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Trabalho informal e exclusão sistêmica

CAPÍTULO 4 O LUGAR LÓGICO DO TRABALHADOR INFORMAL NO SISTEMA DE

4.3. Trabalho informal e exclusão sistêmica

O sistema de previdência social brasileiro é atualmente dividido nos regimes próprios e geral. Os primeiros são destinados à tutela dos servidores públicos efetivos e dos militares, ao passo que o segundo possui caráter residual, abrangendo a todos os demais trabalhadores, em especial os da iniciativa privada.

Contando os regimes próprios com um maior grau de fiscalização sobre os seus segurados, a problemática da informalidade das relações de trabalho gera maior impacto no que diz respeito ao regime geral de previdência social, que tem de lidar com um número elevado de trabalhadores-segurados e com as mais variadas espécies de atividade.

Através da combinação desses dois regimes, busca o legislador cumprir com o princípio constitucional da universalidade do atendimento (artigo 194, parágrafo único, I da Constituição da República) que, aplicado à esfera previdenciária, exige a proteção social de todo trabalhador e não apenas de alguns deles.228

Tendo em vista a evolução das relações de trabalho, em que a regulamentação legal previdenciária cede espaço a figuras cada vez mais específicas que não apenas a do empregado urbano, foram enumeradas nos artigos 12 da Lei nº 8.212/91, e 11 da Lei nº 8.213/91, as espécies de segurados e beneficiários hoje abrangidas pela previdência social através do seu regime geral.

Deve-se atentar que essa enumeração não tem o objetivo de limitar o atendimento pela previdência. Pelo contrário, procura viabilizar a proteção dessa massa de trabalhadores, cujos

228 NETTO, Juliana Presotto Pereira. A previdência social em reforma: o desafio da inclusão de um maior

planos de custeio e de benefícios devem levar em conta, dentre outros critérios, o risco de contingência social da atividade desenvolvida.

Assim, como já anteriormente mencionado, os trabalhadores são divididos em classes de segurados, o que tem como base o tipo de trabalho exercido e cujo agrupamento busca uniformizar a prova da atividade e as formas de custeio e de concessão dos benefícios. Trata-se de questão, portanto, eminentemente operacional.

No entanto, ainda que considerada a amplitude do atendimento conferido pelo sistema, bem assim pondo de lado a questão relativa à não-incidência da norma jurídica de filiação, o que se constata é que o trabalho informal dificilmente seria abrangido pelo sistema de previdência social em sua conformação atual.

Isso porque a informalidade, mais do que não estar representada em linguagem competente, é um segmento integrado por atividades das mais variadas espécies, cujas características, de tão específicas, prejudicam a compreensão pelo Direito.

Ademais, a facilidade com que os informais migram de uma ocupação para outra, os torna uma espécie de trabalhador instável, isto é, que “não tem estabilidade nas suas relações de trabalho (no sentido de permanência continuada, de longo prazo), podendo, por exemplo, ser hoje empregado, amanhã autônomo, logo em seguida trabalhador eventual, novamente empregado e depois desempregado.” 229

Sendo o Direito um sistema comunicacional, cuja realidade é distinta e redutora de complexidade em relação ao universo social, verifica-se que não é possível, através da linguagem que lhe é própria, a apreensão de todas as minúcias inerentes à informalidade, o que repercute, em última análise, na impossibilidade de plena interação dialógica – ou autopoiese – perante o universo social.

Essa limitação acentua-se ainda mais considerando-se que a proteção conferida pela previdência social destina-se, prioritariamente, aos trabalhadores.

Com efeito, o sistema previdenciário de hoje, voltado à proteção do trabalhador e com base no risco de contingência social da atividade desenvolvida, é insuficiente à apreensão

229 NETTO, Juliana Presotto Pereira. A previdência social em reforma: o desafio da inclusão de um maior

completa da nova realidade social que se coloca, permeada pelas relações de trabalho não formalizadas, o que inviabiliza a efetiva regulação das condutas intersubjetivas.

Nesse sentido, nota-se que a complexidade inerente ao trabalho informal dificulta a relação dialógica entre os sistemas previdenciário e social em dois aspectos distintos: obstando a regulamentação eficaz das relações interpessoais já constituídas e prejudicando a atualização legislativa, posto que as variáveis inerentes ao segmento não conseguem ser colhidas pelo Direito, redutor de complexidades que é.

Apenas a título de elucidação acerca dessa limitação, caso o modelo de seguridade social defendido por Lord Beveridge fosse o adotado no Brasil, mediante tutela do cidadão e custeio indireto do sistema através de impostos, toda a temática relativa ao trabalho informal e suas especificidades cairia por terra, na medida em que seria irrelevante o tipo de atividade desenvolvida, bem como a forma de custeio direta.

Contudo, por versar a previdência social brasileira sobre a tutela, em regra, do trabalhador com a necessária constituição do fato jurídico do trabalho, a dificuldade de integração do setor informal, pelas razões acima referidas, é agravada.

Ademais, interessante observar que, sob o ponto de vista eminentemente pragmático, as questões que levam o trabalhador a integrar o segmento informal são de tal forma intransponíveis que a possibilidade de desamparo social lhe é indiferente, o que revela também um descrédito do sistema previdenciário, cujos valores não mais influenciam na conduta de diversos trabalhadores.

Logo, tendo em vista o impacto negativo da informalidade sobre a interação dialógica entre os sistemas previdenciário e social, o que ao mesmo tempo inviabiliza a integração do trabalhador ao sistema de proteção, além da indiferença de muitos trabalhadores aos valores que se pretende concretizar por meio da previdência social, quais sejam, a justiça e o bem estar por meio da redistribuição de renda entre a população, é possível constatar que a exclusão desses trabalhadores, em grande medida, pode ser considerada uma questão sistêmica.

CAPÍTULO 5 -

MECANISMOS DE INCLUSÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR INFORMAL

Concluindo-se que o enquadramento lógico do trabalhador informal perante a seguridade social deve ocorrer no subsistema de previdência, na qualidade de segurado obrigatório, resta verificar de que forma a inclusão desta categoria pode efetivamente ser realizada, considerando-se o Direito como um sistema comunicacional.

De acordo com Miguel Horvath Júnior,230 a concepção atual de seguridade social tem sua origem no Relatório Beveridge de 1942 que, inspirado nos postulados do Estado de Bem Estar Social, estabelece o sistema atlântico de proteção. Suas principais características são a universalidade da cobertura e o financiamento indireto, via orçamento.

Segundo o autor, em contraposição a esse modelo tem-se o sistema continental de proteção, cuja origem remete ao seguro social engendrado por Bismarck (1883), tendo como atributo essencial a contributividade direta.

Consoante o disposto nos artigos 194 a 204 da Constituição da República, a Seguridade Social brasileira adota claramente um sistema misto de proteção, preponderando o modelo atlântico no que se refere à saúde e assistência social tendo, por outro lado, evidente influência da sistemática continental no que diz respeito à previdência social.

Inobstante a coexistência de técnicas distintas de cobertura dentro do mesmo sistema, o princípio da universalidade apresenta-se como um denominador comum a todas as subáreas da seguridade, impondo o comando de que todos os cidadãos sejam albergados em caso de contingência social.

Com vistas a dar efetividade a esse princípio na esfera previdenciária, além dos segurados obrigatórios empregados e trabalhadores avulsos, foram instituídas as classes dos segurados especiais, contribuintes individuais e facultativos, cada qual com regime diferenciado de custeio e de benefícios, segundo a atividade desempenhada e, por via reflexa, de acordo com o risco a ela inerente.