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Demografia e escravidão no Espírito Santo do século

PECULIARIDADES E CONDIÇÕES DE VIDA DOS "PRETOS ESCRAVOS"

III.2 Demografia e escravidão no Espírito Santo do século

As origens da escravidão negra no Espírito Santo remontam a meados do século XVI, a despeito das controvérsias levantadas em torno de tal assunto. Historicamente, existe uma polêmica sobre a data da presença dos primeiros escravos versus primeira importação direta de africanos que foi feita pelo governo da jovem Capitania. No que diz respeito à presença dos primeiros escravos negros em território local, sem terem sido os mesmos necessariamente importados como mercadoria de compra, Daemon (2010) fornece dados sobre a presença de (índios flecheiros) e "escravos" em fins do ano de 1561, durante um combate levado a termo pelo capitão-mor Belchior de Azeredo Coutinho contra a invasão de naus francesas. No

165 entanto, esse autor tem suas dúvidas se o enfrentamento teria ocorrido de fato em Victoria e dá a entender que o local real do referido combate teria sido na Vila do Espírito Santo, atual Vila Velha. Contrapondo-se ao postulado de Basílio Carvalho Daemon, sem no entanto fornecer esclarecimentos concisos sobre sua discordância, a pesquisadora Maria Stella de Novaes147, tendo como base o que ela registrou como "Documentos Históricos. v.XXXVIII, p. 197", levanta a hipótese de que a presença dos primeiros africanos no Espírito Santo data de início do ano de 1550. Maciel (2016) não discorda e acata o ponto de vista da autora; mas, ele lança nova hipótese sobre a questão e aponta o ano de 1540 como possível data da presença dos primeiros africanos na Capitania, conforme elucidação adiante. No caso de Novaes (2010), é importante ressaltar que em duas de suas obras148, a mesma data de 1550 pode ser encontrada. Para corroborar a postulação dessa autora, reproduz-se o seguinte:

No Espírito Santo, em 1550, na arrematação dos bens de Ambrósio de Meira, feitor do almoxarife da Capitania, houve a citação de 10$804, em dinheiro, e o serviço de onze peças de escravos e uma escrava de nome Felipa (num total de 12 peças). No mesmo ano, pelo Mandado de 14 de março, o Provedor-Mor da Coroa determinava ao Espírito Santo que "deixasse, em cada ano, embarcar para o Reino, ao Pe. Francisco da Luz, que serviu de vigário, na dita Capitania, por João Dormundo, seu irmão, duas peças de escravos resgatados de sua roupa" (NOVAES, 2010, p. 20).

Na sequência de seu texto, a pesquisadora faz-se a seguinte interrogação: "Índios ou africanos?" Admite-se que tal dúvida é oportuna e, portanto, hipóteses podem ser levantadas, pois nos primórdios do Brasil colônia os índios foram sujeitados à escravidão pelos colonos portugueses, que utilizaram diferentes estratégias de cativeiro. A vinda de africanos seria a solução para a escassez de mão-de-obra indígena e isso justifica as dificuldades em relação à escravização do nativo gentio. "Concordam, de fato, vários autores que a escravidão negra, no Brasil, é contemporânea da sua colonização, porque, tornando-se os jesuítas protetores dos índios, contra o seu jugo pelos colonos, escasseavam braços, para a lavoura" (NOVAES, 2010, p. 20). Ora, pesquisas de Marques (1878), Daemon (1879149), Siqueira (1885), Freire (1945) e Oliveira (1951), por exemplo, influenciariam os trabalhos dessa estudiosa ocupada em dirimir dúvidas sobre a presença não oficial bem como sobre compra oficial e direta de

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Novaes (2010) não justifica os reais motivos de ela citar primeiro a data de 1621 como tendo sido início da compra de escravos negros na Capitania do Espírito Santo e, em seguida, mencionar o ano de 1561 como marco utilizado por Daemon (2010) para registrar a presença dos primeiros africanos em Victoria e ou em Vila Velha. Ao que a autora sugere, ela rejeita essa data de 1561 para demarcar e aceitar o ano de 1550 − cerca de doze anos antes − como tendo sido o marco verdadeiro da presença dos primeiros escravos negros no Espírito Santo de então. Essa problemática está melhor abordada no texto que inicia este tópico.

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A primeira obra, originalmente publicada em 1963, é "A escravidão e a abolição no Espírito Santo". Na sua segunda edição, em 2010, o registro desse assunto encontra-se na página 20. Quanto à segunda obra, trata-se de "História do Espírito Santo", publicado cerca de 1968. O mesmo registro pode ser encontrado na página 23.

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166 "peças" africanas para o trabalho escravo no Espírito Santo. As postulações de Novaes (2010) contribuiriam para influenciar historiadores da escravidão como Cleber da Silva Maciel, que na sua obra "Negros no Espírito Santo" faz referências à obra dessa autora denominada de "A escravidão e a abolição no Espírito Santo", no que concerne ao seguinte:

Finalmente, no Espírito Santo, pode-se dizer que a importação direta de africanos data de fins de 1621. Entretanto, já havia escravos africanos antes, talvez desde 1540, com o início do plantio de cana-de-açúcar. Pode-se afirmar sua presença, com certeza, desde 1550, conforme a arrematação dos bens de um feitor da capitania, pois nesse documento aparecem listados 12 escravos (MACIEL, 2016, p. 64).

Já em relação à importação direta e oficial de africanos para substituírem os nativos gentios e trabalharem como escravos na Capitania do Espírito Santo, existem duas correntes de estudiosos que pensam do seguinte modo: (a) Aqueles que são a maioria e acatam como marco o ano de 1621; e (b) Os que reconhecem o ano de 1622 como tendo sido um marco de privilégio para a compra de mercadoria humana escrava destinada a trabalhar nos engenhos locais. Há em comum nas visões das duas correntes o fato de os traficantes receberem como pagamento o açúcar e outros gêneros de produção local pelos africanos que eram comprados e tratados como "peças", isto é, simples mercadoria. "Em fins deste ano [1621] começou esta capitania a importar e receber escravos africanos, sendo obrigados os que importavam a pagá- los com açúcar e outros quaisquer gêneros, por privilégio especial concedido unicamente a esta capitania" (DAEMON, 2010, p. 163). O conteúdo desta citação foi tomado por um estudioso que interpretou a problemática do seguinte modo: "Na sua opinião [de Basílio Daemon], o tráfico direto de braços negros entre o Espírito Santo e África começou em fins de 1621, 'sendo obrigados os que os importavam a pagá-los com açúcar [...], por privilégio especial concedido unicamente a esta Capitania'" (OLIVEIRA, 2008, p. 132). Sem mencionar a forma de pagamento, pode-se ler em outro estudo que "[...] em fins de 1621, começou a entrada de escravos africanos. [...] desde 29 de março de 1549, mediante um Alvará, S. M., Dom João III facultava aos senhores de engenho o resgate e a introdução de escravos do Guiné e da Ilha de São Vicente, até o máximo de cento e vinte" (NOVAES, ca. 1968, p. 59). O número máximo de 120 "peças" para cada senhor dono de engenho na Capitania de meados do século XVI pressupõe uma quantidade elevada de escravos, caso isso tenha ocorrido. Em face da não existência de dados concretos para comprovar tal possibilidade, resta aparelhar-se teoricamente com a compreensão blocheana150 e assentir com a lógica segundo a qual "[...] a

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Em sua obra póstuma denominada de "Apologia da História", Bloch (2001) levanta a questão do julgar versus compreender, optando pelo segundo termo: o "compreender" como método que ilumina is estudos históricos.

167 Capitania do Espírito Santo era uma das que mais fazia contrabando de escravos. [...] constituía-se em região de importante contingente populacional negro [...]" (MACIEL, 1992, p. 29 e 33). Para dar suporte ou reforçar essa lógica, retomam-se palavras desse mesmo autor, na modalidade da afirmação seguinte: "Como já se sabe, desde o século XVI havia negros no Espírito Santo. Vitória, por exemplo, em 1551, tinha 7.225 habitantes, dos quais 4.898 eram escravos, portanto, não brancos (MACIEL, 2016, p. 72).

Para o que se denominou de corrente (b), no único dicionário publicado na Província do Espírito Santo, um ano antes da publicação da obra de Basílio Carvalho Daemon em 1879, encontra-se o verbete "escravos", cuja definição do autor pode ser lida nos termos seguintes: "Escravos.—Em 1662, diz o douto Sr. Varnhagem, que o Espirito Santo, privado dos braços dos Índios, recebia os de africanos, e por privilegio especial não era obrigado a pagal-os a dinheiro, porem sim em assucares e outros generos" (MARQUES, 1878, p. 58). Com o intuito de dar suporte ao conteúdo desta afirmação, reproduz-se o que um estudioso de fins da segunda metade do século XX escreveu: "O Espírito Santo gozava, por volta de 1622, do privilégio de receber africanos, para pagá-los, não a dinheiro, mas, depois, em açúcar e outros gêneros" (FREIRE, 2006, p. 110). Neste último caso, as fontes a que se recorreu esse autor foram as citadas como segue: "(Pizarro, Memórias, II, 112 e 119; Varnhagen, II, 193 e 225)". Esse sumário levantamento historiográfico sobre a presença dos primeiros cativos vindos da África para o Espírito Santo, assim como para outras Capitanias do Brasil colonial no século XVI, pode ser resumido da seguinte maneira: "Em nosso entender, os escravos africanos foram levados ao Brazil desde sua primitiva colonisação; e naturalmente muitos vieram com seus senhores a bordo dos primeiros navios que aqui aportaram, comprehendendo os da armada de Cabral" (VARNHAGEN − I, 1854, p. 182). Para esse historiador de início da segunda metade do século XIX, a escravização de africanos representava o que para ele era "desmoralização" em todas as Capitanias − o que valia para todo o Reino de Portugal.

A exposição acima sobre a presença não oficial de africanos no Espírito Santo de antes de 1550 e sua importação oficial ou a compra direta de "peças" escravas oriundas da África e destinadas para a Capitania da segunda metade do século XVI é aqui tomada como exemplo cuja finalidade é corroborar peculiaridades próprias do escravismo local. Eram, pois, práticas de tráfico exercidas desde os primórdios da Capitania. De acordo com explicitação de Novaes (ca. 1968), o Alvará expedido por Dom João III em 29 de março de 1549 oficializaria a compra de "peças" africanas para suprir a necessidade de braços nos engenhos. Foi a partir dessa medida tomada pelo Rei de Portugal que a compra de escravos negros por senhores de engenhos se tornaria uma prática legal. Durante todo o período colonial e provincial, africanos

168 passaram a ser comprados como mercadoria comum: sem sua mão-de-obra, fosse nos centros urbanos ou no meio rural, a Capitania e a Província não teriam sido possíveis tanto no Brasil Colônia quanto no Brasil Império. Se a Capitania destacava-se por ser uma dentre aquelas onde o contrabando de escravos era mais elevado (MACIEL, 2016), pressupõe-se que no período de Província tais práticas devam ter sido continuadas, resguardados os movimentos antiescravistas e os impedimentos jurídicos em favor do fim do tráfico no Brasil oitocentista. Assim, quer-se conhecer, tendo-se como apreço a documentação disponível, o fluxo da população escrava no Espírito Santo do século XIX. A despeito da produção acadêmico- científica recente orientada para as pesquisas sobre a família escrava151 na Província, como os estudos de Merlo (2008), leva-se também em conta obras de Almada (1984), Novaes (2010) e Maciel (2016) sobre a escravidão em território espírito-santense. Repisa-se (no sentido de buscar o inovador) essa problemática tendo-se como enfoque inicial um estudo, no sentido amplo, sobre condições de vida de escravos trabalhando na Província e, de modo específico, enfoca-se adiante o adoecimento e mortandade de escravos vivendo no trabalho em Victoria da segunda metade do século XIX. Para tanto, neste tópico faz-se um levantamento resumido de dados sobre a população escrava ao longo do período que compreende de 1800 a 1888.

O primeiro levantamento oficial de que se dispõe sobre a população no Espírito Santo do século XIX data de 1817/1818152. Considera-se oficial porque resultou da ação decisória do então governador Francisco Alberto Rubim, que produziu o manuscrito no qual registrou as memórias (ano de 1817) e uma breve notícia estatística (no ano de 1818) da Capitania que ele considerava como sendo importante porção do Reino do Brasil. Ao final desse manuscrito, na página de número 30, há o que esse governador denominou de "Resumo" e no qual contém

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Segundo Merlo (2008), as pesquisas acadêmicas sobre escravidão no Estado do Espírito Santo longe estão do

boom ocorrido, nos últimos trinta anos (ao se considerar a data de 2008), na produção historiográfica sobre a

escravidão no Brasil. "Verifica-se, com efeito, a grande carência de investigações sobre a escravidão capixaba que possam tornar mais seguro o trabalho de análise do fenômeno" (MERLO, 2008, p. 24). Essa autora cita os trabalhos de Almada (1984) e de Campos (2003) como referências locais. Entretanto, entende-se que além dessas duas menções sobre o assunto, o estudo de Maria Stella de Novaes (1963), de Afonso Cláudio de Freitas Rosa (originalmente produzido em 1884 e publicado em 1979), as pesquisas de Cleber da Silva Maciel − anos de 1992 e de 1994 − e de Nara Saletto (1996) podem ser consideradas como contribuintes. Concomitante com a data da pesquisa de Merlo (2008), Julian Sabino Simonato produziu um estudo, em 2008, sobre escravidão na Fazenda Santa Helena. Após 2008, a produção historiográfica sobre a escravidão no Espírito Santo expandiu. Como exemplo, elencam-se as pesquisas seguintes: Aloiza Delurde Reali de Jesus − "Trabalho escravo nas freguesias do Espírito Santo", de 2009; Maria do Carmo de Oliveira Russo − "Escravidão em São Mateus/ES, de 2011; Geisa Lourenço Ribeiro − "Família escrava e reprodução endógena no Espírito Santo", 2012; Rosani Freitas Faria − "A constituição de famílias entre os escravos de Vitória", de 2013; Michel Dal Col Costa − "Redes solidárias de libertação dos escravos na Região Central do Espírito Santo oitocentista", de 2013; Rafaela Domingos Lago − "Escravos e parentesco ritual na Província do Espírito Santo", de 2013.

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Consta que em meados de1812, o Governador Manuel Vieira da Silva Tovar e Albuquerque "Recensia a população da Capitania e as listas acusam 11.900 pessoas livres e 12.000 escravos [...]" (DERENZI, 1965, p. 121), o que compreendia uma população total de 24.000 "almas". Em 1817/1818, o Governador Francisco Alberto Rubim solicitaria um novo levantamento estatístico populacional da Capitania − ver Quadro 3 acima.

169 26 tópicos ou itens estatísticos. Esses itens correspondem ao números de governadores, igrejas filiais e de particulares, portos de mar, rios principais, engenhos, engenhocas, etc. No que concerne aos dados populacionais, foram enumerados os seguintes itens:

Quadro 3. Dados sobre Povoações e População do Espírito Santo em 1817/1818

I t e n s

N ú m e r o s

Villas 6 Povoações 6 Freguezias 8 Fogos 3.729 Almas 24.585 Baptizados em 1817 1.087 Obitos 824

Diferença a favor da população 263

Casamentos 273

Fonte: RUBIM, Francisco Alberto. Memórias para servir à história até ao anno de 1817, e breve notícia estatística da Capitania do Espírito Santo, porção integrante do Reino do Brasil, escriptas em 1818, e publicadas em 1840 por hum capixaba.

Lisboa: Imprensa Nevesiana, 1840.

Como é de se notar, as pontuações do governador em relação ao número de habitantes da Capitania estavam orientadas, em primeira instância, para quantificar as concentrações urbanas da época, que somavam um total de 20 (entre vilas, povoações e freguesias), e a partir desse resultado apresentar números genéricos sobre uma população cujos desdobramentos étnicos são ignorados. A despeito de sumária exposição sobre a mobilidade social envolvendo casamentos, nascimentos e óbitos, não se tem como saber o número de pessoas de cor branca, indígenas (se é que os índios foram levados em conta), negros153 e pardos (escravos ou livres). No entanto, chama a atenção o número de 1.087 batizados no ano de 1817, que se apresenta elevado se considerado em separado do número de 824 óbitos (provavelmente no mesmo ano de 1817). Porém, quando se leva em conta a mortandade em relação ao número de nascidos, nota-se que ela era alta, pois que os sobreviventes correspondiam ao percentual de apenas 24,195% do número total de 1.087 batizados. Quanto ao número de 824 mortes, que deve compreender os adultos (brancos e negros) e as crianças (brancas e negras), ele corresponde ao percentual de 75,8% daquele número de 1.087 batizados no mesmo ano de 1817. Não se tem como quantificar os índices reais de mortandade de crianças, fossem elas brancas ou negras. Ainda assim, sabe-se que a vulnerabilidade de crianças negras (e brancas) em face das

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Em seu estudo sobre o Governo de Francisco Alberto Rubim, o historiador Derenzi (1965) apresenta o número de 12.100 escravos, o qual estaria incluído numa população total de 24.857 "almas". Para os interessados, esse assunto consta do tópico "Francisco Alberto Rubim − 1812 a 1819", páginas 122 a 126.

170 doenças era maior do que a mortandade de adultos (fossem brancos ou negros). Não obstante a falta de dados sobre a população livre e escrava na obra de Rubim (1840), dispõe-se de uma fonte na qual constam números sobre populações livre e escrava no Espírito Santo de 1819. Deve-se atentar para o fato de que o ano de 1819 é o seguinte logo após o ano de 1818. Em consonância com as declarações de Clóvis Moura, fundamentadas por estudos de outros autores, "Em 1819, pelas estatísticas de Veloso de Oliveira, assim se distribuía a nossa população nacionalmente, segundo o quadro apresentado por Calógeras154" (MOURA, 1992, p. 10). Nesse quadro, estão computados, por Província, os números de pessoas livres e escravas, seguidos do percentual da população cativa em relação à população livre. De acordo com os números fornecidos por Moura (1992), em 1819 a população total do Espírito Santo era de 72.845. Este número é cerca de três vezes maior do que aquele fornecido por Rubim (1840), qual seja: 24.585 "almas". Com o propósito de esclarecer, ao menos em parte, o que Rubim (1840) não teve como deixar claro em sua obra, reproduzem-se esses dados novos sobre a população total e a população escrava no Espírito Santo de início do século XIX.

Quadro 4. População de escravos no Espírito Santo − ano de 1819

Província Livres Escravos População Total Percentual de escravos

Espírito Santo 52.573 20.272 72.845 27,7%

Fontes: Artur Ramos − "Introdução à antropologia brasileira". Rio de janeiro: Casa do Estudante do Brasil,

1943. Clóvis Moura − "História do negro brasileiro". São Paulo: Editora Ática, 1992.

Essa falta de dados numéricos sobre a população escrava no Espírito Santo do tempo de Francisco Alberto Rubim − de 1812 a 1819 − não invalida a busca acurada por mais informações sobre tal peculiaridade. Em um outro levantamento de dados feito por Moura (2013) sobre a população escrava do Brasil Império155, tendo como suporte outros autores, o mesmo número de 20.272 cativos negros corresponde ao ano de 1819. Ora, ao se considerar o número total de 24.585 almas, constante no Resumo estatístico de 1818 fornecido por Rubim (1840), constata-se uma estatística bastante expressiva em relação à população escrava. O número de 20.272 escravos fornecido por Moura (2013) para o ano de 1819 corresponderia a um percentual de 82,456% da população total de 1818. Do ponto de vista teórico, atribui-se a

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Moura (1992) está se referindo ao engenheiro, geólogo e político brasileiro João Pandiá Calógeras.

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O período de Brasil Império compreende fins do ano de 1822, quando foi proclamada a Independência, e vai até fins do ano de 1889, com a Proclamação da República. Não obstante, há autores que consideram o Brasil Vice-Reino como parte do Império. "Pertence ainda à cronologia imperial, como prelúdio, o chamado período joanino, correspondente à presença da Corte portuguesa no Rio de Janeiro sob a regência do príncipe D. João, entre 1808 e 1821, o futuro D. João VI, aclamado em 1818 − primeiro monarca português coroado nos trópicos" (VAINFAS, 2002, p. 356). Daí a alusão feita por Moura (2013) ao ano de 1819 como relativo a Brasil Império.

171 esse elevado número de escravos no Espírito Santo de início do século XIX a um dentre os três itens de periodização levado em conta por Merlo (2008) para a movimentação na compra ou entrada de escravos no Brasil e, em consequência, no Espírito Santo de então. Os recortes periódicos que essa autora considera são os seguintes: a) De 1800 a 1809; b) De 1810 a 1819; e c) De 1820 a 1830. "[...] o período de 1810-1819 foi de aceleração da oferta africana e de incremento no tráfico [...]" (MERLO, 2008, p. 57). Essa movimentação periódica no aumento de africanos comprados para serem escravizados no Império e na Província coincide com dados numéricos fornecidos por Moura (2013), ao mesmo tempo em que permite deduzirem- se questões implícitas no material estatístico fornecido por Rubim (1840).

Na gestão do primeiro Presidente da Província − Ignacio Accioli de Vasconcellos −, que compreendeu o período de 1824 a 1829, a população local atingiu, no ano de 1824, a cifra de 35.353 "almas". Desse total, a população escrava correspondia à soma de 13.188 (entre cativos pardos e pretos) e a população forra somava 8.283 (entre pardos e pretos livros). Há controvérsias que giram em torno dessa estatística demográfica fornecida por Vasconcellos (1978). Segundo Salleto (1996), o "Censo Provincial" de 1824 não se sustenta em virtude da fraca economia da Província. Em relação ao elevado número de escravos, que atingia um percentual em torno de 37%, essa mesma autora considera-o desproporcional pelo mesmo motivo acima mencionado: economia fraca, o que reforça o epíteto de capitania e "província