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O ANTÍDOTO PARA A JUSTIÇA SOCIAL: A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE

Uma das importantes lições ensinadas pela História é que o seu curso não segue uma linearidade, de modo que os diferentes rumos que seguem as sociedades não estão ligados por uma linha evolutiva. As experiências passadas e as questões que ainda preocupam a atualidade bem demonstram que as conquistas sociais podem retroceder a qualquer instante, e que mesmo as construções fundadas na paz social podem ser desfeitas. Como se buscará demonstrar aqui, foi o que ocorreu com o Espírito de Filadélfia, contra o qual se opuseram frontalmente forças teóricas e políticas.

Foi em uma montanha na Suíça, com vistas para o Lago de Genebra, que se formulou o antídoto perfeito para deter o Estado de bem-estar social da Europa e as políticas do New Deal nos Estados Unidos. Em outras palavras, erguia-se um combate contra a nova ordem proposta pelo Espírito de Filadélfia. Foi assim que, no ano de 1947, figuras como Friedrich Hayek, Milton Friedman e Ludwig Von Mises reuniram-se em uma conferência para formar a Sociedade Mont-Pèlerin.

A discussão sobre o marco de formação do neoliberalismo se estende entre muitos autores e não há, quanto a isso, um consenso. Dardot e Laval apontam como marco inicial o

Colóquio Walter Lippmann, que se deu em Paris em 1938 e empregou pela primeira vez o termo neoliberalismo. Também há quem atribua como início do neoliberalismo o lançamento do livro O caminho da Servidão, de Hayek, em 1944, que criticava as variadas formas de coletivismo, incluindo a social-democracia. Dardot e Laval entendem que o Colóquio Walter Lippmann e a Sociedade Mont-Pèlerin estão correlacionados, pois, segundo os autores, “a Sociedade Mont-Pèlerin aparece como um prolongamento da iniciativa de 1938”108. No

entanto, no Colóquio de 1938 ainda não era clara a distinção entre o novo liberalismo e o neoliberalismo.

A escolha deste trabalho pela abordagem centralizada na Sociedade Mont-Pèlerin não implica reconhecê-la como linha de largada do neoliberalismo, ignorando os outros marcos a ela antecedentes. Na verdade, o que se busca, ao estudar essa Sociedade, é contextualizar a sua formação e compreender como esse grupo foi a maior representação de um antídoto para a ordem mundial representada pela Declaração de Filadélfia, datada de poucos anos antes.

Como adverte Gabriel Onofre em sua tese O papel dos intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo econômico na segunda metade do século XX, ao contrário do cinema ou da literatura, os estudos históricos, em alguns casos, não podem começar pelo final. Para isso, o autor procura estudar o neoliberalismo retrocedendo à sua formação, que se deu “por uma história pouco linear e de forma alguma evolucionista ou monolítica”109. Seguindo

essa ideia, passa-se a analisar brevemente o contexto prévio à formação da Sociedade Mont- Pèlerin.

Para isso, antes de se direcionar à paisagem suíça de 1947, que recebia dezenas de intelectuais preocupados com o destino do liberalismo, é preciso entender o que acontecera anos antes, em 1938, na cidade de Paris. Nessa ocasião, foi por iniciativa do filósofo francês Louis Rougier que se reuniram vinte e seis intelectuais em um evento batizado de Colóquio Walter Lippmann. Como destaca Onofre, o colóquio pode ser considerado um marco para o pensamento liberal, “pois, pela primeira vez, diversos estudiosos não apenas discutiram a crise que o liberalismo enfrentava, mas também debateram a necessidade de sua refundação”.110 O

colóquio tinha o claro objetivo de discutir a crise do liberalismo, que se estendia até a década de 30, e de formular novas agendas para um novo liberalismo. Buscava-se estabelecer, com o

108 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.

Tradução: Mariana Echalar. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2016. p.72.

109 ONOFRE, Gabriel da Fonseca. O papel dos intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo

econômico na segunda metade do século XX. 2018. Tese (doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. p. 45.

Colóquio, alguma espécie de rede internacional dedicada a estudar e propagar as ideias desse novo liberalismo.111

Foi no Colóquio Walter Lippmann que o termo neoliberalismo passou a ser utilizado com frequência entre os pensadores do campo liberal. Embora os participantes do Colóquio divergissem em várias questões, o ponto central em que convergiam estava na crítica que teciam às ameaças totalitárias que surgiam àquele tempo, bem como no temor de uma nova guerra. Nesse sentido, Onofre afirma que havia duas grandes diretrizes do Colóquio: “os debates sobre as ameaças fascista e comunista às instituições liberal-democráticas e a discussão sobre a necessidade de revisão do liberalismo”112.

Embora tivesse diretrizes gerais, o Colóquio esteve marcado por grandes divergências entre correntes intelectuais, destacando-se aquela entre o movimento que buscava reformular as bases do liberalismo (representado pelo ordoliberalismo alemão) e aquele que rejeitava críticas radicais ao laissez-faire (na figura do neoliberalismo austríaco). Isso mostra que não se tratava de um encontro uníssono ou homogêneo, o que ajuda na compreensão de que “o fenômeno do neoliberalismo, desde suas origens, é multiforme, plural e, até mesmo, contraditório”113.

Ao final do Colóquio, o primeiro grupo – aquele que via a necessidade de reformular as bases do liberalismo – saiu fortalecido, o que resultou na elaboração de um manifesto, que reconhecia a necessidade de “renovar o capitalismo, afastando-os da versão radical pró- mercado, assumida na segunda metade do século XIX”114. Onofre destaca que dos vinte e seis

participantes do Colóquio Walter Lippmann, quinze estariam no encontro promovido por Hayek anos mais tarde - que mostraria outra hegemonia, dessa vez do grupo defensor de um liberalismo mais radical.

Esses encontros entre liberais foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial, que ameaçou e perseguiu muitos dos intelectuais presentes no Colóquio, fazendo com que muitos tivessem de deixar seu país. Passada a guerra, eles voltaram a se organizar em torno da figura de Friedrich Hayek, e nesse ponto se desenham os primeiros passos para a formação da Sociedade que mais interessa a este trabalho.

Hayek, o austríaco que foi o grande organizador da formação da Sociedade Mont- Pèlerin, já havia escrito importantes trabalhos na década de 30, mas o marco de sua grande influência deu-se com o lançamento de seu livro “O Caminho da Servidão”, em 1944. A tese

111 Ibid., p. 65. 112 Ibid., p. 67. 113 Ibid., p. 72. 114 Ibid., p. 73.

central do livro é a de que todas as formas de coletivismo, seja o nazismo ou o socialismo, levam à supressão das liberdades. Assim, para Hayek, a intervenção estatal na economia está relacionada diretamente com as formas de totalitarismo. O livro despertou reações apaixonadas internacionalmente, contribuindo para a popularização das ideias de Hayek.115 Frise-se, ainda,

que a popularidade não se deu somente entre intelectuais, mas principalmente entre empresários liberais interessados em combater as intervenções do Estado na reconstrução do pós-guerra.

Foi nesse contexto que em 1945, após uma conferência em Zurique, Hayek foi convidado por banqueiros e industriais suíços para um jantar. Como aponta Onofre, foi nesse momento em que nasceu o projeto da Sociedade Mont-Pèlerin.116 Com a atenção principal

voltada para combater o coletivismo, durante essa viagem Hayek começou a articular mais adeptos ao liberalismo, em diversos países, para que construíssem uma frente que agisse conjuntamente contra as principais ameaças ao liberalismo que se apresentavam à época.

Embora o contexto mundial do pós-guerra tenha sido marcado pelo início da guerra fria, com a polarização de dois grandes blocos, a tensão entre o capitalismo e o socialismo não era a única vigente àquele momento. Como se buscou demonstrar até aqui, a tensão interna ao próprio bloco capitalista marcou divergências profundas, e a formação da Sociedade Mont- Pèlerin insere-se na disputa por uma nova ordem mundial, em contraposição à outra corrente também capitalista, representada pelas ideias keynesianas e pelo Espírito de Filadélfia.

Se desde a década de 30 os defensores do liberalismo estavam recuados em razão do aumento do papel dos Estados no pós-guerra, a iniciativa de Hayek constituía uma resposta frente a esse intervencionismo, em defesa do liberalismo econômico. Foram chamados aproximadamente cem estudiosos, incluindo economistas, sociólogos, historiadores, jornalistas e filósofos. Hayek, preocupado com possíveis desavenças entre visões distintas do liberalismo clássico, preferiu não estabelecer uma definição muito precisa sobre aquilo que estava propondo.117

Após atravessar dificuldades não somente financeiras, mas políticas, dado o contexto social dos países europeus no pós-guerra, tudo estava pronto para o primeiro encontro da Sociedade Mont-Pèlerin:

O navio Queen Elizabeth partia da cidade de Nova Iorque levando os doze participantes americanos. Da Alemanha, França, Grã-Bretanha e outros países europeus seguiam mais trinta indivíduos. Todos se dirigiam aos Alpes suíços com um mesmo sentimento: o de que cumpriam uma missão. Juntos, se consideravam pregadores de um novo mundo. Convencidos da superioridade do mercado,

115 Ibid., p. 93. 116 Ibid., p. 106. 117 Ibid., p. 149.

desejavam-se expurgadores dos novos males da modernidade: o socialismo e o capitalismo de bem-estar-social.118

Nos primeiros dias de abril de 1947, trinta e nove homens se reuniam nos Alpes Suíços para discutir os rumos econômicos e políticos após a Segunda Guerra mundial.119 A escolha

pelo país para sediar o encontro não foi casual, considerando que o financiamento das atividades do grupo contou com o apoio da elite econômica suíça. Nas falas que abriram aquele encontro, em um luxuoso hotel suíço, percebia-se qual era o sentimento predominante: o de que “um grande fardo pesava sobre o ombro daqueles homens. Crentes na decadência da civilização ocidental, se acreditavam profetas de uma nova ordem”120.

Para se alcançar os objetivos de estruturar uma nova ordem, Hayek e seus discípulos enfatizavam a necessidade de criar uma organização internacional capaz de produzir e disseminar as ideias para solucionar essa crise da civilização ocidental. Novamente, por mais que houvesse grandes ideias comuns, essa organização, tal qual aquela do Colóquio Walter Lippmann, não era homogênea. É que havia, pelo menos, três grupos com propostas divergentes: o dos defensores radicais do laissez-faire, representado por Ludwig von Mises; aqueles que defendiam uma visão crítica ao laissez-faire, mas aproximados dos ensinamentos da escola austro-americana, representados por Hayek e Milton Friedman; e, por fim, os que defendiam uma economia social de mercado, da escola ordoliberal alemã.121

Essas divergências mostravam os desafios para se formar uma organização coesa, sobretudo quando foi levantada a necessidade de elaborar uma carta de princípios e objetivos da Sociedade Mont-Pèlerin. Foi designada uma comissão para elaborar o projeto inicial, resultando em uma primeira declaração que gerou controvérsia entre os participantes do encontro.122 O debate foi tão acirrado que Hayek, enquanto mediador e grande organizador da

sociedade, chegou a questionar a própria necessidade da declaração.123 Ao final, acabou sendo

elaborado um segundo projeto de declaração, que foi aprovado por quase todos os participantes124, e que é a versão final que marca uma espécie de “certidão de nascimento da

Mont-Pèlerin”125.

Como o grupo que compunha a Sociedade Mont-Pèlerin era heterogêneo, a forma que se encontrou para elaborar uma declaração que agradasse à quase unanimidade dos presentes

118 Ibid., p. 154. (grifo nosso). 119 Ibid., p. 161.

120 Ibid., p. 172. 121 Ibid., p. 181-182. 122 Ibid., p. 188. 123 Ibid., p. 192.

124 Todos aceitaram a nova declaração de objetivos, à exceção do economista francês Maurice Allais, que foi o

primeiro a deixar a Sociedade, criticando a visão dogmática da declaração que a aproximava mais do laissez-faire e menos de uma verdadeira renovação do liberalismo.

foi concentrar os esforços mais em um inimigo comum do que em ideais partilhados por todos os participantes. Cabe, aqui, trazer a íntegra da Declaração dos objetivos da Sociedade Mont- Pèlerin (statement of aims) em sua versão final:

Um grupo de economistas, historiadores, filósofos e outros estudiosos de assuntos públicos da Europa e dos Estados Unidos encontraram-se no Monte Pelerin, na Suíça, do dia 1 ao 10 de abril de 1947 para discutir a crise do nosso tempo. Esse grupo, no desejo de perpetuar a sua existência, promovendo futuros encontros e convidando pessoas de pensamento semelhante a participar, concordou com a seguinte declaração de objetivos.

Os valores centrais da civilização estão em perigo. Em grandes partes da superfície da Terra, as condições essenciais da dignidade humana e da liberdade já desapareceram. Em outras, estão sob constante ameaça diante do desenvolvimento das tendências políticas atuais. As posições do indivíduo e do grupo estão cada vez mais comprometidas pela ampliação do poder arbitrário. Mesmo o bem mais precioso do homem ocidental, a liberdade de pensamento e de expressão, está ameaçado pela disseminação de credos que, alegando o privilégio de tolerância quando na posição de uma minoria, procuram somente estabelecer uma posição de poder em que eles podem suprimir e obliterar todas as visões que não sejam as suas.

O grupo sustenta que esses desenvolvimentos têm sido fomentados pelo crescimento de uma visão da história que nega todos os padrões morais absolutos e pelo crescimento das teorias que questionam a conveniência do Estado de direito. O grupo sustenta também que eles foram estimulados por um declínio na crença da propriedade privada e do mercado competitivo; pois sem o poder difuso e a iniciativa associada a essas instituições é difícil imaginar uma sociedade na qual a liberdade possa ser efetivamente preservada.

Acreditando que o que é essencialmente um movimento ideológico deve ser associado a um argumento intelectual pela reafirmação de ideias válidas, o grupo, tendo feito uma exploração preliminar do campo, é da opinião de que é desejável um estudo mais profundo, nomeadamente, no que diz respeito às seguintes questões:

A análise e a descoberta da natureza da presente crise levando em conta suas origens essencialmente morais e econômicas.

A redefinição das funções do estado, para se distinguir mais claramente a ordem totalitária e a liberal.

Métodos de restabelecer o Estado de Direito e de assegurar seu desenvolvimento de modo que os indivíduos e os grupos não estejam em posição de interferir a liberdade de outros e que os direitos privados não possam se tornar a base de um poder predatório.

A possibilidade de estabelecer padrões mínimos não prejudiciais à iniciativa e ao funcionamento o mercado.

Métodos de combate ao mal-uso da História que incentivem credos hostis à liberdade.

O problema da criação de uma ordem internacional condutora da resguarda da paz e liberdade, permitindo o estabelecimento de relações internacionais harmônicas.

O grupo não deseja fazer propaganda. Não procura estabelecer uma ortodoxia rigorosa e detalhada. Não se alinha a nenhum partido político. Sua finalidade é somente a de, promovendo a troca de opiniões entre mentes inspiradas por certas ideias e concepções gerais em comum, contribuir para a preservação e o aperfeiçoamento da sociedade livre.

Mont Pelerin (Vaud), Suíça, 8 de Abril de 1947126

Como se percebe das linhas gerais trazidas pela declaração das intenções da Sociedade Mont-Pèlerin, há uma linguagem combativa às possibilidades de intervencionismo que

126 THE MONT-PELERIN SOCIETY. Statement of Aims. Disponível em:

cresciam naquele momento do pós-guerra. Se, como se viu anteriormente, a Declaração de Filadélfia e demais textos que compunham o espírito de Filadélfia traziam os elementos para a busca por um novo nomos da Terra, o texto do encontro em Mont-Pèlerin falava da necessidade de criação da uma nova ordem internacional, bem distinta daquela explicada no livro de Alain Supiot.

A palavra de ordem na declaração de intenções da Sociedade Mont-Pèlerin é a liberdade, que, segundo seus autores, está sob ameaça de ideologias totalitárias e prejudiciais ao funcionamento do mercado. Como destaca Leandro Pires Salvador, a declaração mostra sua “elaborada estratégia comunicativa, porquanto oculta seu próprio teor ideológico numa pseudo- denúncia justamente contra outras ideologias que, no caso, ameaçariam a liberdade”127.

Do contraste do texto de Mont-Pèlerin com aquele da Declaração de Filadélfia, percebe-se que há um deslocamento do eixo central para a nova ordem mundial buscada por cada um desses dois movimentos antagônicos. De um lado, o espírito de Filadélfia buscava colocar a economia a serviço dos homens, garantindo a dignidade humana por meio da conjugação da liberdade com a segurança necessária para poder exercê-la. Por outro lado, nos objetivos da sociedade Mont-Pèlerin a atenção se volta para a liberdade, diretamente associada à liberdade do mercado e da concorrência generalizada, colocando os homens a serviço desses objetivos – ou, ainda, colocando a política e o direito a serviço da economia.

Se em um primeiro momento pode parecer que os dois movimentos se opõem frontalmente aos totalitarismos, havendo entre eles um inimigo em comum, essa aparente convergência na verdade se desfaz diante da compreensão de que o grande inimigo, em Mont- Pèlerin, é o capitalismo intervencionista da social-democracia do pós-guerra, representado pelo próprio espírito de Filadélfia. Frisa-se que, à época, era esse capitalismo de bem-estar social que representava o maior entrave à economia de livre mercado por eles proposta. Para isso, os neoliberais identificaram nas raízes de qualquer intervencionismo e coletivismo também uma espécie de totalitarismo, contrário às liberdades por eles defendidas.

Não sem tensões internas e dificuldades, a Sociedade Mont-Pèlerin começou a se expandir já na sua primeira década de vida: enquanto na primeira lista de membros, datada de 1947, constavam sessenta e cinco membros, no ano seguinte esse número saltou para cento e quinze.128 Na década de 60, uma crise interna da Sociedade, principalmente entre os polos do

127 SALVADOR, Leandro Pires. Crise aérea e comunicação : o acidente do voo 3054 da TAM à sombra da mídia.

2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/5129/1/Leandro%20Pires%20Salvador.pdf. Acesso em 15 mai. 2019. p.181.

128 ONOFRE, Gabriel da Fonseca. O papel dos intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo

econômico na segunda metade do século XX. 2018. Tese (doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. p. 228.

liberalismo austro-americano e do suíço-alemão levou à saída dos ordoliberais do grupo. Assim, com a saída dos ordoliberais, a partir de 1962, ganhou coro o discurso austro-americano em defesa de um liberalismo mais desenfreado, voltado à promoção da concorrência generalizada como norma máxima de governo dos homens.

Foi somente na década de 70 que a organização de Hayek ganhou notoriedade e cresceu fortemente, em razão do declínio do keynesianismo e das políticas de bem-estar social, com o aumento do desemprego e descontrole da inflação. Nesse momento, a Sociedade Mont- Pèlerin “experimentou pela primeira vez a sensação de estar a favor da maré: A organização (...) se beneficiava agora da nova conjuntura política e econômica”129. Na década de 80, a

sociedade já estava consolidada, e no ano de 1989 já tinha mais de quatrocentos membros.130

Atualmente, esse número aproxima-se de seiscentos.

Se essa história da Sociedade Mont-Pèlerin fosse contada a partir de seu final, mostrar- se-ia, desde o início, como ela saiu vencedora do conflito por um novo nomos da Terra, anunciando uma nova ordem mundial. Caso se começasse essa história pelo seu desfecho, como no cinema ou na literatura, o retrato de início certamente seria aquele das práticas do neoliberalismo enquanto uma nova razão do mundo. De toda forma, como nada disso foi feito até aqui, e seguiram-se os padrões tradicionais, de se começar pelo começo e acabar pelo fim, passa-se ao próximo capítulo dessa história do neoliberalismo – adiantando-se, desde já, que ela não encontrou ainda o seu fim.

129 Ibid., p. 239. 130 Ibid., p. 263.

2 NEOLIBERALISMO: TRAÇOS DA NOVA ORDEM

Restando vitorioso da disputa, o neoliberalismo se consagra como mais do que uma ideologia, constituindo-se enquanto uma racionalidade capaz de se estender a todas as esferas da vida. Com as contribuições de Foucault, além de Pierre Dardot e Christian Laval, pretende- se abordar, aqui, traços essenciais dessa nova razão do mundo.