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Demonstrando a absoluta identificação do pensamento de Anhaia Mello com as novas diretrizes que nortearão a administração pública brasileira após a Revolução de 1930, de se notar que uma das primeiras medidas tomadas pelo urbanista enquanto investido no cargo de prefeito da Capital foi a de instituir, no âmbito do município, uma Comissão de Serviço Civil, cujas atribuições, muito embora mais limitadas que as do futuro D.A.S.P., visavam profissionalizar o serviço público municipal, como consta dos considerandos do ato municipal nº 35, de 30/12/1930, dentre os quais destacamos:

“Considerando que o êxito da administração municipal depende, em grande parte, da eficiência do funcionalismo;

“Considerando que as qualidades pessoais do candidato devem ser a base fundamental para a admissão ou promoção;

“Considerando que é condenável, não apenas o sistema de recomendação, mas até mesmo o espírito desse sistema;

“Considerando que o sistema de mérito é manter condições ideais em matéria de empregos públicos, isto é, admissão de competentes, retribuição proporcional e adequada ao cargo, justiça nas promoções ou demissões;

(...)

“Considerando que é necessário, para honesto e imparcial funcionamento do sistema de mérito, que as Comissões de Serviço Civil estejam imunes de pressões políticas”.

Assim, esta Comissão, formada por três membros, um escolhido pelo prefeito e dois por eleição dentre os servidores, foi incumbida de promover todos os processos de seleção e promoção, por meio de concurso, dos funcionários públicos municipais, previamente à submissão de listas tríplices, para cada caso, a serem encaminhadas à deliberação do prefeito. No mesmo ato nº 35/1930, determinou-se, ainda, a proibição de admissão de servidores por contrato ou extranumerários - prática bastante usual durante a Primeira República -, assim como se instituiu o estágio probatório de seis meses.

Dissolvidos os órgãos legislativos e deliberativos do país, em todos os níveis, por força do decreto federal nº 19398, de 11/11/1930, o governo provisório de São Paulo, chefiado pelo interventor federal João Alberto, baixou, logo em seguida, o decreto estadual nº 4781, de 29/11/1930, que submeteu os prefeitos do estado, agora nomeados diretamente pelo interventor, a estritas normas de controle financeiro e administrativo. Porém, sua disciplina não se estendia à prefeitura da Capital, submetida diretamente ao governo estadual, conforme art. 25 do decreto nº 4781/1930.

A excepcionalidade da situação jurídico-institucional da Capital em relação aos demais municípios do estado foi reiterada quando da criação, pelo decreto estadual nº 4790-A, de 10/12/1930, do Departamento de Organização Municipal,

subordinado à Secretaria de Interior do estado, haja vista que àquele órgão, conforme estabelecido no art. 2º de referido decreto, incumbia:

“1º - Informar o governo sobre os negócios e interesses dos municípios do interior do Estado;

“2º - lavrar os decretos de nomeação dos prefeitos e os respectivos termos de compromisso;

“3º - receber os orçamentos das prefeituras e prestar informações sobre os mesmos; “4º - atender à correspondência do Secretário do Interior com as prefeituras;

“5º - receber as prestações de contas dos prefeitos e encaminhar ao ‘Diário Oficial’ a publicação dos balancetes mensais das prefeituras;

“6º - processar os recursos dos atos dos prefeitos, interpostos, quer perante as prefeituras, quer perante o Secretário do Interior” (grifamos).

Poucos meses depois, com o decreto estadual nº 4918, de 03/03/1931, o Departamento de Organização, rebatizado como Departamento de Administração Municipal, sofreu significativa reformulação, passando a vincular-se diretamente ao interventor e a exercer funções de assessoramento técnico e de controle financeiro dos municípios, elaborando orçamentos, uniformizando a contabilidade pública municipal128, revendo contratos entre os municípios e particulares e tomando contas semestrais da arrecadação e das despesas municipais (art. 2º).

As atribuições e a estrutura do Departamento de Administração Municipal foram ampliadas durante a interventoria de Armando de Salles Oliveira, por meio do decreto estadual nº 6290, de 31/01/1934, passando a incluir a assistência legal aos municípios e o conhecimento de recursos interpostos em face de decisões e atos dos prefeitos, então nomeados.

Pouco tempo depois, o decreto estadual nº 6519, de 30/06/1934, novamente reorganizando o Departamento de Administração Municipal, integrou à sua estrutura uma Diretoria de Engenharia, incumbida de prestar assistência técnica aos municípios em matéria de projetos e obras públicas, especialmente de

128 O decreto estadual nº 5296, de 18/12/1931, criou o Código de Contabilidade Municipal,

saneamento129 (Velasco, 1938, p. 119).

Após a promulgação da Constituição Federal de 1934, a nova lei de organização dos municípios paulistas (lei estadual nº 2484, de 16/12/1935) manteve o Departamento de Administração Municipal, agora sob a denominação de Departamento das Municipalidades, como órgão de assistência técnica e fiscalização das finanças municipais, subordinando-o à Secretaria de Estado da Justiça e Negócios do Interior e incumbindo-o praticamente das mesmas funções – em grande parte assemelhadas às do Tribunal de Contas estadual, extinto após a Revolução de 1930 – que já vinha desempenhando, exceto o conhecimento de recursos contra atos dos prefeitos, que se converteu no dever de representar

129 Em dezembro de 1937, o engenheiro ajudante da Diretoria de Engenharia do

Departamento das Municipalidades, André Perez Velasco, enviou correspondência ao interventor federal no estado – a qual foi publicada no Boletim do Instituto de Engenharia de fevereiro de 1938 -, propondo o alargamento do espectro de atuação da Diretoria a que se encontrava subordinado. Assim, vislumbrando na ideologia do Estado Novo recém instalado ensejo para o fortalecimento do caráter técnico da administração pública, o autor formulou diversas sugestões que, conforme veremos, ecoavam o pensamento do urbanista Anhaia Mello:

“1º - Todas as cidades de mais de 10000 habitantes devem ter, como o funcionário de mais elevada categoria, o engenheiro municipal;

“2º - nas cidades de menor população ou cujas rendas não permitam pagar um engenheiro razoavelmente, o Governo deverá, sempre que possível, procurar nomear para Prefeito um engenheiro;

“3º - o Departamento das Municipalidades, ou o órgão que o substituir, deverá prestar assistência direta às Prefeituras que não puderem ter engenheiro municipal ou cujo Prefeito não for engenheiro, por intermédio de engenheiros residentes, dividindo-se o Estado em distritos. Esses engenheiros, sob o controle do órgão acima, e do Serviço Sanitário na parte que lhe ficar afeta, se encarregarão de todos os serviços de engenharia municipal, aprovação de plantas, fiscalização de obras particulares, projeto e direção de obras municipais, direção dos serviços públicos municipais, levantamento da planta da cidade, arruamentos novos, calçamento, códigos de obras, estatísticas etc.

“Os engenheiros devem ser os iniciadores de um movimento estadual de renovação das nossas cidades, um movimento que as torne organizadas, sadias, confortáveis e belas” (Velasco, 1938, pp. 121-2).

Coerente com suas propostas, o engenheiro Velasco, no mesmo ano, organizou para o Departamento das Municipalidades, então dirigido pelo também engenheiro Álvaro de Souza Lima, um manual intitulado Normas Gerais de Construção e Urbanismo para cidades do

Interior (Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, 1955), que pretendia servir de

modelo de código de obras a ser adotado pelas prefeituras do interior do estado, como também uniformizar a elaboração de seus planos diretores.

A elaboração de referido manual foi orientada, originalmente, por Anhaia Mello, que posteriormente, em 1955, também procedeu à sua revisão e atualização.

ao governo do estado sobre quaisquer irregularidades que verificasse no exercício de suas atividades.

Com o advento do Estado Novo, o Departamento das Municipalidades, por meio do decreto estadual nº 9146, de 05/05/1938, voltou a subordinar-se diretamente ao interventor federal, mantendo inicialmente, contudo, sua competência e estrutura.

Nova reorganização do Departamento das Municipalidades, com ampliação de atribuições – incluindo muitas daquelas sugeridas pelo engenheiro André Perez Velasco -, foi feita por meio do decreto estadual nº 10881, de 05/01/1940.

Todavia, ao longo de toda a sua existência, o Departamento das Municipalidades, apesar de progressivamente incorporar os ideais racionalizadores calcados na ideologia de Estado, buscando substituir o governo político local pelo controle técnico e centralizado das administrações municipais – finalidade para a qual a classe dos engenheiros teve participação ativa e crescente -, há que se destacar que sua atuação deu-se principalmente nos municípios do interior do estado, onde, na visão da nova elite dirigente, a gestão dos negócios municipais era menos “profissional” e não existia, como na Capital, um corpo técnico e burocrático suficientemente organizado. Por outro lado, as funções do Departamento das Municipalidades, apesar de igualmente baseadas em princípios autoritários e centralizadores, foram de natureza mais subsidiária do exercício do poder local que as do D.A.S.P. – órgão imbuído de atribuições muito mais amplas e limitadoras da autonomia municipal do que aquele Departamento.