produtividade.

Nesse estágio inicial, portanto, apontava a OIT como principais características do setor informal da economia: a demanda própria de mão de obra; a possibilidade de acumulação interna de capital no segmento; e a composição por trabalhadores excedentes - ou não assimilados -, do mercado formal.

Enquanto o sistema de produção capitalista baseia-se na contratação de mão de obra pelo detentor do capital e dos meios de produção, e consequente venda da força de trabalho pelo empregado, com remuneração através do salário, na informalidade o que se verifica é a concentração da figura do produtor e do prestador de serviço em uma mesma pessoa, sem que o seu objetivo seja a acumulação de capital - ou o lucro -, mas a mera subsistência.

Diferentemente, portanto, da finalidade do capitalismo, o setor informal possui baixa capacidade de concentração de capital e de expansão das suas atividades.

A esse respeito, esclarecem José Dari Krein e Marcelo Weishaupt Proni152 que o setor informal, integrado por jovens e velhos socialmente pobres e com menor grau de instrução, era

151 BELOQUE, Leslie Denise. A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades

informais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 23.

visto na década de 1970 como um segmento “funcional”, abrindo as portas para o mercado de trabalho urbano, e representando uma forma de barateamento do custo de reprodução do trabalho para as grandes empresas formalmente organizadas. O setor informal, portanto, servia ao formal.

Ademais, segundo esses autores,153 o setor informal admitia nesse estágio inicial, três possíveis formas de abordagem, relacionando-se com a lógica da sobrevivência – na medida em que integrado pelo excedente de mão de obra não absorvido pelo setor formal -; com as mudanças na divisão internacional do trabalho – que leva em conta as subcontratações no contexto da globalização de mercado -; e como atividade ilícita – para os que acreditavam que a possibilidade de não pagamento de impostos e encargos sociais seria a motivação para o ingresso no setor.

Em um segundo momento, todavia, o surgimento do setor informal foi associado com os resultados das políticas econômicas desenvolvidas a partir de 1945 e, posteriormente, na década de 1980, as quais tiveram como consequência não só o desemprego, mas também o desaparecimento de ocupações, ou alteração do seu conteúdo; o fim dos empregos estáveis e com garantias sociais; a implementação de contratos alternativos de trabalho; a terceirização e a subcontratação, dentre outros.154 Desta feita, o segmento informal estaria integrado predominantemente por trabalhadores por conta própria.

Aponta-se, ainda, que a informalidade corresponde a uma forma de existência em transição, rumo à completa integração e absorção pelas formas capitalistas de produção. Enquanto não concluída essa trajetória, o que se verifica é a heterogeneidade da estrutura produtiva, o que, para o Banco Mundial, prejudica o crescimento econômico do país como um todo (dada a diversidade das bases produtivas), mas que, ao mesmo tempo, visa proporcionar melhor distribuição de renda em longo prazo.155

No entanto, assinala Leslie Denise Beloque156 que, com o crescimento do mercado informal especialmente após a implementação das políticas “saneadoras” neoliberais, na década

153 Economia informal: aspectos conceituais e teóricos. Escritório da OIT no Brasil. Brasília: OIT, 2010, p. 10. 154 BELOQUE, Leslie Denise. A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades

informais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 38.

155 BELOQUE, Leslie Denise. A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades

informais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 33.

156 A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades informais. Tese de Doutorado.

de 1980, e consequente aumento da circulação de bens e valores no setor, os conceitos trazidos pelos estudiosos do tema tiveram de ser repensados.

Isso porque não ficou claro se há limitação efetiva à acumulação de capital no segmento, ou se, ao contrário, os trabalhadores inseridos neste mercado não reúnem qualquer condição de acumulação, já que a presença de dinheiro e a propriedade dos meios de produção não são o suficiente para tornar o trabalhador um capitalista.

Diante de tal inconsistência, concluiu-se que o setor informal não é resultado do modelo de desenvolvimento adotado por cada país, mas sim de políticas econômicas pontuais implementadas em um espaço-tempo determinado e associado, em regra, ao pós-guerra.157

Com base nessa nova concepção, assinalou a OIT em estudo realizado na 15ª Conferência de Estatísticos do Trabalho (1993)158 que a informalidade é “um subconjunto de empresas familiares, ou seja, empresas de propriedade e operadas por famílias, individualmente ou em pareceria", correspondendo estas a "unidades de produção que não são constituídas como entidades legais separadas de seus proprietários e não possuem um conjunto completo de contabilidade dos negócios, que inclui os balancetes de ativos e passivos".

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), adotando a mesma definição formulada pela OIT e reconhecendo inexistir consenso sobre o conceito de setor informal, o que varia com o nível de desenvolvimento e a estrutura econômica regional, observa que o segmento é composto por unidades de economia não agrícolas, normalmente integradas por familiares, com baixo nível de organização das unidades produtivas e produção em pequena escala. A ausência de registros contábeis, diferentemente do que entende a OIT, não pode ser adotado como critério de definição, já que não se relaciona ao modo de produção do setor.159

Mais recentemente, no entanto, tem-se observado que a informalidade não decorre apenas do excedente de mão de obra não assimilado pelo mercado formal. Tampouco é integrada exclusivamente pelos trabalhadores por conta própria ou pelas unidades familiares de produção de caráter temporário.

157 BELOQUE, Leslie Denise. A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades

informais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 37.

158 Apud BELOQUE, Leslie Denise. Informe de la conferencia - decimoséptima conferencia internacional de

estadísticos del trabajo, Genebra, 24 de novembro a 3 de dezembro de 2003 OIT, p. 17.

159 BELOQUE, Leslie Denise. A cor do trabalho informal - uma perspectiva de análise das atividades

Contraditoriamente, o fenômeno apresenta-se como resultado indireto da própria acumulação do capital, o que, somado à elevação dos encargos financeiros inerentes à contratação de empregados, vem estimulando a criação de artifícios com o fim de burla à lei de proteção ao trabalhador.

Trata-se da “flexibilização” das relações de trabalho, em que a substituição do contrato de trabalho por outro de natureza civil ou comercial, põe fim à subordinação do trabalho ao capital.

Nesse sentido são, para as ciências sociais, os institutos da terceirização de mão de obra, das cooperativas de prestação de serviços, das micro e pequenas empresas, além do trabalho domiciliar, os quais buscam mascarar a existência de um verdadeiro vínculo empregatício entre as partes, e que são formas de exploração da força de trabalho para o capital, com lesão aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Desta forma, pondera a socióloga Maria Augusta Tavares160 que os atuais integrantes do segmento informal, possuem uma falsa ideia de que são agentes econômicos capazes.

Baseados em sua suposta independência, na propriedade de instrumentos de trabalho e em algumas qualidades subjetivas de empreendedor, na realidade, assumem os trabalhadores informais sozinhos os riscos das atividades desempenhadas em favor dos detentores do capital, sem que estes últimos tenham que arcar com os custos sociais correspondentes.161

Relevante mencionar que a flexibilização das relações de trabalho vem atingindo não apenas as economias em desenvolvimento, mas também a dos países desenvolvidos, como forma de assegurar a concentração do capital exclusivamente nas mãos do produtor, impedindo a distribuição de renda equitativa.

Com o surgimento dessas novas figuras, observa-se que a tendência atual é de ampliação do mercado informal de trabalho, o que prejudica não só a proteção social do trabalhador, mas também o real dimensionamento do nível de desemprego e da pobreza, uma

160 Os fios invisíveis da produção capitalista - informalidade e precarização do trabalho. São Paulo: Cortez,

2004, p. 20.

161 TAVARES, Maria Augusta. Os fios invisíveis da produção capitalista - informalidade e precarização do

vez que o regime de economia de subsistência, embora não implique em geração de lucro, permite auferir renda suficiente à aquisição de bens de consumo.162

De se ressaltar, ainda, que os estudos mais recentes sobre a informalidade apontam que até a década de 1980, compunham o segmento pessoas idosas, analfabetas ou com baixo nível de escolaridade, além dos migrantes.

Hodiernamente, no entanto, dada a escassez de ofertas de emprego no mercado formal, verifica-se que a idade, a origem e a qualificação profissional não são mais aspectos relevantes para o ingresso no setor informal, que é integrado eminentemente pelos que foram demitidos de um emprego formal ou por aqueles que não conseguem a contratação para o primeiro emprego.

Por esta razão, não mais parece ajustado dizer que o segmento informal opera de forma autônoma ou desarticulada com relação ao formal, mas sim de maneira integrada e subordinada a ele.163

Sobre a alteração do perfil da informalidade, elucidam José Dari Krein e Marcelo Weishaupt Proni,164 que é possível identificar três fases distintas, denominadas “velha”, “neoclássica” e “nova” informalidade:

“(...) a velha informalidade, que enfatiza a insuficiência na geração de empregos e as estratégias e sobrevivência; a informalidade neoclássica, que destaca a racionalidade das empresas na busca por redução no custo do trabalho derivado de uma legislação trabalhista extensa; e a nova informalidade ou informalidade pós-fordista, que resulta das mudanças produzidas pelas novas tecnologias e pelas novas formas de organização do trabalho. A primeira, tem como contrapartida a interpretação sociológica que vê a informalidade como associada a pobreza; a segunda remete à discussão sobre as normas e regulamentações que regem o contrato de trabalho, isto é, o padrão de formalidade jurídica; e a terceira pode ser situada no debate sociológico sobre os efeitos da globalização e do progresso tecnológico.”

Por derradeiro, de se salientar que para as ciências sociais o emprego ainda é o meio de inclusão social por excelência, razão pela qual os estudiosos do tema consideram desastrosas as consequências da informalidade, que se relacionam não só com o desamparo social, mas também com a perpetuação da pobreza, fenômenos que constituem os grandes desafios da atualidade.

162 TAVARES, Maria Augusta. Os fios invisíveis da produção capitalista - informalidade e precarização do

trabalho. São Paulo: Cortez, 2004, p. 19.

163 Os fios invisíveis da produção capitalista - informalidade e precarização do trabalho. São Paulo: Cortez,

2004, pp. 35 e 36.