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2 HISTÓRICO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA

3.3 Impactos das plantas industriais e das monoculturas

A operação das fábricas de pasta de celulose é integralmente dependente de um contínuo suprimento de toras de madeira adequadas para este fim. Pode-se afirmar sem risco de equívoco que, onde há uma planta de celulose sempre haverá uma área de monocultura para garantir o suprimento de matéria-prima. O alto grau de integração vertical é determinado pela importância crucial da madeira para a produção dos bens finais e pela impossibilidade de substituí-la, o que torna o controle de abastecimento um fator estratégico e indispensável para estas empresas (KATZ; BERCOVICH, 2003).

Segundo a analista financeira Machteld Spek, grande parte dessas monoculturas pertence às próprias empresas que adquirem esses insumos, ou, em menor escala, valem-se de contratos firmados entre as empresas compradoras e pequenos produtores comprometidos com o plantio de espécies de interesse da indústria de celulose. Ainda de acordo com essa analista, estima-se que (dados de 2006) existe no mundo cerca de 10 milhões de hectares de monoculturas de árvores de rápido crescimento, uma área que tende a aumentar cerca de 1 milhão de hectares por ano. Katz e Bercovich (2003) ressaltam que ao contrário das empresas dos países nórdicos, as empresas florestais na América Latina se diferenciam pelo recebimento de subsídios fiscais que induziram ao desenvolvimento de suas próprias plantações. Significa dizer que ao atuar como um incentivo para a integração vertical, este acaba inibindo o surgimento de uma economia de base florestal apoiada em produtores independentes de madeira, isto é, pequenos e médios produtores, como ocorre, por exemplo, na Finlândia.

As plantações industriais têm sido estabelecidas em grandes áreas do hemisfério sul visando suprir a crescente demanda das indústrias por matéria prima. Estudos desenvolvidos pela ONG CIFOR (2006) demonstram que nos lugares onde estas plantações foram estabelecidas, sérios problemas foram criados acarretando em uma ameaça para a biodiversidade e à sociedade. Dentre esses problemas relacionam-se:

Perda de diversidade – E.O. Wilson, biólogo pesquisador em Harvard e vencedor do Prêmio Pulitzer, estima que florestas de pinus no sul dos Estados Unidos da América contem 90 a 95% menos espécies que a floresta que a precedeu.

Diminuição da disponibilidade hídrica – as monoculturas destinadas às indústrias de celulose e papel são uma ameaça aos recursos hídricos por se tratarem de árvores de rápido crescimento, que por sua vez requerem grandes volumes de água para seu desenvolvimento. A conseqüência é um rebaixamento, mesmo que temporário, dos aqüíferos e a diminuição na disponibilidade hídrica local, o que acaba por afetar de forma negativa as culturas locais e, consequentemente os pequenos produtores rurais.

Pobreza no campo - as monoculturas industriais tendem a aumentar a pobreza nas áreas rurais onde são estabelecidas. O fato das monoculturas demandarem grandes áreas para plantio causa problemas para as comunidades vizinhas, pois a terra é crucial para a subsistência dessas comunidades. E quando a vegetação local é substituída por árvores de rápido crescimento, a perda da biodiversidade, aliada a uma diminuição da oferta hídrica, geram graves problemas ao homem do campo, podendo chegar ao extremo de expulsa-lo das áreas rurais. A exemplo, o Banco de Desenvolvimento Asiático (ADB), que a anos vem financiando o desenvolvimento de plantações industriais no Laos, concluiu que o projeto “healthy forest” aumentou a pobreza local. De acordo com o relatório produzido pelo departamento de avaliação de operações do banco ADB, o projeto “falhou em melhorar as condições socioeconômicas dos beneficiários, enquanto pessoas foram posteriormente levadas

à pobreza por terem de pagar os empréstimos que financiaram plantações fracassadas”. Outro exemplo. No ano de 2004 o International Institution for Environment and Development

(IIED) conduziu na África do Sul estudos que buscavam analisar o papel dos atores que firmaram contratos florestais com membros das comunidades locais e o papel que estes contratos tiveram em mitigar a pobreza local. O estudo concluiu que “os empregos gerados pelos contratos florestais não são capazes de elevar o nível de vida dos trabalhadores, mulheres em sua maioria, retirá-los da pobreza crônica, ou ajudá-los a prevenir que caiam na pobreza”.

Postos de trabalho - os postos de trabalho gerados pela indústria de celulose além de serem poucos, são de alto risco para a salubridade do trabalhador22. O trabalho nas plantações é altamente mecanizado, o que significa a geração de poucos postos de trabalho, muitos deles sem registros adequados. De acordo com a ONU “as piores situações de saúde e segurança no trabalho são usualmente encontradas na atividade florestal”. Recentemente o Censo Agropecuário Uruguaio indicou que as plantações industriais geram menos postos de trabalho que a pecuária extensiva. Por se tratar de uma atividade mecanizada, os empregos gerados são tão somente nos viveiros de mudas, na fase de plantio das florestas e, posteriormente, quando da construção das fábricas. Findada a etapa de construção grande contingente de trabalhadores são dispensados, não só por se tratar de uma quantidade maior de funcionários que os demandados pela futura planta, mas também por não possuírem qualificação passível de aproveitamento nas futuras atividades operacionais. Os trabalhadores dos viveiros e plantações são frequentemente expostos às substâncias químicas perigosas, por vezes sem o uso de EPI (equipamento de proteção individual) adequado, sofrendo condições degradantes de trabalho, além de baixa remuneração.

Poluição do solo e hídrica – o preparo do solo para o plantio de eucaliptos e/ou pinus é feito com a utilização de altas doses de produtos químicos (herbicidas, pesticidas, fertilizantes etc). Ao longo do crescimento das árvores, herbicidas são regularmente aplicados. Uma vez que a plantação atinge seu ponto de corte (entre 15 e 20 anos), o mesmo ciclo se repetirá. O freqüente uso de insumos químicos acaba por contaminar os cursos d água e aqüíferos, seja em razão do carreamento de sólidos, seja pela percolação das substâncias químicas. O solo também se torna cada vez mais pobre em nutrientes, demandando, por conseqüência, maiores quantidades de fertilizantes, podendo ocasionar sua salinização. Por se tratar de uma monocultura não há predadores naturais, dessa forma mais defensivos são necessários para manter a plantação livre de pragas indesejáveis. A poluição não é o único problema relacionado às fábricas de celulose que atinge às comunidades limítrofes, há também o mau cheiro decorrente do uso do enxofre. Outrossim, o uso do ácido sulfúrico no processo faz com que o efluente descartado, mesmo após tratamento, chegue aos corpos d`água a uma temperatura elevada, comprometendo a biota aquática.

22 Os riscos à saúde relacionados a esta atividade estão relacionados à exposição dos trabalhadores à substâncias

químicas perigosas, que causam distúrbios como: câncer, doenças pulmonares, alterações hormonais e no sistema reprodutivo, problemas cardíacos, comprometimento do sistema imunológico e doenças de pele.

Êxodo rural - as monoculturas são estabelecidas alguns anos antes da instalação da planta industrial, o que significa que, em muitos casos, as comunidades rurais existentes no entorno acabam sendo deslocadas, chegando em algumas situações, a abandonarem a região em busca de emprego nos centros urbanos. Esse deslocamento se dá, dentre outros motivos, em conseqüência da perda de biodiversidade e da diminuição na disponibilidade hídrica, inviabilizando a estreita relação de co-dependência com a natureza. Com a diminuição, quando não extinção de predadores naturais, os pequenos produtores rurais se vêem obrigados a utilizar maiores quantidades de produtos químicos em suas lavouras. Entretanto, por vezes esses produtores não dispõem de recursos para fazer frente ao novo custo. A conseqüência é a venda das terras e o êxodo rural. No que concerne aos recursos hídricos, o rebaixamento dos aqüíferos e a diminuição da disponibilidade hídrica ocasionados pela elevada demanda das árvores por esse recurso, obrigam os produtores rurais a buscarem soluções que os proporcione a mesma oferta hídrica existente antes do estabelecimento das monoculturas (como por exemplo o aprofundamento de poços tubulares e a construção de açudes). Todavia as soluções são dispendiosas e os produtores, por vezes não dispõem dos recursos necessários. A conseqüência tende a ser a venda das terras e o êxodo rural.

Demanda Energética – a produção de polpa é intensiva no uso de energia. Segundo a ONG alemã Urgewald, a indústria de celulose e papel é considerada a quinta maior consumidora de energia no mundo, contabilizando 4% de toda energia utilizada pelas indústrias. De uma forma geral a indústria de celulose difunde a informação de que esta consume grandes quantidades de energia renovável, todavia a indústria de celulose continua sendo uma grande consumidora de energia convencional, fato este demonstrado pela Finlândia – grande produtor de papel e celulose, cujas fábricas permanecem altamente dependentes de carvão mineral23.

Entre os fatores de caráter institucional que condicionam o comportamento da indústria florestal, deve-se incluir o impacto que atualmente têm o movimento ambientalista, ao questionar os padrões de proteção ambiental das indústrias e a denunciar a perda de

23Exemplificando a dependência energética de fontes convencionais, a ONG Urgewald afirma em seu relatório

“Banks, Pulp and People” que a empresa finlandesa UPM (uma das líderes mundiais de produtos florestais) e a sueco-finlandesa Stora Enso são juntas as maiores consumidoras e acionistas da Pohjolan Voima, uma empresa finlandesa de geração de energia. Pohjolan Voima por sua vez detêm 57% da também empresa finlandesa de geração de energia Teollisuuden Voima, que tem em andamento a construção da quinta usina nuclear na Finlândia. Mais um claro exemplo da integração vertical nas indústrias de celulose e papel.

qualidade de vida e biodiversidade, que implica o desenvolvimento das plantações e atividades industriais. Não obstante os esforços de muitas empresas na adoção de tecnologias não contaminantes, a crítica que normalmente se escuta é que estas mudanças tecnológicas estão restritas ao final do processo produtivo (end of pipe), o que não soluciona completamente os problemas de contaminação ambiental das unidades fabris. Em tais circunstâncias o que deveria ser feito, segundo esses críticos, é a introdução de processos tecnológicos radicalmente novos (a exemplo do circuito fechado), que alterassem a fundo o paradigma tecnológico dominante da indústria. Outra crítica contundente é o uso de material reciclado como matéria-prima para a produção de papel. Mesmo que este não seja um problema de fácil solução, o aumento dos resíduos sólidos urbanos e a falta de espaço para sua disposição final, constituíram-se um importante elemento de pressão do movimento ambientalista contra a indústria florestal (KATZ; BERCOVICH, 2003).

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