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Trabalho informal como evento para o sistema de previdência social

CAPÍTULO 2 INFORMALIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO HISTÓRICO

3.2. Trabalho informal como evento para o sistema de previdência social

Por se tratar o Direito de um sistema comunicacional que somente se operacionaliza através da linguagem verbal escrita, a incidência da norma jurídica, contrariamente ao modelo proposto por Pontes de Miranda, não ocorre de forma automática e infalível, dependendo, antes, da atuação de uma mente humana que realize as operações de subsunção e implicação da norma.

Nesse sentido, o fato jurídico, que é não só o produto da incidência da norma, mas também a unidade constituinte da realidade do Direito, para que ingresse neste terreno deve ser expresso na “linguagem competente” definida pela lei e demonstrado de acordo com a teoria das provas. Isso é o que qualifica o Direito como ramo eminentemente formal da Ciência.

O trabalho informal, como o próprio nome diz, é caracterizado em sua essência como atividade desempenhada sem qualquer representação documental. Não é possível atestar, portanto, a sua efetiva existência, o período em que vem sendo desempenhado e os seus frutos e resultados.

Tal circunstância decorre do fato de que a atividade desenvolvida visa eminentemente a subsistência do trabalhador e de sua família, sem que se verifique, em regra, a intenção de lucro ou de acumulação de capital para expansão do negócio, o que torna no mais das vezes desnecessária, senão inviável, a assinatura de contrato, a emissão de nota fiscal ou de recibo, ou a anotação em carteira de trabalho.

Destarte, a ausência de proteção previdenciária do trabalhador informal, não se deve exclusivamente à ausência de aporte de contribuições pelos integrantes da categoria, ou mesmo à eventual irregularidade da atividade desempenhada.

A informalidade deve-se, dentre outras circunstâncias que refogem ao pressuposto adotado nesta pesquisa, à não-incidência da norma jurídica de filiação sobre a situação fática apresentada, uma vez que a atividade informal não está expressa em linguagem competente consoante os parâmetros estabelecidos pela teoria das provas no direito previdenciário.

Como decorrência lógica desta constatação, verifica-se que a função desempenhada pelos integrantes deste segmento socioeconômico, possui em relação ao sistema jurídico de previdência social atual o status de mero evento, ante a impossibilidade de constituição do fato jurídico correspondente, qual seja, o trabalho.

A respeito da filiação, dispõe o artigo 201, caput da Constituição da República que: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de

filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e

atenderá, nos termos da lei, a: (...)”

Nesse mesmo sentido, estabelece o artigo 20 do Decreto nº 3.048/99 que:

“Art.20. Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem

para a previdência social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações.

§1º A filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de

atividade remunerada para os segurados obrigatórios, observado o disposto no

§2º, e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo.” (sem destaque no original)

Com fundamento nos dispositivos ora transcritos, firmou-se o entendimento perante a doutrina pátria de que a filiação é o vínculo jurídico estabelecido entre o segurado e o sistema de previdência social, cujo início é marcado necessariamente pelo exercício de atividade remunerada, isto é, pelo trabalho.

Sobre o tema, pondera Miguel Horvath Júnior que a filiação direta é a relação jurídica estabelecida entre o segurado e o órgão gestor da previdência social, e que ocorre de forma automática com o tão só exercício da atividade pelo trabalhador, no mundo fático. A inscrição, por sua vez, opera-se formalmente em momento posterior, consistindo na providência de iniciativa do filiado realizada ou não no momento em que tem início o trabalho. Ressalta o jurista, ainda, que a “filiação nunca é ilegítima (pois só os atos sujeitam-se a ser considerados

legítimos ou ilegítimos); a inscrição pode ser julgada ilegítima e, conseqüentemente, invalidada.”180

Para Heloisa Hernandez Derzi,181 a relação jurídica de filiação direta, tal qual expresso no regulamento da previdência social, instaura-se de forma automática com o tão só exercício de atividade profissional. Como decorrência, surge para o filiado a obrigação de fazer consistente em inscrever-se perante o sistema de seguro social, com nota de que o descumprimento desta obrigação acessória consequência sancionatória alguma acarreta ao trabalhador.

Ademais, esclarece a autora que a inscrição é o ato de formalização do vínculo jurídico e abstrato de filiação, permitindo a um só tempo que o sistema de previdência identifique o trabalhador como segurado, bem como que o enquadre na categoria correspondente ao tipo de atividade laboral remunerada desempenhada.182

Segundo Fábio Lopes Vilela Berbel, a filiação direta se verifica com o exercício do trabalho por aquele que tenha capacidade laboral, correspondendo à consequência das normas jurídicas previdenciárias de vinculação, por meio das quais se atribui ao segurado o status de “beneficiário hipotético” das prestações previdenciárias legalmente previstas. Já a inscrição é o ato jurídico declaratório por meio do qual se formaliza a filiação; é a constituição formal de situação jurídica já estabelecida.183

Arrematando as considerações tecidas pelos demais autores, elucida Daniel Pulino184 sobre o papel da filiação no sistema previdenciário:

“Portanto, ao se estabelecer que o critério essencial de filiação prévia ao sistema previdenciário consiste no exercício de trabalho (ou – cabe enfatizar – no depender de alguém que exerce trabalho), visa-se atender duas necessidades: primeiro, a de conservação e criação de condições favoráveis para que se desenvolva a base com que se há de constituir a ordem social; em segundo lugar – e considerando a particular opção constitucional de impor ao próprio beneficiário a participação no financiamento da previdência -, a viabilidade econômica do sistema (...).”

180 Direito previdenciário. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 122.

181 A morte e seus beneficiários no regime geral de previdência social. Tese de Doutorado. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2003, p. 116 a 121.

182 A morte e seus beneficiários no regime geral de previdência social. Tese de Doutorado. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2003, p. 116 a 121.

183 Teoria geral da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 154, 155, 184 e 185. 184 Aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Pulo: LTr, 2001, p. 37.

Em que pese o respeitável entendimento acima transcrito, de se consignar que a concepção da filiação como um fenômeno automático, pode também configurar causa jurídica de exclusão previdenciária do trabalhador informal, notadamente sob o aspecto pragmático do Direito.

Com evidente inspiração no modelo proposto por Pontes de Miranda, para quem a incidência ocorre de forma automática e infalível, por vontade da própria lei, tanto o legislador quanto a doutrina previdenciária pátria entendem que o desempenho de atividade remunerada no universo social - ou no mundo fático -, por si só, é suficiente ao nascimento da relação jurídica de filiação.

Essa ideia, todavia, não se coaduna à teoria alvitrada por Paulo de Barros Carvalho, segundo a qual a incidência pressupõe a atuação de uma mente humana que realize os atos de subsunção e imputação (em oposição à concepção de “vontade da lei”), e também a formalização do fato social em linguagem hábil para tanto, definida pelo sistema jurídico e consoante a teoria das provas (contrapondo-se à noção de automaticidade e infalibilidade).

Para essa vertente, como já mencionado, o tão só exercício de atividade remunerada, sem qualquer representação em linguagem competente, permanece no universo social, na condição de mero evento para o Direito. Esse pode ser considerado um dos possíveis entraves à inclusão previdenciária do trabalhador informal, cuja atividade não possui qualquer representação em linguagem juridicamente aceita.

Nessa mesma linha de raciocínio, verifica-se que a filiação sem a correspondente inscrição, ainda que no âmbito formal de trabalho, nada significa para a previdência social.

Conquanto se sustente que a inscrição é ato meramente declaratório de fato jurídico já constituído no passado - com o exercício do trabalho -, ao se partir do pressuposto de que somente os fatos representados em linguagem competente ingressam na realidade do Direito, nota-se que a natureza jurídica da inscrição passa a ser constitutiva da relação jurídica de filiação.

De fato, é por meio da inscrição que o trabalhador, ademais de informar seus dados pessoais perante o órgão gestor competente, noticia, comprovadamente, que exerce atividade remunerada nos moldes estabelecidos pela legislação aplicável (Leis nº 8.212/91, 8.213/91 e Decreto 3.048/99), o que permite a definição do regime de custeio a que se sujeitará, bem assim do plano de benefícios a que fará jus em caso de contingência social.

É o que, como já aludido, possibilita o “enquadramento” do segurado perante o sistema previdenciário, o “que é indispensável para efeitos de organização e custeio dos diversos regimes, pois, consoante a estrutura do Plano, podem variar os valores da contribuição, assim como os valores dos benefícios (...).185

Não é outro o motivo pelo qual estabelece o artigo 18 do Decreto nº 3.048/99:

“Art. 18. Considera-se inscrição de segurado para os efeitos da previdência social o ato pelo qual o segurado é cadastrado no Regime Geral de Previdência Social, mediante comprovação dos dados pessoais e de outros elementos necessários e úteis a sua caracterização, observado o disposto no art. 330 e seu parágrafo único, na seguinte forma:

I - o empregado e trabalhador avulso - pelo preenchimento dos documentos que os habilitem ao exercício da atividade, formalizado pelo contrato de trabalho, no caso de empregado, observado o disposto no § 2º do art. 20, e pelo

cadastramento e registro no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra, no caso

de trabalhador avulso;

II - empregado doméstico - pela apresentação de documento que comprove a

existência de contrato de trabalho;

III - contribuinte individual - pela apresentação de documento que caracterize a

sua condição ou o exercício de atividade profissional, liberal ou não;

IV - segurado especial - pela apresentação de documento que comprove o

exercício de atividade rural.” (sem destaque no original)

Assim, como estabelecido no próprio regulamento, não basta à vinculação do trabalhador perante a previdência social a mera comunicação de desempenho de atividade remunerada; é necessário, aos empregados, a exibição do contrato de trabalho; aos trabalhadores avulsos, a prova do cadastramento junto ao órgão gestor de mão de obra; e aos empregados domésticos, contribuintes individuais e segurados especiais a apresentação de documento que comprove a efetiva atuação nessas condições. Estes são os meios de prova eleitos pelo legislador como hábeis à constituição do fato jurídico do trabalho na esfera previdenciária.

A ausência de tais providências, não só inviabiliza a efetivação da inscrição do segurado, como também impedem a constituição da relação jurídica de filiação, ainda que no plano fático o interessado efetivamente exerça atividade remunerada.

É bem verdade que a própria legislação pertinente prevê a possibilidade de demonstração do trabalho por outros meios que não apenas o documental, como é o caso da oitiva de testemunha em processo administrativo ou judicial (artigos 143 a 151 do Decreto

185 DERZI, Heloisa Hernandez. A morte e seus beneficiários no regime geral de previdência social. Tese de

3.048/99). Trata-se, todavia, de regra excepcional e que, de qualquer forma, ante a necessidade de documentação das declarações, apresentar-se-á sob a forma de documento (em papel ou em formato digital).186

Desta feita, nota-se que a origem formal – e, portanto, jurídica - da relação de filiação, cujos efeitos podem ser modulados para o passado, a contar da data em que efetivamente se iniciou o trabalho, coincide com o ato de inscrição.

Assim, embora tenha o regulamento da previdência social estabelecido que a filiação opera-se automaticamente, dispõe o artigo 201, caput da Constituição da República - norma que serve de fundamento de validade para os demais diplomas legais e regulamentares sobre o tema -, que o vínculo previdenciário é apenas obrigatório, o que não implica necessariamente em automaticidade da relação.

Com efeito, como bem colocado por Armando de Oliveira Assis,187 a obrigatoriedade da filiação é o que assegura o caráter social à previdência, distinguindo-a das demais espécies de seguros privados:

“Assim sendo, impõe-se analisar minudentemente as características que dão ao

seguro sua fisionomia social.

Antes de mais nada, convém relembrar que a mais notória dessas características é a obrigatoriedade. Não que a obrigatoriedade, por si só, como já vimos, identifique o seguro social. Mas, no caso, o que importa realçar é que essa compulsoriedade se manifesta com a ausência de qualquer instrumento formal que concretize os liames legais estabelecidos entre segurado e a entidade seguradora, ao contrário do que sucede no seguro privado onde, mesmo quando o seguro é contratado em virtude de imposição de lei, as relações entre segurado e segurador soem estereotipar-se através de um documento denominado apólice, onde se pactuam os deveres e direitos recíprocos.

Diante disso, conclui-se que o atributo da obrigatoriedade, mais do que diferenciar o seguro social dos planos de natureza privada e, portanto, facultativa, é o meio pelo qual se busca na esfera da previdência, atingir os ideais de bem estar e justiça social (artigo 193 da Constituição da República), uma vez que somente com a integração ao sistema de todos os que

186 Sobre essa questão elucida Paulo de Barros Carvalho que: “O processo civil e o processo penal dizem que as

provas pode ser materiais, testemunhais e documentais. Eu digo que todas elas são documentais! Não há provas materiais e não há provas testemunhais. O relato das testemunhas é, necessariamente, reduzido a termo, em linguagem escrita; caso contrário, não entram nos autos e, conseqüentemente não ingressam no mundo jurídico sem essa linguagem específica.” Direito tributário, linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, p.

829.

187 Compêndio de seguro social – teoria geral, legislação brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,

desenvolvem atividade remunerada torna-se viável a equitativa distribuição da renda nacional.188

Constata-se, todavia, que o legislador regulamentar, na tentativa de dar cumprimento ao comando constitucional, baseando-se no modelo ponteano de incidência da norma, criou regra desprovida do mínimo de eficácia, já que nenhuma sanção é prevista para o caso de descumprimento da obrigação acessória de se inscrever. E, como já ponderado por Kelsen,189 inexiste norma jurídica sem a competente sanção para o caso de descumprimento; e inexiste norma que não possa ser descumprida.

Neste passo, parece-nos que mais se ajustaria ao comando constitucional de obrigatoriedade da filiação, a compulsoriedade da inscrição, do que propriamente a automaticidade do vínculo pelo simples exercício do trabalho.

Sobre essa questão, já pontuava Armando de Oliveira Assis:190

“Tenha-se em conta, outrossim, que, quando se fala em seguro social obrigatório, subentende-se que êle deva possuir uma arma que efetivamente promova a inscrição compulsória daqueles a quem se propõe proteger e que de igual forma arrecade as contribuições devidas.”

Interessante destacar, ainda, que não obstante seja a obrigação acessória, tal qual a inscrição previdenciária, relegada a segundo plano em relação à principal, para Paulo de Barros

188 A esse respeito pondera Francisco de Ferrari: “Pero la distribución de la renta nacional, observa com razón

DURAND, era la consecuencia y no el fin de los seguros sociales, mientras que esa redistribución es específicamente el fin y objetivo central de la seguridad social. (...) Esto explica, según algunos, la resistencia que siempre opusieron las clases adineradas a los adelantos de la seguridad social.” Los principios de la seguridad social. Buenos Aires: Depalma, 1972, 2ª edição, p. 121.

189 “Porém, uma norma jurídica deixará de ser considerada válida quando permanece duradouramente ineficaz. A

eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua vigência. É de notar, no entanto, que, por eficácia de uma norma jurídica que liga a uma determinada conduta, como condição, uma sanção como conseqüência, - e, assim, qualifica como delito a conduta que condiciona a sanção -, se deve entender não só o fato de esta norma ser aplicada pelos órgãos jurídicos, especialmente pelos tribunais - isto é, o fato de a sanção, num caso concreto, ser ordenada e aplicada -mas também o fato de esta norma ser respeitada pelos indivíduos subordinados à ordem jurídica - isto é, o fato de ser adotada a conduta pela qual se evita a sanção. Na medida em que a estatuição de sanções tem por fim impedir (prevenção) a conduta condicionante da sanção - a prática de delitos - encontramo-nos perante a hipótese ideal da vigência de uma norma jurídica quando esta nem sequer chega a ser aplicada, pelo fato de a representação da sanção a executar em caso de delitos e ter tornado, relativamente aos indivíduos submetidos à ordem jurídica, em motivo para deixarem de praticar o delito. Nesta hipótese, a eficácia da norma jurídica reduz- se à sua observância. No entanto, a observância da norma jurídica pode ser provocada por outros motivos, de forma tal que o que é „eficaz‟ não é propriamente a representação da norma jurídica mas a representação de uma norma religiosa ou moral.” KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 6ª edição, p. 08.

190 Compêndio de seguro social – teoria geral, legislação brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,

Carvalho191 trata-se de ato essencial à produção da norma concreta e individual, que encerra o processo de positivação:

“Os deveres instrumentais serão tão relevantes quanto os substanciais, se os examinarmos pelo prisma de que colabora, em momentos distintos, para a realização do mesmo fim, qual seja o da implantação do tributo.

As relações jurídicas dos deveres instrumentais estão previstas, igualmente, em norma feral e abstrata, e também surgem para o direito mediante a expedição de norma individual e concreta, como no caso do tributo. Os deveres, enquanto previsão normativa, visam a estimular os destinatários no sentido de exercitarem certas condutas producentes daquela linguagem preliminar a que me referi e passam a existir, concretamente, em termos jurídicos, quando forem cumpridos os respectivos destinatários. A grande diferença reside na circunstância de que os deveres instrumentais se apresentam bastantes-em-si, exaurindo-se as expectativas normativas com a só realização da conduta prevista, isto é, com a expedição das regras individuais e concretas que os múltiplos deveres consubstanciam”.

Consistindo o dever instrumental em procedimento hábil à conformação da realidade do Direito, impondo ao interessado a obrigação de formalizar em linguagem competente um fato socialmente relevante segundo o sistema jurídico em vigor, verifica-se a importância da inscrição para a constituição da realidade previdenciária. Parece incoerente, como bem assinalado por Heloisa Hernandes Derzi192 que não haja “dispositivo legal a impor ao segurado sanção pelo descumprimento do dever instrumental de inscrever-se”.

Essa problemática, no entanto, em muito se relaciona ao aspecto pragmático da norma, é dizer, à sua interação com a realidade social.

No que se refere aos segurados empregados, domésticos e trabalhadores avulsos, por exemplo, a fiscalização acerca do descumprimento do dever instrumental de inscrever-se é facilitada, já que a incumbência é também imposta ao empregador ou órgão gestor de mão de obra.193 Por esta razão, prepondera nestes setores o maior grau de eficácia da norma que determina a inscrição do segurado.

Entretanto, no que diz respeito aos segurados especiais e contribuintes individuais, que desempenham atividade por conta própria, a fiscalização sobre o cumprimento deste dever

191 Direito tributário, linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, p. 833.

192 A morte e seus beneficiários no regime geral de previdência social. Tese de Doutorado. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2003, p. 120.

193 ASSIS, Armando de Oliveira. Compêndio de seguro social – teoria geral, legislação brasileira. Rio de

instrumental revela-se mais dificultosa, ante a maior facilidade de omissão, deliberada ou não, de informações e documentos sobre o trabalho desempenhado.

E essa é uma das dificuldades a ser enfrentada no âmbito da informalidade, que se por um lado impede a efetivação de inscrição voluntária, já que a atividade não está representada em linguagem competente, por outro inviabiliza a atuação da fiscalização no que se refere à vinculação perante o sistema: ou bem inexiste inscrição ou, em havendo, não se pode ter certeza quanto às informações prestadas no que se refere ao tempo de exercício da atividade, rendimentos efetivamente auferidos, dentre outros.

A rigor, as atividades desenvolvidas no setor informal preenchem todos os núcleos da hipótese de incidência contida nas normas de custeio e proteção (artigos 12 da Lei nº 8.212/91, e 11 da lei nº 8.213/91), o que permitiria imputar-se predicado legal de segurado obrigatório aos trabalhadores do segmento, na qualidade de empregados ou contribuintes individuais. O mesmo se diga quanto às figuras do microempreendedor individual e do segurado baixa renda (artigos 9º, V, p do Decreto 3.048/99194 e 201, §§ 12 e 13 da Constituição da República,