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2 HISTÓRICO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA

3.2 Problemas estruturais da indústria de celulose

3.2.3 Dependência de subsídios

A despeito de problemas estruturais como consumo e produção excessivos, o estabelecimento de plantações industriais destinadas ao suprimento das fábricas de celulose é condicionado e estimulado pela existência de subsídios fiscais, que incentivam o financiamento de programas de reflorestamento de espécies exóticas de rápido crescimento (pinus e eucalipto). Estes subsídios são concedidos por governos de países da região norte do planeta sob a forma de “ajuda/auxílio ao desenvolvimento”, assim como governos dos sul sob a forma de terras baratas, mão-de-obra disponível e isenção de impostos.

Segundo Mendonça (1992) estes programas de reflorestamento possuem características específicas, como:

- Envolvimento de extensas plantações de bosques homogêneos;

- Padronização dos riscos físicos e bioquímicos das espécies plantadas, introduzindo significativas melhoras genéticas;

- Proximidade entre os bosques plantados e a unidade de processamento industrial, a título de redução dos custos de transporte;

- As áreas reflorestadas tendem a ser integralmente de propriedade dos grupos empresariais envolvidos;

- Padronização do produto final;

- Comercialização, de forma geral, voltada para o mercado externo.

A combinação de todos esses pontos é observada em casos que correspondem ao modelo organizacional das empresas líderes da indústria florestal. Em termos industriais, especificamente, o modelo dominante está caracterizado por elevadas escalas de produção da unidade produtiva, em função do uso de tecnologias de fabricação de processo contínuo que seguem as melhores práticas internacionais.

No Uruguai as plantações industriais de árvores de rápido crescimento (monoculturas, florestas industriais, desertos verdes19) foram promovidas em uma série de projetos iniciados

19 A expressão “deserto verde” surgiu no final dos anos 60, quando da instalação das fábricas de celulose no

em 1951 pela Comissão da Organização das Nações Unidas - ONU para Agricultura e Alimentação e uma missão do Banco Mundial. Em meados de 1980 a Agência Internacional de Cooperação Japonesa (JICA) desenvolveu um estudo de viabilidade para a construção de uma planta química de produção de polpa de celulose no Uruguai. A Lei Florestal Uruguaia, datada de 1987, apoiou-se num estudo sobre plantações de árvores de rápido crescimento em território uruguaio, desenvolvido pela JICA. Esse estudo orientou o Banco Mundial no empréstimo florestal concedido ao Uruguai. Nele o Governo Uruguaio estabeleceu uma série de subsídios às plantações industriais, incluindo isenção de impostos, reembolso parcial dos custos de plantação empréstimos a longo prazo e juros baixos, reduzidas taxas de importação de máquinas e veículos, construção de rodovias e pontes e benefícios iguais aos investidores estrangeiros. A ONG uruguaia World Rainforest Movement - WRM calcula que até o ano 2000, o governo uruguaio deve ter concedido mais de US$ 400 milhões em subsídios diretos e indiretos às monoculturas industriais20.

O economista tailandês Pasuk Phongpaichit observa que “a teoria econômica nos diz que é correto subsidiar a educação por que beneficia toda a sociedade. Mas enquanto os eucaliptos e as indústrias de papel e celulose auferem lucros para poucos, os problemas decorrentes dessas atividades podem ser sentidos por toda a sociedade. Portanto, a teoria econômica nos diz que estes negócios deveriam ser taxados. Mas os governos fazem justamente o oposto. Esta é uma questão de influência e poder.”21

A planta de celulose da Botnia é um claro exemplo dos abundantes subsídios. A planta industrial foi construída em uma área de zona franca (tax-free zone). Segundo afirma a ONG Urgewald em seu relatório “Banks, Pulp and People” (2007) antes mesmo do início da construção da fábrica o Governo Uruguaio assinou um acordo com o Governo Finlandês, que se afigura em última instância, a um acordo com a Botnia. No âmbito deste acordo, o Governo

milhares de habitantes daquela região (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE). Outra expressão igualmente utilizada em profusão é "florestas plantadas" cujo conceito remonta à

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Apresentar as monoculturas de árvores de rápido crescimento como "florestas plantadas" resulta em uma boa ferramenta de marketing que oculta a degradação sócio-ambiental que envolve esse tipo de plantação em grande escala.

20 “Uruguay: The absurd injustice of promoting tree plantations”, World Rainforest Movement, Bulletin 68,

March 2003. <http://www.wrm.org.uy/buletin/68/Uruguay.html>

21 Pasuk Pongpaichit (1995) Presentation at Seminar on Community Rights and Environmental Conservation:

The Case of the Paper Pulp Industry, Chulalongkorn University, Bangkok, 27 april 1995, cited in Carrere, Ricardo and Larry Lohmann (1996) “Pulping the South: Industrial Tree Plantations and the World Paper Economy”, World Rainforest Movement and zed Books, London, UK, page 103.

Uruguaio é obrigado a pagar compensações à Botnia por quaisquer perdas causadas por, dentre outras coisas, motins, rebeliões e desordens. Segundo Katz e Bercovich (2003), as forças a favor da preservação ambiental, de um lado, e o conflito ancestral com os povos tradicionais, do outro, introduzem claros focos de incerteza no horizonte de planejamento a longo prazo das indústrias florestais, agregando feitos e circunstâncias ao conjunto de variáveis econômicas e tecnológicas.

Ainda, segundo o relatório “Banks, Pulp and People” e assertivas das ONGs WRM e

Center for International Forestry Research - CIFOR, uma grande parte do financiamento concedido ao projeto da Botnia em Fray Bentos vem de instituições públicas, incluindo:

International Finance Corporation – US$ 170 milhões em financiamento;

World Bank`s Multilateral Investment Guarantee Agency (MIGA) - US$ 350 milhões em garantias (political risk insurance);

Finland`s Export Credit Agency – Finnvera - US$ 330 milhões em resseguros e garantia de compra de crédito;

Nordic Investement Bank - US$ 70 milhões;

Private Banks Calyon (França), Nordea (Noruega/Suécia) e Danske Bank - US$ 393 milhões em carta de crédito.

Além dos financiamentos acima mencionados a Finnfund, uma estatal finlandesa de desenvolvimento financeiro (development finance company) concedeu três financiamentos à subsidiária da Botnia em território uruguaio, a Compañia Forestal Oriental S.A.-FOSA, a título de estruturação das monoculturas de eucalipto destinadas ao suprimento da fábrica.

3.2.3.1 Riscos atinentes aos agentes financeiros

Machteld Spek (2006), analista financeira especialista em mercado asiático, afirma que as análises feitas pelos bancos no que concerne aos seus investimentos, são focadas no aspecto econômico, considerando especialmente os benefícios decorrentes dos

empreendimentos e não aos impactos inerentes a estes. Spek destaca a importância das instituições financeiras apreciarem os impactos ambientais e sociais relacionados à indústria de celulose e papel quando da análise de viabilidade de concessão de linhas de financiamento. Ressalta-se, ainda, o risco de comprometimento da imagem e reputação das instituições, sem descartar a possibilidade destas virem a ser consideradas co-responsáveis diante da ocorrência de um passivo ambiental atribuído a uma empresa beneficiada por financiamentos de determinada instituição financeira.

Dentre os riscos já mencionados, Machteld Spek relaciona outros que julga de essencial avaliação/conhecimento do setor financeiro, a saber:

Riscos Políticos - os riscos políticos concernentes às indústrias de celulose são muito bem demonstrados na “crise das papeleiras”, onde a construção do complexo da Botnia deflagrou uma crise diplomática entre Argentina e Uruguai, resvalando na estabilidade do Mercosul. Uma outra forma de risco político envolve mudanças na legislação ambiental, ou na forma como estas são implementadas, que neste caso pode resultar em dispendiosas mudanças no processo produtivo (em vistas de adequação à nova realidade). Protestos como os desencadeados pela Assembléia Ambientalista de Gualeguaychú e Centro de Estudos de Direitos Humanos e Meio Ambiente - CEDHA podem levar o Governo Uruguaio a reavaliar os critérios de uso do solo, por exemplo;

Riscos Financeiros - a possibilidade do não pagamento dos financiamentos concedidos e a renegociação das dívidas;

Riscos Legais – a titularidade das terras é uma questão complexa em alguns países da América Latina, a exemplo da demarcação de terras indígenas e o reconhecimento das comunidades quilombolas;

Risco de Imagem – empresas que prestam serviços financeiros “consideram o risco de reputação como a maior ameaça ao valor de suas ações no mercado financeiro’’ de acordo com um estudo desenvolvido em 2004 pela Pricewaterhouse Coopers e Economist

Intelligence Unit. O crescente número de protestos contra as fábricas de celulose e respectivas monoculturas é um indício de que os bancos devem considerar atentamente o risco de comprometimento de imagem. O complexo industrial de celulose e papel tem sido foco de

recentes campanhas de ONG`s ambientalistas, que por sua vez tem também focado suas campanhas nos agentes financiadores destes complexos no hemisfério sul.

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