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O NEOLIBERALISMO COMO RACIONALIDADE

“Continuar a acreditar que o neoliberalismo não passa de uma ideologia, uma crença, um estado de espírito que os fatos objetivos [...] bastariam para dissolver, como o sol dissipa a névoa matinal, é travar o combate errado e condenar-se à impotência”.131 Com esse alerta,

Pierre Dardot e Christian Laval delimitam, desde o início de sua obra, o tipo de análise que farão do neoliberalismo. A visão dos autores, recepcionada por este trabalho, já é elucidada na capa da obra, intitulada A nova razão do mundo, que concebe o neoliberalismo como uma racionalidade.

Essa compreensão do neoliberalismo enquanto uma racionalidade ajuda a explicar a proliferação das práticas neoliberais para muito além das velhas dicotomias entre direita e esquerda. Isto é, os discursos e as práticas que são próprios do neoliberalismo irradiam-se, de alguma forma, nos discursos e práticas de todos os governos, a incluir aqueles dentro do campo progressista, em políticas de esquerda, e também entre os governados. A razão neoliberal é travestida, muitas vezes, sob a forma de práticas aparentemente neutras ou puramente técnicas, que carregam, no entanto, as marcas fundamentais que desenham uma nova razão do mundo.

Como apontam Dardot e Laval em seu livro, o fenômeno do neoliberalismo de esquerda só pode ser compreendido se traduzir-se neoliberalismo por algo que não seja um puro e simples laissez-faire, uma ideologia. Para os autores, o campo da esquerda vem travando, de um modo geral, um combate errado contra o neoliberalismo, pois só é possível analisar essa proliferação neoliberal e dimensioná-la se o neoliberalismo for olhado sob a ótica de uma racionalidade. Somente assim é possível analisar as práticas e discursos que se disseminam de modo avassalador, e que são recepcionados pelos governos e pelos governados de esquerda, que muitas vezes aceitam esses pressupostos como se fossem um dado contra o qual não há como lutar (sob a ideia de que não há, senão esta, outra alternativa - there is no alternative, como ensina o discurso de Margareth Thatcher).

131 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.

Para tratar da racionalidade neoliberal a partir do livro de Dardot e Laval, é imprescindível recorrer à referência central contida em A nova razão do mundo, que é o curso ministrado por Michel Foucault no Collège de France em 1979, transcrito em Nascimento da Biopolítica. A abordagem de Foucault, dedicada à governamentalidade, é endossada por Dardot e Laval: para a dupla de autores franceses, este termo foi introduzido para significar as múltiplas formas pelas quais “homens, que podem ou não pertencer a um governo, buscam conduzir a conduta de outros homens, isto é, governá-los”132. Além disso, a análise é estendida também

para as técnicas de dominação que os homens exercem não somente sobre os outros homens, mas sobre si mesmos, operando como um governo de si.

Ao escolher fazer uma abordagem a partir da prática governamental no exercício da soberania política, Foucault opta por deixar de lado alguns temas universais e tradicionalmente discutidos como objeto primário de estudo das ciências humanas, tais quais a soberania, o povo, o Estado, o soberano. Em vez disso, seu caminho parte das práticas concretas, no modo pelo qual elas se apresentam e se racionalizam, para só então passar a analisar os universais a partir dessas práticas.133 Quando fala nessas práticas, Foucault pretende dedicar-se ao estudo da “arte

de governar, ou seja, a maneira refletida de governar o melhor possível e, ao mesmo tempo, a reflexão sobre a melhor maneira possível de governar”.134

Como se viu no primeiro capítulo deste trabalho, Foucault tratou do liberalismo clássico sob a análise da arte de governar, explicada por ele como sendo a razão do governo mínimo, que trazia a ideia de limitação do Estado por princípios internos. Por sua vez, ao abordar a crise do liberalismo, Foucault traz os questionamentos que passaram a ser feitos quanto ao dogma do laissez-faire, mostrando que a razão governamental liberal, centrada na liberdade, não se limita apenas a respeitar ou garantir as liberdades. O que o liberalismo formula não é um imperativo “seja livre!”, no sentido de se abster de qualquer intervenção para que a liberdade se concretize.

Na verdade, o liberalismo consome liberdade. Ou seja, há um consumo na medida em que a prática governamental só pode funcionar se houver liberdade de mercado, de compra e de venda. Se há consumo, deve também haver produção da mesma. E se deve haver produção de liberdade, a prática governamental se vê diante da necessidade de organizar essa produção, funcionando como gestora. A formulação do liberalismo torna-se, então, esta: “será produzido o que for necessário para que você seja livre”. Com isso, tem-se que a liberdade não é um dado natural, mas algo que se fabrica e se consome a todo momento.135

132 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 18. 133 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica, op. cit., p. 26/27.

134 Ibid., p. 26. 135 Ibid., p. 93/94.

Retomando o contexto histórico da crise do liberalismo, diante da atuação estatal representada pelas políticas intervencionistas do começo do século XX, os neoliberais debruçaram-se diante da situação do liberalismo naquele momento e puseram a seguinte questão: até que ponto a intervenção estatal que produz liberdade não é, ela mesma, comprometedora às liberdades individuais? Como já se buscou mostrar, essas questões desenham o cenário do que Foucault entende por crise do dispositivo geral de governamentalidade136 liberal.

Diante desse quadro, compreender o neoliberalismo enquanto uma nova razão do mundo implica reconhecer que o antídoto neoliberal, ao enfrentar as políticas intervencionistas de bem-estar social, não retomou as velhas formas do liberalismo, anteriores à sua crise. Se o laissez-faire era um dogma que estava em crise, o neoliberalismo não era simplesmente uma tentativa de ressuscitá-lo. Se havia uma crise na governamentalidade liberal, a resposta neoliberal deveria estar à altura – ou seja, não deveria trazer um resgate a velhas ideias, mas deveria apresentar-se sob a forma de uma governamentalidade nova, uma outra maneira de governar os sujeitos e de fazer eles governarem a si mesmos.

Daí o alerta de Dardot e Laval sobre a ingenuidade em se enxergar o movimento neoliberal reduzido a um projeto ideológico arquitetado por pessoas determinadas em um dado contexto. Pensar o neoliberalismo somente como um desfazimento do estado de bem-estar social impossibilita a compreensão da extensão das práticas neoliberais até os dias atuais e em todos os campos da vida. A racionalidade neoliberal indica, mais do que aquilo que o neoliberalismo desfez, tudo aquilo que ele produziu: os tipos de relação social, as subjetividades, as novas formas de vida que foram construídas.137

Para os autores, reduzir o neoliberalismo à sua dimensão ideológica, tratando-o como um retorno ao laissez-faire, negligencia a dimensão estratégica das políticas neoliberais. Dardot e Laval alertam, entretanto, que, ao se falar em estratégia, o termo pode levar a uma má- compreensão, fazendo-se entender que a estratégia se trate, desde o início, de um grande projeto arquitetado por um grupo, de forma racional e controlada. Na verdade, ao longo do livro, a ideia é aquela já elaborada por Foucault, segundo a qual essa estratégia é, na verdade, uma estratégia sem sujeito ou sem estrategista.138

Pierre Dardot e Christian Laval buscam fazer uma abordagem genealógica, mostrando a racionalidade liberal sob a forma de um longo processo, resultado de experimentos políticos conduzidos nos anos 80, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas antes testados nos

136 Ibid., p. 100.

137 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 16. 138 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica, op. cit., p. 192.

laboratórios periféricos do mundo – como ensina a experiência chilena na década de 70. Esses movimentos culminaram no Consenso de Washington, em 1989, que difundiu em escala global a nova racionalidade que se formava. Ou seja, para os autores, é necessário entender o movimento neoliberal como um processo heterogêneo e complexo:

A lógica normativa que acabou se impondo constituiu-se ao longo de batalhas inicialmente incertas e de políticas frequentemente tateantes. A sociedade neoliberal em que vivemos é fruto de um processo histórico que não foi integralmente programado por seus pioneiros; os elementos que a compõem reuniram-se pouco a pouco, interagindo uns com os outros, fortalecendo uns aos outros. Da mesma forma como não é resultado direto de uma doutrina homogênea, a sociedade neoliberal não é reflexo de uma lógica do capital que suscita as formas sociais, culturais e políticas que lhe convém à medida que se expande. (...) Consequentemente, a originalidade do neoliberalismo está no fato de criar um novo conjunto de regras que definem não apenas outro ‘regime de acumulação’, mas também, mais amplamente, outra sociedade.139

Os autores defendem, nesse sentido, que a formação da nova racionalidade, surgida do combate às políticas de bem-estar social e inserida na disputa por uma nova ordem mundial, contou com o engajamento de grupos sociais, políticos e intelectuais, por motivos diversos. Desde o início, não se pode deduzir que houve um movimento uno e organizado. O que houve, para os autores, foi uma pressão exercida por determinadas condições, o que acabou catalisando forças distintas para, então, constituir paulatinamente a nova racionalidade. Para explicar isso, Dardot e Laval recorrem novamente a Foucault, fazendo uma leitura a partir das práticas: “primeiro, há as práticas, frequentemente díspares, que instauram técnicas de poder (...) e são a multiplicação e a generalização das técnicas que impõem pouco a pouco uma direção global”140.

A questão que se coloca, então, é: se o neoliberalismo foi original ao criar uma outra sociedade, a partir de uma nova estratégia que se construiu por meio da concentração de processos heterogêneos, que sociedade é essa? O que caracteriza essa nova razão do mundo? O que são esses discursos e práticas? Aqui, embora definições curtas possam ser perigosas para se tratar de questões tão complexas, algumas respostas podem orientar a discussão para depois serem melhor desenvolvidas.

Na segunda parte da obra A nova razão do mundo, os autores dedicam-se ao estudo da racionalidade neoliberal. Dentro da complexidade de elementos que a compõem, Dardot e Laval definem, em linhas gerais, o neoliberalismo como “um conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência”141. Como afirmam os autores, é a generalização da norma da

concorrência, expandida a todas as dimensões da existência humana, que marca a característica principal dessa razão neoliberal.

139 Ibid., p. 24.

140 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit. p. 192. 141 Ibid., p. 17.

Para Alain Supiot, essa concorrência como norma máxima mostra que se está diante de uma utopia por ele denominada Mercado Total. Segundo essa utopia totalizante, “os homens, os sinais e as coisas têm todos a finalidade de se tornarem comensuráveis e mobilizáveis, numa competição tornada global, ou seja, a serem ‘liquidáveis’ no sentido jurídico do termo”.142

O tema da concorrência generalizada como norma reguladora da vida em todos os seus aspectos também fora desenvolvido por Michel Foucault, em Nascimento da Biopolítica, de forma digna de destaque.

Foucault demonstra, na passagem do liberalismo do século XVIII para o neoliberalismo atual, uma mudança no princípio definidor do mercado. Inicialmente, na tradição liberal, o que definia o mercado era a livre troca entre duas partes iguais e livres. Nesse modelo, para se assegurar uma equivalência entre as partes contratantes, era essencial a não intervenção de terceiros. Sendo assim, o papel do Estado era o de assegurar o funcionamento do mercado, respeitando a liberdade das partes.143 Era papel do Estado intervir na produção,

para assegurar a propriedade individual do que estivesse sendo produzido; já o mercado, por outro lado, era livre.

Para os neoliberais, em contrapartida, a essência do mercado não está mais na troca, mas sim na concorrência. Com essa mudança no princípio do mercado, o fundamental não é mais a equivalência entre as partes que lhes permite negociar, mas, pelo contrário, a desigualdade entre elas, de modo que, nesse quadro, o mercado não é mais um ambiente “natural” de livre troca, governado por um “princípio misterioso de equilíbrio”144. A

concorrência passa a ser, então, parte da estrutura essencial de uma teoria de mercado145, dotada

da capacidade de assegurar a racionalidade econômica, pois somente diante da concorrência generalizada é que se pode avaliar as grandezas econômicas que deverão guiar as melhores escolhas pelos sujeitos econômicos.

Percebe-se, assim, que essa alteração do princípio do mercado demonstra uma profunda inversão. Se antes o mercado era um espaço de troca entre iguais, na razão neoliberal é somente por meio das desigualdades e da concorrência que se pode guiar as escolhas racionais. O mercado, centrado nas normas da concorrência, passa a ser um processo que leva à racionalidade, e que forma os indivíduos, portanto, educando e construindo o sujeito econômico.

142 SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia…, op. cit., p. 55.

143 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. op. cit., p. 156.

144 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 139. 145 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica, op. cit., p. 157.

Essa extensão do mercado ao aprimoramento do indivíduo é a expressão do governo de si, em que o mercado passa a ser um “processo subjetivo autoeducador e autodisciplinador”146. Para o concorrencialismo neoliberal, é na concorrência do mercado que

há um fundamental processo de descoberta de informações por parte dos indivíduos colocados sob a lógica da competição irrestrita. Nesse cenário, é característico esse novo “modo de conduta do sujeito que tenta superar e ultrapassar os outros na descoberta de novas oportunidades de lucro”.147

O mercado se mostra, então, como um processo de subjetivação, sob a figura do já conhecido homo economicus, que, no entanto, não é mais aquele dos processos de troca. O homos economicus neoliberal é, antes de mais nada, um empresário de si. Sob influência da teoria do capital humano, que não mais analisa o objeto da economia pelos processos (do capital, do investimento, do produto), mas se concentra nas escolhas dos sujeitos racionais e suas consequências, o homem passa a ser o seu próprio capital: ele é para si seu próprio produtor e sua fonte de rendimentos.148

Dardot e Laval dedicam parte de sua obra ao estudo das técnicas que contribuem na formação do sujeito neoliberal. Ao contrário das antigas medidas disciplinares para tornar os corpos mais dóceis, com a subjetivação neoliberal, o sujeito se vê inteiramente envolvido nas atividades que lhes são exigidas. O indivíduo se insere na lógica da competição tal qual a empresa:

Trata-se do indivíduo competente e competitivo, que procura maximizar seu capital humano em todos os campos, que não procura apenas projetar-se no futuro e calcular ganhos e custos como o velho homem econômico, mas que procura sobretudo

trabalhar a si mesmo com o intuito de transformar-se continuamente, aprimorar-se,

tornar-se sempre mais eficaz.149

Assim, o homo economicus neoliberal, na figura do empreendedor, incorpora em si o modelo da empresa, que, junto com o princípio da concorrência generalizada, marca a grande característica da nova razão do mundo. Como o mercado é um processo que forma o homem e o ensina a conduzir a si próprio, somente com uma frequência cada vez maior dentro do mercado que o indivíduo pode se conduzir racionalmente. Assim, trata-se de criar mais situações de mercado que façam com que o sujeito neoliberal continue esse processo de aprendizagem. Para aprender, o sujeito neoliberal precisa, a todo tempo e em todas as esferas de sua existência, empreender.150

146 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 140. 147 Ibid., p. 135.

148 FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica, op. cit., p. 280.

149 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 333. 150 Ibid., p. 140.

Para os neoliberais, todo indivíduo possui dentro de si algo de empreendedor, e é a economia de mercado que permite estimular esse espírito. Nesse cenário, o empreendedor figura como sendo “um ser dotado de espírito comercial, à procura de qualquer oportunidade de lucro que se apresente e ele possa aproveitar, graças às informações que ele tem e os outros não”.151 Dardot e Laval explicam, ainda, como essa dimensão do empreendedorismo é uma

relação de si para si mesmo que serve de crítica contra a interferência estatal, porque é o sujeito quem se responsabiliza pelas escolhas tomadas, com base nas informações que possui através de um processo de aprendizagem e formação feito pelo mercado. Qualquer interferência nesse processo poderia prejudicar o processo de formação do sujeito, que só se dá dentro da lógica da concorrência.152

É por tal razão que Dardot e Laval chamam essa nova racionalidade de uma nova razão do mundo: porque ela “atravessa todas as esferas da existência humana sem se reduzir à esfera propriamente econômica”.153 Em outras palavras, não se trata da esfera econômica que absorve

as outras esferas da vida, mas de uma lógica de mercado que se expande de forma irrestrita, seja enquanto processo que constitui o sujeito empresarial, seja na forma pela qual se guia a ação pública e as formas de gestão.

Ao final do livro, Dardot e Laval sintetizam pontos de destaque da obra a partir do que definem como os quatro principais aspectos dessa nova razão do mundo. Em primeiro lugar, o mercado deixa de ser uma realidade natural e passa a ser uma realidade construída, que conta com uma intervenção do Estado, sobretudo por meio de regulações aos direitos de propriedade e da garantia de que a concorrência não será obstaculizada. Além disso, em segundo, o princípio de funcionamento do mercado se desloca da troca para a concorrência, “definida como relação de desigualdade entre diferentes unidades de produção ou ‘empresas’”154. Ou seja, se ao Estado

é incumbido o dever de construir o mercado, não mais visto como algo natural, isso significa que ele tem o dever de zelar pela norma geral da concorrência.155

O terceiro destaque feito pelos autores, desenvolvido de forma mais pormenorizada no livro está na ideia de que o Estado não somente deve zelar pela norma geral da concorrência, mas ele mesmo está submetido a essa norma. Disso resulta, como afirmam os autores, uma primazia do direito privado, que implica em um esvaziamento das categorias do direito público.

151 Ibid., p. 145. 152 Ibid., p. 142-148.

153 ANDRADE, Daniel Pereira; OTA, Nilton Ken. Uma alternativa ao neoliberalismo: Entrevista com Pierre

Dardot e Christian Laval. Tempo Social, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 275-316, jan./jun. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702015000100275&lng=en&nrm=iso. Acesso em 10 jun 2019.

154 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo…, op. cit., p. 377. 155 Ibid., p. 378.

O Estado se vê, então, assim como todas as esferas da existência humana, sujeito às normas de mercado.156

Por fim, o quarto aspecto merecedor de destaque diz respeito ao autogoverno dos indivíduos, que incorporam a norma da concorrência para que sejam conduzidos ao papel de empreendedores. Com isso, o modelo da empresa passa a operar enquanto um verdadeiro modelo de subjetivação.157

Após analisar algumas das principais características da racionalidade neoliberal, vale relembrar, mais uma vez, como essas práticas ganharam o espaço e a notoriedade que hoje parecem bem consolidados. Dardot e Laval tratam da ascensão da nova razão do mundo como sendo uma Grande virada, embora reconheçam que ela não se deu por um fator único e de forma súbita.

Por mais que a crise do liberalismo tenha se articulado com as políticas neoliberais em um momento histórico oportuno, esse é só um dos elementos para se contar essa história. O segundo ponto que a explica é a longa luta ideológica que se travou contra o Estado de bem- estar social que emergia no pós-guerra, como explicado no primeiro capítulo deste trabalho. Por fim, o terceiro ponto está nas mudanças de comportamento, promovidas pelas técnicas e dispositivos de disciplina, por mecanismos econômicos e sociais que passaram a exigir dos indivíduos que governassem a si mesmos segundo a lógica da competição generalizada. Foi a ampliação desses dispositivos que levaram a uma “racionalidade geral, uma espécie de novo regime de evidências que se impôs aos governantes de todas as linhas como único quadro de