• Nenhum resultado encontrado

Elementos teórico-práticos para a construção do campo da diplomacia ambiental: o caso das indústrias multinacionais de celulose em Fray Bentos (Uruguai) como evento paradigmático

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Elementos teórico-práticos para a construção do campo da diplomacia ambiental: o caso das indústrias multinacionais de celulose em Fray Bentos (Uruguai) como evento paradigmático"

Copied!
117
0
0

Texto

(1)

MARIANA PENA MATA MACHADO

ELEMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS PARA A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA DIPLOMACIA AMBIENTAL: O CASO DAS INDÚSTRIAS MULTINACIONAIS DE CELULOSE EM FRAY BENTOS (URUGUAI) COMO EVENTO PARADIGMÁTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental

Orientador: Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo

(2)

M425e Mata Machado, Mariana Pena.

Elementos teórico-práticos para a constituição do campo da diplomacia ambiental : o caso das indústrias multinacionais de celulose em Fray Bentos (Uruguai) como evento paradigmático / Mariana Pena Mata Machado. – 2008.

160 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2008. Orientação: Paulo Ricardo da Rocha Araujo.

1. Gestão ambiental - Diplomacia. 2. Empresas multinacionais - Uruguai. 3. Celulose - Indústria. 4. Política ambiental - Poluição. I. Araujo, Paulo Ricardo da Rocha, orient. II. Título.

CDU 502.13

(3)

Dissertação de autoria de Mariana Pena Mata Machado, intitulada “Elementos teórico-práticos para a constituição do campo da diplomacia ambiental: o caso das indústrias multinacionais de celulose em Fray Bentos (Uruguai) como evento paradigmático”, requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental, defendida e aprovada em, 18, agosto, 2008, pela banca examinadora constituída por:

PhD Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo Orientador

Dr. Genebaldo Freire Dias Examinador Interno

Dra. Taiane Las Casa Campos Examinadora Externa

Dra. Silvia Keli Alcanfor Suplente Interna

(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a minha Mãe e meu Pai pelas oportunidades que me proporcionaram ao longo da vida, pelos ensinamentos, apoio, paciência e acima de tudo pelo exemplo de dignidade, amizade e honestidade.

Ao Fet, meu grande amor, parceiro e amigo, agradeço por todo carinho e tranqüilidade que me transmite.

Ao meu querido professor e orientador Paulo Ricardo agradeço pelos ensinamentos e pela dignidade de estar sempre ao meu lado, por escolha própria, num momento tão conturbado onde a dominação de um despotismo medíocre tentava ceifar o brilhantismo de mentes pensantes. “Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”

Agradeço aos professores Silvia Keli e Genebaldo Freire, pelo apoio e imparcialidade com que participaram na qualificação do projeto que originou esta dissertação.

A toda minha família e meu primo Marcelo pelos toques jurídicos. Tio Eurico Borba, Maurício Mendonça, Antenor Bogea e Nôra. A Isa com seu silêncio, seu café, alto astral e sua linda família que me acolheu de forma tão amorosa. A Helô de que eu já tinha grande estima e que nossa relação profissional me fez admira-la ainda mais. Adrienne, Negão, Sigrid, Flavinho vocês fazem e fizeram toda a diferença. À Rossana, Andréa Salomão, Ed, Dani Caramujo agradeço pela paciência, pela compreensão de minha ausência e pelo assunto recorrente em quase todas as nossas conversas. Ninguém mais agüentava ouvir falar dessa pesquisa! Ao RC agradeço pela elaboração das figuras apresentadas.

Aos meu colegas de Mestrado com quem compartilhei tantas vivências e onde fiz grandes amigos. A Cris Torres e ao Geraldo Obolari meu especial agradecimento.

Agradeço a todos os professores que tive no Mestrado onde, cada um a sua forma, contribuiu e dividiu experiências. Mas especialmente meu muito obrigada aos professores Antônio José, Mário Teodoro e Ricardo Brites.

(6)

Lo que pasó, eso pasará, Lo que sucedió, eso sucederá: nada hay nuevo bajo el Sol. Si de algo se dice: “Mira, esto es nuevo”, ya sucedió en otros tiempos, mucho antes de nosotros. Nadie se acuerda de lo antiguo y lo mismo pasará con lo que venga.

(7)

RESUMO

O processo de integração do Cone Sul, consagrado na formação do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL está calcado em objetivos claros na busca da integração comercial e política dos países membros, fortalecendo-os para interagirem com a dinâmica da nova ordem econômica mundial. Ao se aprofundar nos processos de integração econômica, afloram problemas que demandam um claro e preciso posicionamento do novo bloco. Nesse sentido, a orientação reconhecidamente economicista desloca para um plano secundário a questão ambiental, dando-lhe menor atenção que àquelas relativas à competitividade comercial. Em meio à alta volatilidade do capital e da multiplicidade de influências que se encontra o mundo corporativo, cada vez mais empresas optam por transferir parte, ou todo o seu processo produtivo para países que lhes apresentem condições mais favoráveis ao acúmulo de capital (leia-se baixos custos de produção, disponibilidade de mão-de-obra, recursos naturais e legislação maleável). Em 2002 a empresa finlandesa ligada ao ramo de celulose e papel Oy Metsä-Botnia decidiu pela implantação de uma fábrica produtora de pasta de celulose no município uruguaio de Fray Bentos, na margem esquerda do rio Uruguai (recurso compartilhado por Uruguai e Argentina). Para viabilizar o empreendimento, iniciou o plantio de florestas homogêneas de eucalipto e a construção de terminal portuário. Acusações do Governo Argentino de descumprimento do Acordo do Rio Uruguai e de causar poluição transfronteiriça, respaldado pelas ações da Assembléia Ambientalista de Gualeguaychú (movimento social argentino), ao projeto de implantação da fábrica de celulose, deflagrou uma crise diplomática entre os países vizinhos. O conflito esgotou o diálogo entre os governos de Nestor Kirchner e Tabaré Vázquez, culminando com uma apelação argentina à Corte Internacional de Justiça de Haia. Este trabalho buscou, por meio da análise do conteúdo dos discursos proferidos pelo atores envolvidos, interpretar e compreender os interesses factuais e retóricos atinentes ao evento. Por fim, constatou-se tratar não apenas de um conflito pela soberania dos países envolvidos pelos recursos naturais e qualidade de vida, mas sim o conflito de uma região, historicamente à margem do sistema capitalista, em relação às demandas de terceiros países e ao seu posicionamento frente às exigências do mercado mundial.

(8)

ABSTRACT

The process of integrating the South Cone, sanctioned by the formation of the South Cone Market – MERCOSUL, is based on clear objectives that pursue the commercial and political integration of the member countries, encouraging and strengthening them to coexist within the dynamics of the new economic world order. By invigorating the economic integration processes, problems are surfacing that demand a precise and clear positioning of the new block. In this sense, the avowedly economic guideline has pushed the environmental issue onto a secondary level, which is getting less attention than those issues related to commercial competitiveness. In the flurry of high volatility of capital and the multiplicity of influences found in the business world, an increasing number of corporations are choosing to transfer their manufacturing process, partly or entirely, to countries offering more advantageous conditions, in economic, juridical, political, social and/or environmental terms. In 2002 the Finnish corporation operating in the field of pulp and paper, Oy Metsä-Botnia, decided to go ahead with the implantation of a pulp mill in the Uruguayan county of Fray Bentos, along the left bank of the Uruguay river (which is shared by Uruguay and Argentina). To make this project feasible, it started the plantation of a homogeneous forest of Eucalyptus and the construction of a port terminal. Accusations by the Argentinean Government of breaching the Rio Uruguay Agreement and of causing across-border pollution, backed by actions of the Environmental Assembly of Gualeguaychú (a social movement in Argentina), in regard to the project of implanting the pulp mill, triggered a diplomatic crisis between the neighboring countries. The conflict strained the dialogue between the governments of Nestor Kirchner (Argentina) and Tabaré Vázquez (Uruguay), culminating with an appeal, by Argentina, to the International Court of Haia. This paper is intended to interpret and understand the factual and rhetoric interests involving this event, through an analysis of the discourse delivered by the stakeholders involved. Finally, it was found that the issue is not merely a conflict regarding sovereignty of the countries involved in claiming the natural resources and quality of living, but rather the conflict of a region that has historically remained alienated from the capitalist system, in relation to the claims of third-party countries and its position regarding the requirements of the world market.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 HISTÓRICO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA.24 3 INDÚSTRIA DE CELULOSE...32

3.1 A expansão da indústria de celulose no hemisfério sul ...33

3.2 Problemas estruturais da indústria de celulose...36

3.2.1 Produção excessiva...36

3.2.2 Consumo excessivo...37

3.2.3 Dependência de subsídios...38

3.2.3.1 Riscos atinentes aos agentes financeiros...40

3.3 Impactos das plantas industriais e das monoculturas ...42

3.4 As indústrias florestais na América Latina...46

3.4.1 Panorama uruguaio...50

3.4.2 Panorama argentino...55

3.4.2.1 Investimentos diretos no setor florestal...58

3.4.3 Projeto Jarí uma relativização nacional...59

4 DESCRIÇÃO DO PROJETO...66

4.1 Aspectos gerais ...66

4.1.1 Marco produtivo...67

4.1.2 As razões para a instalação de uma planta produtora de pasta de celulose...67

4.2 Características do processo de fabricação de celulose ...68

4.2.1 Seleção da tecnologia a ser utilizada...68

4.2.2 O processo kraft...68

4.2.3 Mão-de-obra direta...69

4.2.4 Abastecimento de madeira...70

4.2.5 Preparação da madeira...72

4.2.6 Branqueamento e preparação de branqueadores químicos...72

4.2.7 Transporte da polpa...73

4.2.8 Energia...74

4.2.9 Consumo de água...74

5 ANÁLISE DOS DADOS ...76

5.1 Análise de conteúdo...77

5.2 Metodologia e análise dos dados ...78

5.3 Resultados encontrados...85

5.4 Botnia e Jarí - a polissemia dos discursos...89

6 CONCLUSÕES ...93

6.1 Recomendações...103

(10)

1 INTRODUÇÃO

As conseqüências da globalização nas economias das nações são pontos centrais do debate contemporâneo acerca das novas tendências que se afiguram no cenário internacional do século XXI. A integração de Estados em blocos econômicos regionais, iniciada no século passado, mostrou ser um eficiente mecanismo de fortalecimento dos países participantes e de melhores condições de inserção no novo cenário que se revelava altamente competitivo e globalizado. A propagação dos efeitos das políticas internas dos países ricos e dominantes exige mudanças como liberalização do comércio e a desregulamentação dos mercados nos vários países. Inclui também nas agendas governamentais a questão ambiental, universalizando os passivos ambientais e promovendo uma ruptura no paradigma territorial1. Diferentemente de outras questões setoriais envolvidas num processo de integração, como política industrial, política agrícola, tarifas comerciais e competitividade econômica, a proteção ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais gradativamente tem se imposto como questões fundamentais por sua própria natureza e dinâmica e, sobretudo, pelo apelo intrínseco representado pela ameaça imposta pela contínua degradação do meio ambiente, particularmente para a espécie humana.

Esta Dissertação de Mestrado tem o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL como cenário macrossociológico. Nele, além da busca pela competitividade mercadológica, o processo de integração regional apregoa a busca por níveis cada vez maiores de qualidade de vida e de desenvolvimento de suas sociedades. Entretanto, considerando a orientação reconhecidamente economicista, muitas políticas setoriais são colocadas num plano secundário ou negligenciadas, recebendo menor atenção que aquelas relativas a questões de competitividade comercial. Com isto, por vezes, pode-se avaliar o MERCOSUL como uma

1[...] os territórios nacionais se transformam em um espaço nacional de economia internacional [...] A noção de

territorialidade é ameaçada e não falta que fale de desterritorialização [...] atribuindo-lhe alguns significados extremos, como o da supressão do espaço pelo tempo [...] ou o do surgimento do que chamam de ‘não-lugar’ [...] As empresas multinacionais curtocircuitam os Estados [...], exercendo o que Aldo Paviani e N. Pires (1993: 125-136) chamam de ‘gestão externa de territórios’ [...] A globalização [...] deve ser entendida como uma ‘gestão global de múltiplas diferenciações territoriais’ [...] Se verifica uma verdadeira ‘erosão da soberania nacional’ [...] (SANTOS, 2004 apud SEGATO, 2005, p. 4).

(11)

integração parcial e permanentemente ameaçada pela extensão de problemas de um processo de integração que exige o tratamento adequado de uma gama maior de assuntos que aqueles relacionados com o desenvolvimento comercial apenas (IRACHANDE, 2002). Nesse contexto, um dos setores que parece caminhar em compasso secundário é o do meio ambiente, onde as recomendações feitas por organismos supranacionais, a exemplo do SGT 6 (subgrupo de trabalho do meio ambiente, criado em 1995, no âmbito do MERCOSUL) são, freqüentemente, determinadas pelas circunstâncias/demandas econômico-comerciais (ibid.).

A integração sistemática da política de meio ambiente com outras políticas regionais, remete para a necessidade de uma análise mais ampla do contexto no qual tais políticas são delineadas: um locus de relações de poder, de competição, de soberanias e de sociedades com objetivos e interesses diversos, quando não divergentes.

Diante do exposto e, em meio à alta volatilidade do capital e da multiplicidade de influências que se encontra o mundo corporativo, cada vez mais empresas de grande porte optam por transferir parte, ou todo, o seu processo produtivo para países que apresentem condições mais interessantes; sejam elas de ordem econômica, jurídica, política, social e/ou ambiental.

Seguindo esta tendência, em 2002, a empresa finlandesa ligada ao ramo de celulose e papel, Oy Metsä-Botnia, aqui denominada Botnia, decidiu pela implantação de uma fábrica produtora de pasta de celulose de fibra curta e respectivo terminal portuário, no município uruguaio de Fray Bentos. A planta está localizada em uma região de zona franca uruguaia na margem esquerda do rio Uruguai2 a uma distância de 5,2Km em linha reta da zona urbana de Fray Bentos e a 1Km do acesso à ponte internacional Libertador General José de San Martín, que liga Fray Bentos a Puerto Unzué (Argentina). No lado oposto do rio, a uma distância superior a 4 km, encontra-se o município argentino de Gualeguaychú (Cf. Figura 1).

2 Rio Uruguai forma a Bacia do Prata, juntamente com os rios Paraná e Paraguai. Trata-se de um recurso natural

compartilhado entre Argentina e Uruguai. Este forma-se pela junção dos rios Canoas e Pelotas, na divisa entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em seu curso inicial serve de fronteira entre o Brasil e Argentina, quando então recebe o rio Quarai, afluente da margem esquerda que atua como fronteira entre o Brasil e o Uruguai. A partir da desembocadura do Quaraí, o rio Uruguai segue para o sul até a localidade de Nueva Palmira, onde lança suas águas no rio da Prata. Seu percurso total é de 1.770Km, onde os 508Km finais correm entre terras uruguaias e argentinas. Atualmente o rio apresenta um nível de qualidade de água

(12)
(13)

A produção anual de pasta de celulose desta fábrica será de 1 milhão de toneladas, toda ela destinada ao mercado externo. Credita-se a localização do projeto às favoráveis condições climáticas, como insolação e disponibilidade hídrica; disponibilidade de terras férteis, mão-de-obra, facilidades apresentadas pelo governo uruguaio ao empreendedor, além de subsídios e financiamentos concedidos por organismos fomentadores. Segundo o Movimento Mundial por los Bosques Tropicales (WRM), acrescenta-se a esta escolha, diretrizes políticas adotadas pelo governo uruguaio a partir da década de 1950, acerca do desenvolvimento florestal no país. Ademais, estudiosos como Hugo Presman (2006) afirmam que os bosques europeus não possuem biomassa suficiente para atender à demanda da União Européia por papel, tornando-se vital a busca por novas fontes de matéria prima.

A Dissertação ora apresentada consiste em uma análise dos aspectos empírico-teóricos3 que constituem a crise diplomática instaurada entre Argentina e Uruguai em decorrência da implantação da fábrica produtora de pasta de celulose no Uruguai. Inicialmente eram duas fábricas: a finlandesa Botnia e a espanhola Ence. Entretanto, diante da crise diplomática deflagrada entre os países vizinhos, a Ence não prosseguiu com a instalação de sua fábrica em Fray Bentos, optando por implantá-la na cidade de Punta Pereira, província de Colônia (Uruguai).

Trata-se de uma pesquisa cuja abordagem pretende, de forma preliminar, interpretar, compreender os interesses fatuais e retóricos atinentes ao evento. O conflito que teve início em 2002 esgotou o diálogo entre os governos de Nestor Kirchner e Tabaré Vázquez, culminando com uma apelação argentina à Corte Internacional de Justiça de Haia em razão do rompimento de um Acordo Internacional4 (onde o impetrante não logrou ganho de causa e o processo segue em andamento), chegando ambos os países, por fim, a solicitar a intervenção do Rei da Espanha Juan Carlos II como facilitador.

A primeira reunião das delegações argentina e uruguaia com o representante do Rei da Espanha, realizada em abril de 2007, marcou o início de um diálogo direto, que, certamente, demandarão novas e longas rodadas de negociação. Como primeiros resultados os países

3 Por aspectos empírico-teóricos entende-se como um conjunto de conhecimentos fundamentais sobre economia,

diplomacia e gestão ambiental, a serem contrapostos às ações e locuções adotadas pelos atores envolvidos na crise instaurada entre Argentina e Uruguai.

4 O Estatuto do Rio Uruguai, assinado em 1975 por Argentina e Uruguai, prevê que qualquer projeto que tenha

(14)

mantiveram suas posições, nas quais Argentina exigia a relocação da fábrica, e Uruguai reclamava a paralisação dos bloqueios às pontes, orquestrado pela Assembléia Cidadã Ambientalista de Gualeguaychú5, e propunha um monitoramento conjunto dos efluentes resultantes do processo produtivo. A reunião seguinte, realizada em maio deste mesmo ano na cidade de Nova York – EUA, não resultou em qualquer tipo de solução, entretanto, saídas para o conflito foram cogitadas e as partes se comprometeram na continuidade do diálogo.

Com a crise entre Argentina e Uruguai, evidencia-se um mosaico de complexidades e divergências6 existentes entre os atores envolvidos, onde discursos ecotecnológicos e de orientações economicistas7 se contrapõem aos de natureza biocêntrica e às falas cujos agentes não se identificam claramente. O Governo Argentino opõe-se ao empreendimento alegando que este causaria degradação ambiental transfronteiriça em razão do descarte inadequado de efluentes industriais, da emissão de gases tóxicos e da extração de grandes volumes de água do rio, além de comprometer o turismo no país. Kirchner também acusa o vizinho de violação do Estatuto do Rio Uruguai, afirmando que o governo uruguaio teria outorgado a Botnia o dobro do volume de água que a empresa informou demandar em seu projeto de engenharia e no estudo de impacto ambiental. Entretanto, cabe ressaltar que o município argentino de Gualeguaychú hospeda, além de suas termas e praias fluviais, um parque industrial onde estão presentes grandes fábricas intensivas na explotação de recursos naturais, como Unilever e Sucos Baggio, além de indústrias do ramo de celulose e papel. O Governo Uruguaio procura

5Movimento social argentino que se opõe a instalação das indústrias de celulose em território uruguaio. Como

forma de protesto a Assembléia tem protagonizado inúmeros bloqueios às pontes internacionais que ligam Uruguai e Argentina e o fechamento de estradas que interligam os países, ocasionando em grandes prejuízos econômicos para ambos Estados. A Assembléia conta com assessoria das ONGs Greenpeace Argentina e Fundação Centro de Estudos de Direitos Humanos e Meio Ambiente (CEDHA), que por sua vez são

organizações que tem liderado as investidas contra as indústrias de celulose, visando tornar o Mercosul “livre de eucaliptos”.

6 Como exemplo o Tratado de Roma (1957), que instituiu a Comunidade Européia e que não faz menção à

temática ambiental. Todavia este fato não impediu que um conjunto de regras sobre o assunto se desenvolvesse em paralelo. Um evento ilustrativo é a regulamentação responsável pela criação do selo ambiental comunitário em 1987 (ecolabel), por recomendação do Parlamento Europeu. Trata-se de um programa comunitário de rotulagem ecológica, posteriormente aprovado pelo Conselho da União Européia em 1992, com o objetivo de “promover o desenho, produção, comercialização e consumo de produtos com reduzido efeito ambiental durante o ciclo de vida e informar melhor os consumidores sobre o impacto dos produtos no meio ambiente” (Resolução do Parlamento Europeu de 19 de junho de 1987, regulamentado pela União Européia de acordo como regulamento no 880/92 do Conselho que criou o sistema comunitário de atribuição do rótulo ecológico apud QUEIROZ, 2003).

Outro exemplo mais atual é a não ratificação dos Estados Unidos da América ao Protocolo de Kyoto, alegando que as regras do Protocolo causariam impactos negativos à economia deste país. O Protocolo preconiza uma redução de 5,2% das emissões de gases causadores do efeito estufa pelos países industrializados. A não ratificação norte americana, não impediu que estados da federação norte americana, a exemplo da Califórnia, estabelecessem às empresas lotadas nesses estados, limites de redução dos gases causadores do efeito estufa.

7Para maiores informações sobre “discursos ecotecnológicos” e “orientações economicistas” sugere-se a leitura

(15)

destacar as benesses econômicas decorrentes da implantação do projeto e avançadas tecnologias a serem utilizadas, em um claro exemplo de dominação da natureza pelo homem. Trata-se de um investimento de US$1,2 bilhões que acarretará em um incremento da ordem de 1,6% no PIB uruguaio8, gerando mais de 4.000 postos de trabalhos durante a construção da fábrica e cerca de 8.000 novos empregos indiretos na região como conseqüência do projeto, segundo informações concedidas pela empresa. Tabaré Vázquez garante que todo o processo de avaliação, licenciamento e implantação da fábrica tem sido conduzido em conformidade com a legislação ambiental e cumprido com os acordos firmados com o país vizinho.

A argentina Assembléia Cidadã Ambientalista de Gualeguaychú, assessorada por organizações ambientalistas vinculadas ao establishment internacional, utiliza-se de um discurso alarmista sobre os impactos das atividades antrópicas no meio ambiente, de forma sagaz, como meio de atingir seus objetivos. Segundo observações de Costa, como parte de uma estratégia geopolítica, econômica e comercial, contra a integração e o pleno desenvolvimento da América do Sul, e não de “proteção ambiental”. Nesse contexto o evento de Fray Bentos permite a inferência de que os interêsses nacionais de países visados (no caso o Uruguai) são subordinados a interêsses de mercado e aos dos mentores e patrocinadores do aparato ambientalista (COSTA, 2006).

Por fim, a finlandesa Botnia comporta-se de forma indiferente, optando pela condição de manter-se distanciada da discussão, desde o primeiro sinal de divergências entre Argentina e Uruguai. Tal postura é corroborada pela não realização de consultas e/ou audiências públicas com a comunidade de Gualeguaychú e, mesmo diante da solicitação do governo uruguaio para que a Botnia paralisasse as obras por 90 dias (definida na Cúpula de Santiago), a mesma não o fez sob as alegações de que não recebeu qualquer pedido oficial de paralisação e que não poderia deixar seus empregados sem receber seus vencimentos. O governo uruguaio, segundo o Chanceler Reinaldo Gargano, refuta a declaração e reitera que solicitou à

8Entretanto este aumento no PIB, não significa uma melhoria na redistribuição de riquezas, ou na qualidade de

(16)

Botnia a paralisação das obras. Segundo divulgação da mídia argentina, a empresa haveria encaminhado a referida solicitação à sua central em Helsinki (Finlândia), mas esta, por sua vez, não acatou a demanda do governo uruguaio, ordenando a continuidade das obras.

Desde o início da década de 1970 a questão ambiental tem figurado com destaque nas agendas governamentais mundiais e, sua relação com a economia e o mercado, é cada vez mais simbiótica. Em um cenário de economia globalizada no qual a formação de blocos econômicos de livre comércio é condição sine qua non de organização e empowerment das relações mercantilistas entre Estados, as questões ambientais, por vezes protagonizam como vítimas, por outras como vilã, mas sempre como ferramenta de legitimação. Isso tem se mostrado de forma contundente na crise entre Argentina e Uruguai. Nela a aparente fragilidade na coesão dos países membros do Mercosul, às ameaças de acordos bilaterais, somadas a interêsses econômicos individuais e à ausência de regras comuns aos países membros do bloco, resultaram em uma crise diplomática que tem acarretado prejuízos mútuos às economias e às relações societárias.

(17)

A globalização das economias9 trouxe não só mudanças na concepção de mercado e de comércio, mas também, acarretou uma nova configuração do que outrora estabelecia o conceito de território. A contemporaneidade é marcada pela desnacionalização do capital, por empresas que cruzam territórios e tornam-se hegemônicas nos lugares onde se estabelecem, especialmente em se tratando de países em desenvolvimento. Evidencia-se para Chesnais (1986 apud ARAUJO; MATA MACHADO, 2007b) que não haveria um globo comandado, livremente, pelo mercado: o que haveria pode ser compreendido como um mundo organizado de modo bastante rígido, impondo uma verdadeira camisa de força às nações consideradas mais frágeis [...] no qual “os grandes globalizam, e os pequenos adaptam-se”. Nesse contexto, o geógrafo Cláudio Egler (2006) observa que o papel de guardião dos lugares, atribuído institucionalmente ao Estado, não é suficiente para garantir o controle efetivo sobre o território, que é compartilhado com as empresas transnacionais que operam as redes logísticas que o atravessam. Essas, por sua vez, embora desejem a volatilização total das redes físicas, continuam prisioneiras do território, sujeitas à capacidade de mobilização social de seus habitantes. Reitera-se que as grandes corporações permanecem dependentes de uma “licença social” para operar seus negócios, a qual pode ser sumariamente revogada caso sejam percebidas transgressões sócio ambientais.

A “crise das papeleiras”, como ficou conhecida, é hoje considerada como um dos problemas de maior complexidade do bloco, acarretando um enfraquecimento da união do MERCOSUL, vivenciando de modo perplexo a possibilidade, cada vez maior, de que os sócios menores, a exemplo do Chile, firmem acordos bilaterais. Corrobora ainda com esta instabilidade, o distanciamento histórico entre Argentina e Brasil, as negociações brasileiras com a Bolívia e com a Venezuela de Hugo Chávez, e a recente tensão entre os Governos Equatoriano e Colombiano envolvendo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC. Esse cenário contextualiza mediações da prática de relações internacionais entre Estados Nacionais pela coexistência com matizes ideológicos de mentores e patrocinadores ideológicos do aparato ambientalista internacional. As relações de poder e legitimidade dessa crise diplomática são potencializadas por alguns atores hegemônicos que ampliam e divulgam

9 Com a globalização econômica, novos canais emergem para a transmissão internacional dos efeitos

(18)

o debate ambiental, uniformizando o discurso e pensamento ambiental, fato que reflete a concentração de poder político e financeiro que atua como forma de lobby (ARAUJO, 2002).

Esforços diplomáticos têm sido despendidos objetivando dirimir o conflito. Entretanto, a exigência argentina de relocação da planta industrial, respaldada pelas controvertidas ações da Assembléia Cidadã Ambientalista de Gualeguaychú, e acirrada pelas declarações do presidente da Oy Metsä-Botnia, antagônicas ao que afirma o Governo Uruguaio, mostram o quão longe se encontra a superação da crise.

A despeito de Argentina e Uruguai figurarem como os atores principais, o problema que trata esta pesquisa é de ordem tri nacional. Nesta, a finlandesa Botnia além de postar-se distanciada da discussão desde o primeiro sinal de divergência entre os países vizinhos, apresenta disparidades e incongruências nas afirmações feitas por seus representantes quando confrontadas à sua Política Ambiental e seus Princípios de Responsabilidade Social (Oy Metsä-Botnia, 2007 – Cf. Anexo A).

Diante do exposto, a “crise das papeleiras” - como ficou conhecido esse acontecimento - evidencia o caráter de experiência crucial desse evento. O conflito exemplifica com clareza, as imbricações atinentes às esferas econômica, diplomática e ambiental, ressaltando a fragilidade das relações entre economias em desenvolvimento (muitas vezes ricas em recursos naturais) e a lógica de expansão das empresas transnacionais. Cabe ainda, menção à forma como, na prática, a busca por legitimação dos interesses do aparato ambientalista internacional se manifesta e se associam aos movimentos sociais locais, criando uma complexa rede de articulações, na qual, por vezes, não se distingue com clareza o interlocutor nos discursos proferidos.

Busca-se nesta dissertação informar o debate sobre a relevância do planejamento e gestão ambiental na construção de desenhos futuros de um mundo inspirado pela paz, sustentabilidade e justiça ambiental. Para tal valeu-se da análise dos fatores de polissemia dos discursos ambientais, na prática da cooperação internacional e econômica entre países, a partir da crise diplomática instaurada entre Uruguai e Argentina.

(19)

desafiariam a hegemonia e assimetria das relações de poder econômico ou, ao contrário, seriam novas contemporaneidades conflituosas a partir de antigos locii das mesmas ‘cicatrizes’ geopolíticas.

O direcionamento deste estudo é alicerçado na hipótese de que a “crise das papeleiras” não representa uma mudança paradigmática nas relações entre Estados Nacionais mas, sim, um mimetismo adaptado às demandas contemporâneas.

Os problemas ambientais com que nos defrontamos não são novos, mas só recentemente sua complexidade começou a ser entendida. Antes, nossas maiores preocupações voltavam-se para os efeitos do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Hoje, temos de nos preocupar também com o modo como a deterioração ambiental pode impedir ou reverter o desenvolvimento econômico [...] (BRUNDTLAND, 1988).

A análise da questão delimitada circunscreve-se espacial e temporalmente: espacialmente, o estudo é centrado no bloco de integração regional do MERCOSUL, mais especificamente Argentina e Uruguai, não se extrapolando esta análise para outros eventos ou circunstâncias que se verifiquem nesta região. Por se tratar de um evento ainda em transcurso, o corte temporal do estudo será feito a partir da notoriedade da decisão de implantação da indústria finlandesa em território uruguaio (o que se deu por meio da divulgação do relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID em setembro de 2002), tendo como marco temporal final o mês de junho de 2007 (quando da qualificação do projeto que originou essa dissertação). O estabelecimento de um período a ser analisado é fundamental em um estudo de caso cujo evento ainda encontra-se em seqüência.

Metodologia

(20)

Chizzotti (1991) observa que o processo da Pesquisa Qualitativa não obedece a um padrão paradigmático. Vale muito o trabalho criativo do pesquisador, que deve ter a perspicácia para elaborar uma metodologia adequada ao seu campo de pesquisa. Metodologia esta que deve expor e validar os meios técnicos adotados, demonstrando a cientificidade dos dados colhidos e dos conhecimentos produzidos.

Diante das características do objeto a ser estudado, os instrumentos de coleta e análise das informações que serão utilizadas nessa pesquisa, consistem em Estudo de Caso cujos dados serão apreciados valendo-se da Análise de Conteúdo. O levantamento foi realizado a partir de dados já analisados e devidamente compilados (pesquisa bibliográfica), bem como a partir dos ainda não analisados (pesquisa documental).

O Estudo de Caso, por sua vez, apresenta-se adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo dada a concretude do contexto, no qual os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos (YIN, 2001 apud GIL, 2002). Chizzotti (1991) observa que seu objetivo é apresentar os múltiplos aspectos que envolvem um problema, mostrar sua relevância, situa-lo no contexto em que acontece, e indicar as possibilidades de ação para modificá-lo. Do mesmo modo, a escolha deste instrumento se faz pertinente pelo propósito de explicar as variáveis causais do fenômeno que se pretende estudar. Em particular por sua inserção na complexidade de um contexto de relações que inviabilizam a utilização de levantamentos e experimentos.

Gil (2002) observa que os propósitos do Estudo de Caso não são os de proporcionar o conhecimento preciso das características de um fenômeno, mas sim, proporcionar uma visão global do problema ou de identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados.

A partir desse entendimento, as demais informações que irão complementar a coleta de dados e análise do problema apresentado, serão obtidas por meio de pesquisas bibliográficas e documentais.

(21)

conteúdos eletronicamente tratados. A escolha deste conjunto de informações reside no fato de que o mesmo permite ao pesquisador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que se poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos. Corroborando a escolha deste procedimento figuram ainda, as pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema e os estudos históricos dos países envolvidos, que também costumam ser desenvolvidos mediante fontes bibliográficas (GIL, 2002).

Enquanto a Pesquisa Bibliográfica utiliza fundamentalmente das contribuições de diversos autores sobre determinados assuntos, a Pesquisa Documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico (“documento de primeira mão”), ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2002). Neste sentido, serão analisados documentos oficiais emitidos pela Oy Metsä-Botnia, em especial com relação ao empreendimento.

Ainda segundo Gil (2002), convém ressaltar que pesquisas elaboradas com base em documentos são importantes não porque respondem definitivamente a um problema, mas porque proporcionam uma melhor visão desse problema ou, então, hipóteses que conduzem a sua verificação por outros meios.

(22)

Estrutura da Dissertação

A estrutura desta Dissertação, além desta introdução que apresenta o referencial teórico no qual são descritas as linhas de percepção e orientação conceitual sobre o debate ambiental, assume a seguinte forma: o primeiro capítulo retrata o histórico das empresas transnacionais na América Latina, as relações destas empresas com os governos locais, as operações das transnacionais na contemporaneidade e a configuração do “não lugar”. Além da temática principal a que trata o capítulo, são abordados conflitos históricos pregressos entre países sul americanos e países ibéricos, no intuito de demonstrar analogamente as relações existentes entre estes e os conflitos contemporâneos.

O segundo capítulo trata especificamente da indústria de celulose, suas características particulares, a expansão desta indústria no hemisfério sul e os impactos sócio-ambientais destas plantas industriais e suas respectivas monoculturas. Ainda nesse capítulo, descreve-se um panorama geral do setor florestal no Uruguai e na Argentina e por fim o Projeto Jarí é apresentado ao leitor a título de permitir uma analogia com o tema que trata essa pesquisa.

Em seguida, o capítulo três discorre sobre o projeto da finlandesa Botnia no Uruguai. São abordados aspectos gerais do projeto, como as razões que levaram a empresa a escolher Fray Bentos como local ideal para a instalação da planta, assim como as características do processo de fabricação de celulose.

No quarto capítulo, dedicado à análise de conteúdo dos discursos proferidos pelos atores, a metodologia é explicada de forma pormenorizada e os resultados apresentados e explorados. Ainda nesse capítulo, é feita uma relativização dos resultados encontrados com aspectos específicos do Projeto Jarí. Serve este capítulo de reflexão crítica sobre a problemática do papel que meio ambiente tem na economia das nações latino americanas e a forma como esse ativo tem sido tratado nas relações internacionais.

(23)

cuja intenção é analisar os discursos proferidos pelos atores envolvidos. Ainda neste capítulo são apresentados os resultados encontrados e respectiva interpretação.

Por fim o sexto capítulo apresenta ao leitor as conclusões encontradas pela autora acerca da crise diplomática abordada nesta dissertação, assim como recomendações ao desenvolvimento de futuras pesquisas e considerações finais que contextualizam cronologicamente o evento.

A complexidade do problema ambiental e suas específicas nuances, vão muito além da análise apresentada nessa dissertação. Os limites de tempo, recurso e a finalidade deste estudo, obrigam numa escolha de orientação a seguir e no balizamento da análise, que resulta em limitações se comparado com a magnitude e dinâmica da realidade. A despeito de algumas das análises aqui feitas carecerem de adaptações e ajustes, foi tomado muito cuidado no intuito de evitar que as inferências feitas não fossem simplórias nem redutoras ao ponto de distorcer a realidade estudada.

(24)

2 - HISTÓRICO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA

Para se compreender e analisar a “crise das papeleiras” faz-se necessário buscar o conhecimento de episódios da história das empresas multinacionais na América Latina. Segundo observações do professor Alfred J. Hagan (apud SILVA, 1988), na década de 1940, o continente Latino Americano recebeu vultosos investimentos internacionais para construção de infra-estruturas, como pontes, rodovias, portos e barragens. Como poucas vezes existia garantia financeira para esses empréstimos, os governos da época ofereciam terras como forma de pagamento. As empresas credoras utilizavam essas terras para o desenvolvimento da indústria de mineração e agricultura extensiva para exportação. O êxito desses empreendimentos e o crescente mercado levaram a que outras empresas viessem a investir nos países latinos americanos. A partir de 1957 os investimentos externos que eram fortemente representados pelos EUA cedem lugar à Europa, que atinge a maturidade como mercado em 74, passando então, juntamente com o Canadá, a investir em países em vias de desenvolvimento.

Diante do crescente movimento de mundialização do capital,10 as empresas transnacionais investiram fortemente na expansão de seus negócios, criando uma rede logística cada vez mais estruturada em alguns países da América Latina. A Botnia ilustra bem essa tendência, onde além da planta industrial de Fray Bentos, construiu, nas imediações da fábrica, um porto para escoamento da produção. A finlandesa ainda possui uma subsidiária, a Compañia Forestal Oriental S.A.11, que é atualmente a maior produtora de madeira no Uruguai e a terceira maior proprietária de florestas plantadas no país, que por sua vez suprirá a nova fábrica com 70% da matéria prima necessária. Ainda com relação à verticalização das

10A mundialização do capital é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente ligados, mas distintos.

O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan (CHESNAIS, F. 1996).

11A principal acionista da Compañia Forestal Oriental S.A. (FOSA) é a Oy Metsä-Botnia com 60% das ações;

38,8% são de propriedade da empresa finlandesa produtora de papel UPM-Kymmene e os restantes 1,2% pertencentes à Finnfund – Fundo Finlandês de Cooperação Industrial Ltda. A FOSA juntamente com o Grupo Otegui detêm respectivamente 50% das ações da Tile Forestal, (empresa de exportação, logística e

(25)

atividades12, a planta de Fray Bentos é auto-suficiente na geração de energia, podendo inclusive comercializar o excedente energético.

Chesnais observa que a liberalização do comércio levou a uma notável acentuação de sua polarização, bem como a crescente marginalização de muitos países. Na época das fronteiras nacionais parcialmente protegidas e dos mercados domésticos regulamentados, o capital já gozava de mobilidade, mas ainda estava, em certa medida, enquadrado, delimitado. A liberalização, com a desregulamentação que a protege e acentua seus efeitos, devolveu ao capital uma liberdade de escolha quase total, no momento em que as novas tecnologias ampliam as opções como em nenhuma época anterior da história do capitalismo (CHESNAIS, 1996).

Entretanto, não é todo o planeta que interessa ao capital mas, somente, partes específicas em dada janela temporal. O interesse por determinados espaços é legitimado pela capacidade que estes têm, em alguma forma, de multiplicar o capital nele aplicado, mesmo que em decorrência de atividades potencialmente degradantes sob o aspecto sócio ambiental. O destino reservado a certos países, e em especial os da América Latina, em função dos fundamentos e da evolução do sistema capitalista, pode ser lido com toda a clareza no lugar que lhes é atribuído no comércio internacional.

O filólogo Antônio Hauaiss define colonialismo como uma “política pela qual uma nação mantém sob sua dominação outra nação ou território” (HOUAISS, 2003). O interesse, mencionado anteriormente, que alguns países latino americanos despertam nos países desenvolvidos, remete ao ideário do neocolonialismo13, onde inexiste um vínculo com o país

12A verticalização das atividades consiste na estruturação de uma cadeia produtiva fechada, pertencente ao

mesmo grupo. Exemplo: uma empresa produtora de papel, que compra polpa de celulose de uma outra empresa pertencente ao mesmo grupo, que tem seu abastecimento energético feito por uma outra empresa controlada e escoa a produção por uma empresa de logística, também pertencente ao mesmo grupo. Dessa forma o empreendedor acaba por produzir papel a um custo inferior ao praticado pelos que não contam com essa estrutura.

13 Na atualidade, o colonialismo não mais pode ser caracterizado pelo domínio exclusivo de uma metrópole

(26)

onde se estabelecem, assim como uma integração com o povo e sua cultura local. A relação é pautada na efetivação de interesses próprios das nações hegemônicas.

A história da América Latina é rica em fatos que denotam o papel que este continente representava e ainda hoje representa no cenário internacional (novas contemporaneidades conflituosas a partir de antigos locus de mesmas cicatrizes geopolíticas). Como fato pregresso cabe registro a emblemática Mina de Potosí. Descobertas em 1545 ao sul do território da hoje República da Bolívia, eram também conhecidas como "cerro rico" ou a montanha de prata. Potosí foi a principal produtora de prata durante o período colonial (séc. XVI a XIX), responsável por mais de 60.000 toneladas de prata então enviadas para as cortes européias. Historiadores associam este constante fluxo de prata para Espanha, e depois para os outros paises, como um dos aspectos responsáveis pelo início do capitalismo europeu. As Minas de Potosí não foram apenas um saque de proporções históricas, mas também uma tragédia humana. Calcula-se que entre 1 e 8 milhões de pessoas morreram trabalhando nas minas. Primeiro índios do altiplano, depois escravos africanos fornecidos por outras potências européias (ZENÓBIO, 2007).

Na história contemporânea, a indústria da mineração ainda mantém, se não a mesma, semelhante estrutura ideológica ao período colonial. No Brasil, grandes grupos estrangeiros detêm concessões de lavra de minerais estratégicos e com alto valor de mercado.

Empresa Origem

Minério

Explorado Localização da Mina

AngloGold Ashanti Inglaterra / África do Sul Ouro GO / MG

Anglo American Inglaterra / África do Sul Níquel GO / MG

Rio Tinto Inglaterra Ferro MS

BHP Billiton Inglaterra / Austrália Ferro MG

Mirabela Nickel Ltd. Austrália Níquel BA

Kinross Gold Corporation Canadá Ouro MA / MG

Yamana Gold Inc. Canadá Ouro e Cobre MT, GO, BA

Quadro 1 - Principais mineradoras estrangeiras atuantes no Brasil Fonte: SALIBA, 2007.

(27)

próprios para o escoamento produtivo, adotando uma gestão verticalizada da produção. O produto final, em sua maioria destinada à produção de ração animal, é exportado, beneficiado, para então ser importado pelo Brasil. Mimetizando na contemporaneidade um papel outrora atribuído aos países latino-americanos no cenário internacional.

Contraditoriamente, há também relações pouco eqüitativas entre o Brasil e outras nações do continente latino americano. A recente nacionalização da exploração do gás e petróleo na Bolívia de Evo Morales, que resultou em um aumento nos impostos de 18% para 50%, mostrou que, independente de posições políticas, a brasileira Petrobras figurava, juntamente com empresas britânicas, francesas e espanholas, como a representante de um capital hegemônico defendendo interesses próprios. Nesse contexto explorava as riquezas minerais bolivianas em troca de royalties de 18%. Segundo nota da BBC Brasil, a Petrobrás é a empresa estrangeira com mais investimentos na Bolívia. Até maio de 2006, chegou a responder por 18% do Produto Interno Bruto (PIB) e por 22% da arrecadação de impostos do país.

O poderio das modernas empresas transnacionais supera em muito tudo o que se conhece das antigas companhias de navegação e comércio que operavam, por concessão real, nas colônias dos países europeus (MARTINES, 1987). Chesnais (1996) observa que as operações das contemporâneas transnacionais são caracterizadas pela elevada mobilidade dos investimentos, pela capacidade de redirecionar constantemente suas atividades e, no que diz respeito aos países em desenvolvimento, pela total ausência de enraizamento em dado país ou de compromisso com o mesmo (configurando o “não-lugar” - SANTOS, 2004). Tais características conferem extrema volatilidade às operações e ao capital, onde, a qualquer momento as atividades podem ser descomissionadas e a empresa transferida para outro local de maior conveniência.

(28)

em lidar com os investidores estrangeiros na base em “cada caso é um caso”, ao invés de preestabelecer códigos e leis cumpríveis, que regulem as relações com todos os investidores (HALLIDAY, 1987).

Mas as empresas transnacionais não representam somente aspectos positivos às economias em desenvolvimento. Freqüentemente elas enfrentam um problema retórico onde buscam resolver o hiato (que varia de natureza e intensidade dependendo dos públicos locais, nacionais ou internacionais) entre a maneira como elas são percebidas, entendidas e acreditadas e a maneira como gostariam que fossem essas percepções, compreensão e crédito (HALLIDAY, 1987). Atualmente, a forma que tem sido estrategicamente utilizada pelas empresas na busca por legitimação, é conferir à corporação uma postura “verde”, ou seja, um posicionamento pró ativo e responsável no que tange à interface das atividades empresariais e a preservação ambiental. Ademais diante da nova roupagem ecológica assumida pelo capitalismo, a questão ambiental tem interferido sobremaneira no planejamento estratégico das empresas, tornando-se um aspecto importante na organização das corporações, gerando políticas, metas e planos de ação. Um bom exemplo dessas ferramentas de gestão são os selos e certificações internacionais também denominados ecolabelling. Assim como as normas ISO 14.001, a Social Accountability (SA 8000), a britânica OHSAS 18000 e a Forest Stewardship Council (FSC)14, para citar algumas, que concedem às empresas detentoras, um aval legítimo de sua responsabilidade sócio-ambiental, além de representarem o passaporte de acesso ao mercado internacional (ARAUJO; MATA MACHADO, 2007b). Os acordos internacionais como a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies em Extinção da Fauna e da Flora Silvestre (CITES), o Protocolo de Montreal sobre substâncias que afetam a camada de ozônio, a Convenção da Basiléia sobre o controle do movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e mais recentemente o Protocolo de Kyoto, são outros exemplos que ilustram essa tendência ecológica do capitalismo.

14 ISO 14000 – Sistema de Gestão Ambiental; SA 8000 - é um certificado social, que verifica, entre outros

aspectos, as condições de trabalho em toda a cadeia produtiva, tendo como foco a responsabilidade social corporativa; OHSAS 18000 - estabelece requisitos relativos a um sistema de gestão em saúde e segurança no trabalho, concebida de forma a assegurar o planejamento, a realização, o monitoramento das atividades, assim como a prática da melhoria contínua, o que a torna totalmente alinhada com os Sistemas de Gestão Ambiental, de Qualidade e de Responsabilidade Social; e FSC – certificação florestal que garante que a madeira utilizada em determinado produto, ou atividade, é oriunda de um processo produtivo manejado de forma

(29)

As exigências impostas às empresas pelo mercado internacional, têm sido corroboradas por uma crescente sensibilidade ambiental por parte da sociedade, ainda que em estágio incipiente. Esta conscientização estaria, em parte, refletida no posicionamento reativo da sociedade que não mais aceita arcar com prejuízos ambientais em detrimento exclusivo do desenvolvimento econômico. Essa nova postura pode ser caracterizada por clientes cada vez mais exigentes e com expectativas em encontrar organizações éticas, com boa imagem institucional e atuando de forma social e ambientalmente responsável. Apesar de esta nova postura ter sido, inicialmente, imposta por elementos externos à empresa, a noção de desenvolvimento sustentável passou a ser vista com maior importância por um número grande de empresas, por iniciativa de seu corpo executivo, temendo a desvalorização de suas ações em decorrência de escândalos corporativos (ARAUJO; MATA MACHADO, 2007b).

O caráter estrangeiro da empresa e seus interesses transnacionais são fontes de deslegitimação por evocarem os riscos de assalto à soberania nacional e ascendência de um poder estrangeiro sobre a economia, o processo político e os gostos culturais do país anfitrião. A interação dessas organizações e a sociedade dos países que as recebe, nunca é livre de tensões. Essa questão da dominância econômico-político-cultural é uma das acusações mais comuns contra as transnacionais. Para contrabalançar acusações de poder exorbitante e castrador dos interesses e valores nacionais, as empresas transnacionais respondem retoricamente com alegações de assimilação cultural, aquisição da cidadania do país anfitrião, promoção de seus produtos enfatizando o “made in país anfitrião”, e contribuição das operações da empresa em território nacional para o aumento das exportações, do número de empregos e de royalties (HALLIDAY, 1987). Mesmo diante de uma contestável dominância estrangeira não se podem negar os inúmeros benefícios econômicos e de infra-estrutura decorrentes da implantação de uma empresa de grande porte em uma economia em desenvolvimento. Este é o caso dos países latino americanos.

(30)

• As transnacionais produzem danos ecológicos, esgotam os recursos naturais e poluem o meio ambiente;

• As transnacionais ameaçam a soberania nacional dos países anfitriões, agindo como um novo poder colonial, ou como agentes disfarçados dos interesses governamentais de seus países de origem;

• As transnacionais ignoram os interesses nacionais dos países anfitriões sempre que lhes for conveniente, contornando as leis e até mesmo agindo contra a política exterior de seus países de origem. Contra essas acusações de natureza política, as transnacionais alegam ser a única estrutura capaz de administrar os recursos mundiais em benefício de todos, por se colocarem acima de nacionalismos mesquinhos e de conflitos individuais entre países (nesse contexto é importante mencionar o notório posicionamento do Banco Mundial em favor da privatização da água doce no mundo);

Queiroz observa que estudos empíricos existentes sobre as relações entre livre comércio e meio ambiente têm demonstrado que elas não são necessariamente antagônicas, embora, nos últimos anos, tenha prevalecido a percepção de que esta inter-relação seja mais conflitante que complementar. Os debates sobre esse tema não conduzem a respostas concludentes, o que evidencia seu caráter ambíguo. O que se vê é que, muitas vezes, os argumentos sustentados tanto pela corrente ambientalista como pela corrente pró-comércio15 têm por base valores e pontos de vista igualmente válidos, e que até partem de um ponto comum, mas conduzem a rumos diferentes de acordo com a conveniência e os interesses das partes envolvidas (QUEIROZ, 2003).

Para Gudynas (1991), as instituições comerciais internacionais não têm se empenhado na busca do equilíbrio entre comércio e meio ambiente. A crítica que se faz é que elas visam apenas os impactos que as regulamentações ambientais venham, eventualmente, a produzir sobre os fluxos de comércio, desconsiderando os resultados nocivos que os acordos comerciais causam no meio ambiente.

15 Corrente de pensamento que se delineou em oposição aos argumentos ambientalistas de proteção ambiental.

(31)

A análise realizada por Barboza (2001) corrobora a afirmação de que o aumento do livre comércio não pode ser acusado, como defendem os ambientalistas, de ser o grande causador dos problemas ambientais. Suas conclusões tendem a apontar para o fato de que “um maior intercâmbio comercial teria apenas a capacidade de potencializar ou tornar mais evidentes problemas ambientais já existentes que, mais cedo ou mais tarde, teriam que ser enfrentados”.

Halliday (1987) aponta que a legitimidade, enquanto crença cultivada, requer legitimação através da argumentação. Por isso, existir como organização e exercer poder de empresa transnacional, vão alem de produzir produtos ou serviços da maneira mais lucrativa possível. Implica também em negociar a latitude das fronteiras físicas, políticas, legais, econômicas e culturais da empresa, interpretar a si mesma e ao ambiente onde atua, apresentar credenciais de competência técnica, viabilidade econômica e responsabilidade social e acima de tudo conseguir a cooperação das pessoas, grupos e instituições dos quais depende a sobrevivência da organização nos melhores termos possíveis (a chamada licença social).

Ao que parece, nem todas as estratégias de legitimação mencionadas foram consideradas pela Botnia, a ressaltar a não realização de audiências públicas (ocasionando no descumprimento da legislação ambiental uruguaia), a omissão perante toda a crise e às inúmeras contradições existentes nos pronunciamentos de seus representantes quando confrontados à Política Ambiental e aos Princípios de Responsabilidade Social da Oy Metsä-Botnia. Uma postura como essa diante das tensões criadas entre os países vizinhos não é reflexo de um comportamento socialmente responsável. Além disso desvela uma aparente fragilidade dos Governos Argentino e Uruguaio perante a crise.

À semelhança do poder dos governos, o poder das organizações precisa ser ungido pela legalidade, pela eficácia e pela legitimidade. A legitimidade sanciona o direito de exercer o próprio poder de controlar recursos materiais, humanos e culturais a bem de seus objetivos.

(32)

3 INDÚSTRIA DE CELULOSE

Atividade produtiva altamente intensiva no uso de recursos naturais, energia e capital, a indústria de celulose e papel ha muito é considerada um segmento maduro. Nesse sentido Katz e Bercovich (2003) observam que esta atividade registrava um crescimento moderado da demanda, uma lentidão nas evoluções tecnológicas, facilidade de acesso à tecnologia de processo, padronização dos produtos e mercados fortemente estruturados e oligopolizados.

Entretanto desde os anos 1980 que o setor evidencia uma evolução singular. No que se refere à demanda, há um dinamismo importante em termos de volume e sofisticação, verificando-se uma crescente segmentação e a emergência de novos produtos associados ao desenvolvimento de novas tecnologias. Ao mesmo tempo, nos principais mercados consumidores (países desenvolvidos) foi-se consolidando uma preferência por produtos e processos com baixo grau de degradação ambiental e foram se estabelecendo regulamentações governamentais que tendem a um rígido controle ambiental, o qual imputou enormes desafios para esta indústria.

Nos primeiros anos da década de 90 o setor atravessou sua pior crise dos últimos 50 anos (caracterizado por uma vertiginosa queda nos preços), o que pareceu imprimir uma alteração estrutural nos tradicionais movimentos cíclicos dos preços dos produtos deste setor.

No que tange à oferta, também foram observadas importantes modificações nos últimos anos.A escala produtiva, favorecida pela disseminação de sistemas automatizados de controle de processos, aumentou sobremaneira e, por conseguinte, permitiu aumentos substanciais de produtividade e qualidade. As exigências societárias de um rígido controle ambiental aliada à biotecnologia, resultaram também em novas tecnologias, novos produtos e em um aumento significativo do uso de papel reciclado no processo.

(33)

competitividade é a disponibilidade de áreas florestadas com espécies de rápido crescimento, que começam a ganhar posições significativas no mercado mundial de commodities16.

Por outro lado, os grandes produtores tradicionais de pasta de celulose e papel (localizados no hemisfério norte) têm conseguido preservar sua competitividade com base no processo de re-especialização produtiva, integração vertical e inovação tecnológica. Outrossim, tem protagonizado um intenso movimento de fusões e aquisições, que implica em uma grande concentração da oferta e permite uma maior racionalização de suas estruturas de produção e comercialização.

3.1 A expansão da indústria de celulose no hemisfério sul

Recentemente, a América Latina iniciou uma fase de desenvolvimento histórico onde os recursos naturais adquiriram uma nova conotação e deixaram de ser vistos como fonte de problemas (KATZ; BERCOVICH, 2003). Em decorrência da abertura dos mercados, instalaram-se no Hemisfério Sul inúmeras indústrias de origem estrangeira. O setor florestal, por sua vez, tem vivenciado uma crescente demanda mundial por papéis de diversos tipos. As empresas pertencentes a este setor, proprietárias de vastas áreas cobertas por monoculturas, como de pinus e eucaliptos, iniciaram suas plantações industriais na América Latina por volta dos anos 80 e 90, encontrando-se hoje em estágio ideal para corte. O cenário contemporâneo evidencia uma grande oferta de matéria-prima e a conseqüente e necessária estruturação do aparato fabril para atender a esta demanda. Katz e Bercovich (2003) afirmam que a indústria florestal representa hoje um novo padrão de vantagens competitivas através das quais diversos países latino americanos se inserem no comércio mundial.

Na América Latina, as infra-estruturas necessárias para fazer frente a uma oferta de cerca de 4 milhões de toneladas de polpa de celulose17 estão em franco processo de

16 Um commodity tradicional é toda mercadoria padronizada para compra e venda, oriunda da exploração dos

recursos naturais como petróleo, soja, minérios, água mineral engarrafada, café, dentre outros (Fonte:

http://www.anbio.org.br/bio/biodiver_art81.htm). Atualmente também são consideradas commodities produtos de uso comum mundial como, por exemplo, lotes de camisetas brancas básicas e calças jeans (Fonte:

(34)

construção. O Brasil ocupa atualmente a liderança em capacidade produtiva, garantindo uma oferta de 6,7 milhões de toneladas de polpa de celulose para os próximos 6 anos. No Uruguai concluiu-se a construção da fábrica finlandesa Botnia de 1 milhão de toneladas/ano e a espanhola Ence planeja para 2010 mais outro milhão de toneladas/ano na província uruguaia de Colônia. A Stora Enso, por sua vez, adquiriu terras para o plantio no Uruguai, podendo-se considerar em breve mais 1 milhão de toneladas/ano de polpa de celulose no mercado (Urgewald, 2007).

No Brasil, grandes empresas de silvicultura estão concentrando amplas áreas de terra fértil em seu poder, constituindo mais um obstáculo para a realização de reforma agrária e agravando os problemas decorrentes da concentração fundiária. O presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea, Chico Menezes (2007), associa as monoculturas de árvores de rápido crescimento a um aumento da insegurança alimentar das populações diretamente afetadas por essas plantações, dificultando, quando não inviabilizando, as atividades tradicionais das comunidades indígenas, quilombolas e camponesas. Katz e Bercovich (2003) observam que o quadro institucional que opera a estrutura da indústria florestal se torna ainda mais complexo e incerto quando as variáveis ecológicas e de sustentabilidade agregam-se àquelas relacionadas com o confronto que o setor produtivo florestal mantém com os povos tradicionais (camponeses, índios e quilombolas), em geral radicados em territórios que a indústria pretende estender seu patrimônio florestal. Este problema transcende o âmbito econômico e não pode ser entendido de forma cabal sem levar em consideração as diferenças existentes entres os povos tradicionais e a sociedade majoritária no que tange à concepção do econômico e quanto ao respeito que estes mostram por valores ancestrais. Com efeito, para os povos tradicionais a terra não é somente um bem econômico, mas parte de sua identidade individual e coletiva. Em outras palavras: não constitui um bem de troca, mas sim um bem de uso, sendo esta uma diferença crucial a que a indústria florestal deverá aprender a viver e contemporizar. Nenhum avanço sustentável nesse campo poderá lograr êxito se não se alcançar um consenso generalizado sobre essa questão (KATZ; BERCOVICH, 2003).

17 A polpa de celulose é o principal insumo da indústria de celulose e papel. É elaborada, basicamente, a partir de

(35)

Segundo a ONG alemã Urgewald, em termos globais nos próximos 5 anos a indústria de celulose e papel planeja atingir uma capacidade produtiva total superior a 25 milhões de tonelada - uma média de 5 milhões de toneladas a cada ano. A expansão da capacidade produtiva da indústria de celulose e papel está focada principalmente no hemisfério sul, onde a maioria das novas plantas, ou a ampliação da capacidade produtiva (repotenciamento) das já existentes, será localizada no Uruguai, Brasil, Indonésia, Austrália, China e Rússia. A Tabela 1 apresenta o planejamento da expansão dos empreendimentos no Brasil e Uruguai.

TABELA 1

Fábricas de Polpa de Celulose – Planejadas ou em Construção

Empresa Localização País Capacidade ton/ano

Custo US$

Conclusão

Aracruz Rio Grande do

Sul

Brasil 1,3 milhões - 2010 – 2015

Suzano Bahia Brasil 1,1 milhões 1,3 bilhões 2007

Suzano Bahia Brasil 1,25 milhões - 2010

VCP Três Lagoas Brasil 1,1 milhões 1,15 bilhões 2009

Sateri International Bahia Brasil 250.000 375 milhões 2007

Veracel Bahia Brasil 900.000 - -

Stora Enso Rio Grande do

Sul

Brasil 1 milhão - 2012 – 2013

Cenibra Minas Gerais Brasil 800.000 - 2013

Botnia Fray Bentos Uruguai 1 milhão 1,2 bilhões 2007

ENCE Colônia Uruguai 1 milhão 930 milhões 2010

Stora Enso - Uruguai 1 milhão - -

Fonte: RISI <http://www.risiinfo.com> apud URGEWALD, 2007. Nota: o símbolo – significa ausência da respectiva informação.

(36)

3.2 Problemas estruturais da indústria de celulose

3.2.1 Produção excessiva

Assim como outras commodities o preço da polpa de celulose no mercado mundial é cíclico. Quando o preço da polpa está alto, as companhias investem em novas plantas industriais, o que resulta em uma abundância de polpa de celulose no mercado e na conseqüente queda dos preços. Já em uma fase de preços baixos, os grandes atores mundiais (leading players) da indústria de celulose optam pela aquisição de empresas menores a fim de aumentar seu market share, controlar os preços e buscar uma verticalização integral de suas atividades. Katz e Bercovich (2003) observam que o modelo de organização industrial dominante se caracteriza por uma estrutura de mercado da natureza oligopólica e integrada verticalmente até o controle e propriedade direta das plantações industriais. A integração vertical está normalmente condicionada e estimulada pela existência de subsídios fiscais, que incentivam o financiamento de programas de reflorestamento de espécies exóticas de rápido crescimento (pinus e eucalipto).

Desde o ano de 2005, o preço da polpa de celulose tem se apresentado estável, com aumentos pouco significativos. Entretanto, a indústria de celulose tem expandido suas atividades a uma taxa superior ao crescimento da demanda. “A capacidade de aumento na oferta de polpa em 2007 será maior que 4%, o que significa ultrapassar a demanda. O resultado na diminuição das taxas de operação causará diminuição dos preços” segundo o jornal industrial Pulp and Paper International (Urgewald, 2007).

Imagem

Figura 1 – Localização do Empreendimento.
Figura 2 - Cenário Futuro (2020) do Setor Florestal Uruguaio  Fonte: &lt;http://forestalweb.com/uruguay_forestal.htm&gt;
Figura 3 – Localização do Projeto Jarí
Figura 4 – Localização das Plantações da Companhia Forestal Oriental – Setembro-2005  Fonte: Companhia Forestal Oriental

Referências

Documentos relacionados

Assim sendo, a. tendência assumida pela pós - graduação em co- municação nos anos 60 contribuiu muito menos para melhorar e.. Ora, a comunicação de massa , após a Segunda Guerra

A questão da transferência ocorre de maneira diferente para os trabalhadores que reivindicam melhores condições de trabalho ou que fazem parte do movimento sindical, pois

O exemplo da exploração de quartzito em Pirenópolis possibilita o entendimento dos processos da atividade de mineração bem como o diagnóstico e prognóstico dos impactos inerentes

O conhecimento da língua materna, na sua vertente escrita, assume particular relevância nos campos da construção pessoal, social e profissional do indivíduo,

Apesar de todos os aspetos positivos acima enumerados, os sistemas adesivos também possuem desvantagens. Para que a adesão entre substratos ocorra de forma eficiente, é

Para preservar a identidade dos servidores participantes da entrevista coletiva, esses foram identificados pela letra S (servidor) e um número sequencial. Os servidores que

A combinação dessas dimensões resulta em quatro classes de abordagem comunicativa, que podem ser exemplificadas da seguinte forma: interativo/dialógico: professor e

O planejamento fatorial foi aplicado satisfatoriamente para a otimização dos parâmetros da técnica de voltametria linear de redisso- lução anódica no desenvolvimento