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DEMOCRACIA: UM DESAFETO NEOLIBERAL

A razão neoliberal que começou a se erguer no contexto do pós-guerra, em um enfrentamento ao estado de bem-estar social representado, aqui, pelo espírito de Filadélfia, prospera em mínimos detalhes da vida nos dias atuais. Como se buscou demonstrar, a lógica da competição e a ideia do indivíduo como empresário de si, responsável por seus sucessos e seus fracassos, é a lógica dominante que guia as várias dimensões da existência humana.

Se esses discursos e práticas pareceram triunfar de modo desimpedido, a despeito dos obscenos níveis de desigualdade por ele causados, isso indica que há um elemento chave na fundação neoliberal que ainda merece ser abordado. Trata-se de saber, então, como o mercado pode ter ficado blindado em relação às interferências democráticas. Nesse ponto, o neoliberalismo traçou sua relação nada amistosa com a democracia por diferentes maneiras, em contextos políticos distintos que merecem aqui alguma atenção.

Uma dessas maneiras experimentadas pelo neoliberalismo em sua relação com a democracia foi por sua abolição direta, como ensina o modelo Chileno dos anos 70. No ano de 1970, Salvador Allende havia vencido a eleição chilena para a presidência e “se dispôs a experimentar o caminho democrático-parlamentar para o socialismo”.159 No entanto, essa

vitória não foi bem recebida pela elite chilena e pelos norte-americanos, que estabeleceram um bloqueio econômico no ano seguinte à eleição de Allende. Com o bloqueio, houve uma

159 BANDEIRA, Luiz Alberto. A formação do império americano: da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque.

profunda instabilidade política e econômica, que fora instrumentalizada pelas elites para a mobilização das classes médias, além das Forças armadas chilenas.

Pulando alguns capítulos dessa história, passa-se ao momento em que o governo de Allende tentou resistir, mas no dia 11 de setembro de 1973 foi surpreendido por aviões que sobrevoavam o palácio presidencial, acompanhados de tanques das Forças Armadas que cercavam La Moneda. O palácio foi bombardeado; Allende, morto.

O golpe contra o governo democraticamente eleito de Salvador Allende marcou o começo da primeira experiência política neoliberal, no grande laboratório em que se constituíam as periferias do mundo, em particular a América Latina. Com o patrocínio das elites chilenas e corporações estadunidenses, além da CIA e da secretaria de Estado norte-americana, o modelo desfez as formas de organização popular, atuando sob uma política de violenta repressão, tortura e desaparecimentos forçados que seguiram pela América do Sul naquela década. Pinochet, que assumiu a presidência chilena, ficou no poder até 1990.

Foi no contexto do país sob o mando ditatorial de Pinochet que, em meio à recessão econômica da recente crise chilena, um grupo de economistas neoliberais, conhecidos como Chicago Boys, foram acionados. Encabeçados por Milton Friedman, muitos estudantes chilenos que haviam estudado na escola de Chicago sob o financiamento do governo norte-americano participaram da experiência que conjugou neoliberalismo e ditadura de que se fala até hoje.160

Seguiu-se, então, uma série de privatizações, que começaram de forma mais discreta, intensificando-se após a visita de Friedman ao Chile, em 1975, instituindo reformas mais radicais por meio de uma doutrina do choque, que será trabalhada mais adiante.

Como assinala Naomi Klein em sua análise em A Doutrina do Choque e a Ascensão do Capitalismo de Desastre, o choque trazido pelo golpe no Chile veio acompanhado de duas outras formas de choque. Introduziu-se, então, o choque econômico, com as medidas neoliberais de Milton Friedman, e o choque da tortura que perseguiria qualquer um que se opusesse à nova doutrina econômica. “Desse laboratório emergiu o primeiro Estado da Escola de Chicago, e a primeira vitória na sua contrarrevolução global”.161

Embora esse episódio já demonstre, por si só, muito da relação entre neoliberalismo e democracia, essa não é a única forma de se expressar a relação excludente que eles têm entre si. Nesse sentido, merece destaque aqui a outra forma pela qual o neoliberalismo conseguiu se desfazer de amarras democráticas que pudessem representar um freio à livre concorrência. Trata-se, pois, da eliminação da tensão entre democracia e capitalismo, com o mercado

160 HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Tradução: Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves.

5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014. p. 17-18.

161 KLEIN, Naomi. The shock doctrine: the rise of disaster capitalism. New York: Picador, 2007. p. 87. (Tradução

colocado acima da política, o que contou com a participação intelectual nessa construção, e foi consagrado com reformas institucionais, marcadas pela “transição para uma política econômica baseada num conjunto de regras, (...) para uma política fiscal imune aos resultados eleitorais”162, como se pretende mostrar posteriormente.

A questão que se coloca, em um primeiro momento, é, então, a de saber qual a relação que o neoliberalismo travou com a democracia, desde sua fundação intelectual, para se buscar compreender como os imperativos neoliberais parecem estar protegidos de qualquer intervenção democrática. Ou seja, se as populações estão desarticuladas e a razão neoliberal está blindada de qualquer ameaça a sua hegemonia, trata-se de saber como o neoliberalismo percorreu seus caminhos para essa despolitização, que se traduz tanto em um sentimento de resignação quanto de impotência.

Ladislau Dowbor alerta, em A era do capital improdutivo, sobre os profundos níveis de desigualdade que guardam relação com a hipertrofia do sistema financeiro, abordada de forma central no seu livro. Dowbor introduz sua obra trazendo ao leitor suas convicções e inquietações que moveram seu estudo e que, de certa forma, são também aquelas que deram causa a este presente trabalho:

O que são minhas convicções? O motor que me move é uma profunda indignação. Hoje 800 milhões de pessoas passam fome, não por culpa delas, mas por culpa de um sistema de alocação de recursos sobre o qual elas não têm nenhuma influência. (...) É relativamente fácil apontar os culpados e esperar que eles desapareçam. Mas eles não vão desaparecer, porque o problema não está apenas nas pessoas e sim no sistema, na forma de organização social, no processo decisório que impera numa sociedade (...).163

O que se pretende abordar neste momento é que, se hoje o sistema é apresentado como perfeito, eficiente e acabado, é porque houve um trabalho que o protegesse contra qualquer forma contundente de indignação. Seria plausível, nesse sentido, dedicar este tópico à desigualdade inerente ao neoliberalismo, abordando de forma minuciosa os índices de distribuição de renda que escancaram as grandes falhas desse sistema, que prega a pobreza como fruto das ações individuais pelas quais cada um deve ser responsável. No entanto, como se pretende falar das desigualdades somente como um caminho para abordar a relação entre democracia e neoliberalismo, sem que se faça dela o ponto principal da abordagem, é suficiente

162 STREECK, Wolfgang. O tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Tradução: Marian

Toldy. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018. p.107.

163 DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias têm mais riqueza do que a metade

destacar, ao menos, a pirâmide da riqueza global, referente ao ano de 2016164, trazida por

Dowbor165:

Figura 1 - A Pirâmide da Riqueza Global

A pirâmide mostra, sob o olhar da racionalidade neoliberal, que cerca de trinta milhões de adultos (0,7%) têm mais riqueza do que outros mais de três bilhões, supostamente responsáveis por suas próprias mazelas. Dowbor afirma, ainda, em sua pesquisa, que se for ampliado o percentual de análise para o de 1% dentre os mais ricos, a riqueza por eles acumulada ultrapassa a soma dos outros 99% de adultos do planeta. Diante disso, é fundamental, na análise aqui pretendida, que se abandonem as lentes neoliberais ao se analisar esses dados, para, enfim, entender a desigualdade apresentada na pirâmide sob uma ótica verdadeiramente sistêmica. A estratégia neoliberal foi decisiva ao estabelecer sua relação hostil com a democracia, de modo que situações como a da desigualdade social profunda permaneceram negligenciadas, fora do escopo dos debates democráticos.

A fundação intelectual do neoliberalismo traz importantes contribuições para que se possa entender sua relação com a democracia. Hayek, que é considerado “um dos pais do fundamentalismo econômico contemporâneo”166, era crítico ferrenho aos textos do Espírito de

164 A Pirâmide da Riqueza Global trazida por Dowbor faz parte do Global Wealth Databook realizado pelo Instituto

de Pesquisa do banco Credit Suisse (Credit Suisse Research Institute). O relatório completo da pesquisa pode ser consultado em: https://www.credit-suisse.com/corporate/en/articles/news-and-expertise/the-global-wealth-report- 2016-201611.html.

165 DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo..., op. cit., p. 27. 166 SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia…, op. cit., p. 29.

Filadélfia, como já se buscou demonstrar. Para ele, os textos de reconstrução social do pós- guerra traziam uma perigosa ideia de democracia ilimitada, alimentando os desejos e emoções de uma população que desconhece as leis econômicas. Assim, as reivindicações por políticas de justiça distributiva são, para Hayek, “um atavismo baseado em emoções originais”167,

contrário à ordem espontânea do mercado.

Na ideia de Hayek, a democracia ilimitada pode se degenerar em uma democracia totalitária. A partir disso, Dardot e Laval apontam que essa concepção indica que, para o austríaco, a democracia não é uma finalidade em si, mas se reduz a um simples meio necessário para a seleção dos dirigentes.168 Isso demonstra uma preocupação central, que é a de “isentar

as regras do direito privado (o da propriedade e da troca comercial) de qualquer espécie de controle exercido por uma ‘vontade coletiva’” 169.

Assim, para Hayek, as instituições baseadas na solidariedade, que derivam da incompreensão da economia de mercado, devem ser desmanteladas mediante uma limitação da democracia.170 Ele alerta para o problema que pode surgir das demandas populares, que levam

a uma intervenção que se amplia indefinidamente, fazendo com que a política se sobreponha à economia. Sendo assim, de modo a evitar esse perigo, deve-se não somente desmantelar essas instituições solidárias, mas impedir que elas reapareçam. A saída é, então, retirar da esfera política a repartição de riquezas, esvaziando o debate público.

Em outras palavras, a saída é colocar a economia sobre a política, e mesmo sobre o direito – o que perpassa por um caminho de despolitização da própria economia. Se a tradição clássica era aquela da economia política, com o avanço neoliberal começou-se a falar em uma “ciência econômica”, em uma tentativa de equiparar a economia às ciências da natureza e às ciências exatas. Colocar determinados postulados econômicos enquanto normas científicas poderia viabilizar uma fuga da economia dos debates políticos e de qualquer controle pela via democrática. Para isso, “é necessário crer e fazer crer que a economia precisa da ciência”171

para que ela possa ser, então, despolitizada. No contexto da ascensão do neoliberalismo no plano teórico, tratava-se, então, de dar legitimidade à economia enquanto ciência.

Nesse ponto, há um episódio que merece destaque. Em 1969, um grupo de economistas neoclássicos conseguiu realizar aquilo que Patrick Moyont chamou de “um golpe de mestre”172,

167 HAYEK, Friedrich apud SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia…, op. cit., p. 30. 168 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 184. 169 Ibid., p. 184.

170 SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia…, op. cit., p. 30. 171 Ibid., p. 31.

172 MOYNOT, Patrick. Nobel d'économie: coup de maître. Le Monde, França, 15 out. 2008. Disponível em:

https://www.lemonde.fr/idees/article/2008/10/15/nobel-d-economie-coup-de-maitre-par-patrick- moynot_1107132_3232.html. Acesso em: 10 mai. 2019. (Tradução nossa).

com a criação do que se conhece até hoje como Prêmio Nobel da Economia. Naquele dia, segundo Moyont, a economia, essencialmente política, morreu.

Antes de morrer, o químico sueco Alfred Nobel havia deixado uma herança para a Fundação Nobel, criada em 1900, encarregada de administrar o Prêmio Nobel para premiar aqueles que, segundo o testamento, “tivessem conferido maior benefício à humanidade”. Em seu testamento, datado de 1895, são mencionadas as cinco disciplinas a serem contempladas pelos prêmios: três delas eram constituídas pelas ciências exatas: física, química e medicina; ao passo que as outras duas consistiam no Prêmio Nobel da literatura e da paz. Como destaca Moyont, no testamento não houve menção a qualquer outra disciplina para além dessas cinco, seja científica ou não. À época, não ocorria a ideia de tratar a economia enquanto uma ciência. Anos mais tarde, no entanto, os economistas neoclássicos, buscando atingir uma ideia de neutralidade e universalidade das regras econômicas, engajaram-se para mudar aquela situação.

No fim do ano de 1968, surgiu a oportunidade perfeita para a legitimação que os neoliberais procuravam. Naquele ano, buscando ideias para a celebração de seu tricentenário, o Banco Nacional da Suécia, após um lobby intenso, convenceu a Fundação Nobel e a Academia de Ciências a criar um prêmio Nobel de economia. Contudo, embora até hoje se utilize o mesmo termo para designar essa “sexta premiação”, não prevista no testamento de Alfred Nobel, o prêmio Nobel de economia não se trata propriamente de um prêmio Nobel. O prêmio chama-se “Prêmio do banco da Suécia em ciências econômicas em memória de Alfred Nobel”, financiado não pela fundação, mas pelo próprio Banco da Suécia.

Com essa articulação, os pensadores da teoria econômica neoliberal ganharam espaço e renome científico, ao melhor exemplo da figura de Hayek, vencedor do prêmio em 1974, e Milton Friedman, em 1976. Com as bases mais sólidas para reconhecer a economia enquanto ciência, sob o financiamento de banqueiros, o neoliberalismo começava a se mostrar blindado, à prova da democracia.

Assim, ao atribuir à economia um caráter científico, a revolução ultraliberal, como assim a chama Supiot, “reatou sem se dar conta com as grandes ideologias cientistas e, especialmente, com o socialismo científico e sua fé na existência de leis econômicas imanentes que a esfera política tem a missão de executar, não de questionar”.173 Nesse sentido, a proposta

da doutrina ultraliberal é exatamente oposta àquela do espírito de Filadélfia, que buscava colocar a justiça social como o grande objetivo a ser atingido, assegurando-se a participação popular na conquista por direitos sociais. Em sentido contrário, a doutrina ultraliberal, que Supiot entende como neoliberalismo no plano econômico e neoconservadorismo no plano das

relações internacionais174, prega que são as regras do livre mercado, o respeito à livre

concorrência que devem ser elevadas a grau máximo, relegando à democracia um papel limitável e descartável.175

Ao analisar o fenômeno da derrocada do espírito de Filadélfia na Europa, Supiot afirma que, de um modo geral, a Europa esteve fiel ao espírito de Filadélfia até o final do século XX, embora já houvesse uma rejeição pelos países anglo-saxões e pelos comunistas. A situação mudou, no entanto, com a derrocada do bloco socialista. Para o autor, naquele momento, a Europa poderia ter seguido o caminho de uma reunificação, levando em conta a experiência dos países pós-comunistas para auxiliá-los em sua reconstrução, com um pacto de refundação da Europa.176 No entanto, o caminho tomado foi o de um alargamento, fazendo com que

houvesse um “alinhamento puro e simples do Leste com as regras em vigor no Oeste”177,

fragilizando as bases políticas do modelo social europeu e do espírito de Filadélfia.

Isso permitiu uma junção entre os ultraliberais e os dirigentes dos países pós- comunistas, que se viram mais próximos da ideia do Mercado Total do que do espírito de Filadélfia, que pregava o respeito pelo Direito e pelos ideais de democracia participativa. Ou seja, assim como os neoliberais, os pós-comunistas alimentavam a descrença no Direito e na democracia em razão de leis econômicas imanentes. Para que os antigos comunistas aderissem ao Mercado Total, então, somente seria preciso substituir “as regras da vida em comum numa sociedade socialista”178 pelas “regras da economia de mercado num mundo globalizado”179.

Com isso, o sistema europeu era o modelo perfeito para a democracia limitada, como havia sido proposto por Hayek, herdando, do ultraliberalismo, a concorrência e a livre circulação de mercadorias e capital; e, do comunismo, a democracia limitada e instrumentalização do Direito.180

Outro elemento que auxilia na compreensão de como o neoliberalismo empenhou-se em alertar sobre os perigos da democracia é explicado por Wolfgang Streeck em O tempo comprado. O autor se dedica, em sua obra, a desmentir a teoria hegemônica e propagada na razão neoliberal, segundo a qual a crise nas finanças públicas deve-se a um excesso de demandas populares, a um excesso de participação política nas decisões econômicas, e também a um excesso de democracia. 174 Ibid., p. 27. 175 Ibid., p. 30. 176 Ibid., p. 35. 177 Ibid., p. 35. 178 Ibid., p. 37. 179 Ibid., p. 37. 180 Ibid., p. 39.

A forma dominante pela qual são vistas as finanças públicas é aquela segundo a lógica do common pool – ou do bem comum –: sob essa ótica, as finanças públicas são um recurso que, como não são da ordem privada, podem ser explorados livremente. Nesse sentido, a democracia figura como uma licença para explorar esses recursos indefinidamente. Assim, como todos os atores – sejam os agentes públicos, sejam os eleitores – agem de forma racional, ou seja, de forma egoísta, segundo a teoria, eles não se preocupam com o caráter limitado desses recursos. Em outras palavras, para a teoria recorrente, quanto mais bens públicos, mais estarão sujeitos à exploração por parte dos atores egoístas; e quanto mais democracia, mais esses atores terão a licença para seguir reivindicações que geram os déficits orçamentários que são acumulados em dívidas cada vez mais altas.181 Segundo essa teoria, então, “a resolução da crise

fiscal exige a proteção das finanças públicas contra exigências geradas num processo democrático e, por fim, uma redução do bem comum criado pela tributação”182. Uma redução

das demandas democráticas, portanto.

O que Streeck procura fazer, em seu estudo, é desmistificar essa visão que atribui a crise fiscal dos Estados a um excesso de democracia. Através de uma longa análise, ele conclui que o grande salto causador do endividamento dos Estados não está propriamente ligado com uma “inflação de reivindicações legitimadas de forma democrática pelos cidadãos eleitores”183.

Essa suposta inflação democrática não condiz com os índices que mostram o aumento na desigualdade de rendimentos que se deu com a virada neoliberal, concentrando-se ainda mais no topo da pirâmide. Wolfgang Streeck também aponta, a partir de suas análises, para uma “estreita relação entre o crescimento, a diminuição e o novo crescimento do endividamento público e a vitória do neoliberalismo sobre o capitalismo do pós-guerra, coincidente com uma perda de poder político da democracia de massas”184. Em seu livro, o autor traz a representação

gráfica na perda de participação nas eleições parlamentares entre a década de 50 e o começo do século XXI185:

181 STREECK, Wolfgang. Tempo Comprado…, op. cit., p. 96. 182 Ibid., p. 96.

183 Ibid., p. 96. 184 Ibid., p. 97. 185 Ibid., p. 102.

Figura 2 - Participação em eleições parlamentares nacionais entre 1950 e 2011

Streeck conclui, enfim, que as reivindicações que contribuíram para as crises fiscais estão intimamente ligadas não com as pautas da vontade popular democrática, mas sim com aquelas dos grandes bancos em situações de crise. Isto é, precisa-se reconhecer, enfim, que as instituições financeiras e grandes corporações, em prática que se estende até hoje, apresentam- se sempre como muito relevantes para o sistema (too big to fail), devendo ser resgatadas sempre que necessário. Aqui, fala-se do capitalismo no pós-guerra, mas pode-se estender essa análise para o atual contexto político, em que, diante de crises financeiras, as grandes corporações são as últimas a serem questionadas e a sofrerem com políticas de contingenciamento e austeridade.186-187.

Nesse sentido, Streeck afirma que, se houve um aumento de reivindicações que gerou a crise nas finanças públicas, essas reivindicações estiveram concentradas “nas classes superiores, cujos rendimentos e patrimônio aumentaram rapidamente nos últimos vinte anos, sobretudo devido às reduções de impostos a seu favor”, ao passo que as prestações sociais não acompanharam esse ritmo de crescimento – pelo contrário, estagnaram ou foram reduzidas.188

Com o fortalecimento da teoria das finanças públicas do common pool, os neoliberais exercitaram uma lição, já abordada no primeiro capítulo deste trabalho, mas que merece ser