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PARTE I – REVISÃO DA LITERATURA

4. A EXPRESSÃO DO STRESSE NOS ALUNOS ESTAGIÁRIOS

4.5. AS (DES)COMPENSAÇÕES DO TRABALHO

O trabalho é a “oportunidade de crescimento, de realização, de expressão das potencialidades pessoais, de reconhecimento por parte dos outros, de realização social construtora da individualidade” (Ramos, 2001: 27). É, ao mesmo tempo, considerado, desde a revolução industrial – séc. VIII, “um elemento central na vida de cada pessoa e um factor regulador da vida em sociedade” (idem, 2001: 11). Manifesta, contudo, uma dupla faceta: fonte de bem-estar físico e mental e, fonte indutora de stresse (Martin, 2004).

Como fonte de bem-estar, o trabalho, é uma poderosa forma de expressão huma- na (personalidade, identidade, a sua coerência com a vida, as suas necessidades e valo- res, as suas aspirações, a sua realização) revelando-se, ao mesmo tempo, como uma dimensão fulcral na existência humana. No pensamento económico, o trabalho, é o ele- mento principal do aumento da riqueza, representando, no seio da sociedade em que vivemos, o poder de cada indivíduo de, através dele, satisfazer as suas necessidades básicas próprias (aquisição de bens e serviços), garantir a autonomia individual e asse- gurar uma posição social. Este serve, também, para a generalidade das pessoas encon- trarem a sua realização pessoal, participar na construção da sociedade e, ao mesmo tem- po, estabelecer uma relação com o outro (socialização). Também no pensamento de Marx, o trabalho representa, em primeiro lugar, a expressão da identidade da pessoa, pois, pelo trabalho o homem acrescenta ao mundo algo de si mesmo; em segundo lugar, a ligação das pessoas umas às outras através das interacções que o trabalho proporciona (socialização); e em terceiro lugar, o instrumento através do qual o individuo transforma o mundo. Em síntese, podemos referir que “o trabalho é um bem, pois é ele que permite definir o estatuto, isto é, a dignidade social do indivíduo e a forma como é representado pelos outros” (Ramos, 2001: 26), pelo que deveria considerar-se como um valor a vei- cular implicitamente em contexto educativo.

No entanto, hoje, o trabalho ocupa um grande número de horas diárias penosas e fisicamente exigentes com “uma ênfase muito mais severa na competição, tanto sob o ponto de vista organizacional como individual” (Martin, 2004: 172), onde as pessoas se “têm que desdobrar, excedendo-se em esforço, dedicação e tempo disponibilizado (…)

caso contrário, correm o sério risco de serem dispensados” (Ramos, 2001: 29). Esta pressão, sobre quem trabalha, “anuncia uma nova era de insegurança generalizada em que estar desempregado ou ter medo de ficar desempregado no futuro pode ter um impacto ainda pior na nossa saúde mental e física” (Martin, 2004: 171). Esta crescente pressão e exigências tem arrastado consigo níveis decrescentes de satisfação profissio- nal ao mesmo tempo que registam subidas significativas dos indicies de absentismo por doença (Comisión Europea, 1999). Também nos Estados Unidos, as perturbações devi- das ao stresse relacionado com o trabalho constituem uma categoria de problema em crescimento rápido, tendo duplicado o número de pessoas que recebem aconselhamento para reduzir o stresse relacionado com o trabalho entre a década de 80 e meados da década de 90 (Martin, 2004). Na União Europeia um em cada quatro trabalhadores queixa-se de stresse no trabalho e um em cada cinco de burnout (Comisión Europea, 1999).

O stresse relacionado com o trabalho, além de tornar as pessoas infelizes, é mau para a saúde, tornando os empregados mais propensos a acidentes, ao absentismo e menos produtivos. Estas causas têm, ainda, um enorme impacto económico calculando- se que o problema custe à União Europeia pelo menos 20 mil milhões de euros por ano em tempo perdido (50% a 60% dos dias de trabalho) e despesas de saúde (Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, 2002a; Cox e Rial, 2002).

Nos Estados Unidos “os custos económicos do stresse (medidos em termos de absentismo, baixa produtividade e cuidados de saúde) foram avaliados em mais de 150 biliões de dólares por ano” (Martin, 2004: 173).

Contudo, por mais stressante que possa ser o trabalho, a falta dele, pode infligir maiores danos à saúde física e mental dos indivíduos, nomeadamente, “os desemprega- dos vivem muito pior do que as pessoas que têm emprego: têm uma incidência muito mais elevada de doenças graves como cancro do pulmão, doença cardíaca e bronquite, mais problemas psicológicos como depressão, neurose e ansiedade crónica e taxas mui- to mais elevadas de suicídio ou tentativa de suicídio” (idem, 2004: 180). Além destes, a taxa de mortalidade também é 20% mais elevada nos desempregados segundo dados do estudo “Office of Population Censures and Surveys (OPCS)” (ibidem, 2004).

Parece-nos relevante, neste momento, referir que estamos perante uma situação muito grave, tendo a taxa de desemprego atingido 7,5% no primeiro trimestre de 2005

(cf. Quadro 7), o valor mais elevado desde 1998, de acordo com os dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), sendo as mulheres as mais afectadas.

Também os jovens entre os 25 e os 34 anos foram particularmente penalizados pela falta de trabalho (cf. Quadro 8). Do mesmo modo, os desempregados à procura de um novo trabalho apresentaram os maiores acréscimos, tendo em conta a variação tri- mestral (mais 6,4%) e homóloga (18,4%), como também em termos absolutos (21,5 e 58,8 mil indivíduos, respectivamente). No global, a taxa de desemprego agora registada representa um aumento de 1,1 pontos percentuais face ao período homólogo (quando a taxa era de 6,4%) e de 0,4 pontos em relação ao trimestre anterior (7,1%). Na prática, de acordo com a contabilidade do INE, estão no desemprego 412 600 pessoas (INE, 2005).

Quadro 7. Taxa de desemprego em Portugal (INE, 2005)

Quadro 8. Caracterização da população desempregada (INE, 2005)

Ao nível da educação, mais de 30 mil docentes (Cartaxo, 2003; Ricardo, 2003; Ribeiro, 2004) são confrontados (cf. Quadro 9) com “a remota e mesmo inexistente

hipótese de ser colocado numa qualquer escola deste país (Cirne, 2000: 15). Como podemos verificar, no quadro referido anteriormente, no concurso de colocação de pro- fessores efectuado pelo Ministério da Educação para o ano lectivo 2005/2006 candidata- ram-se 79584 docentes dos quais 50195 (63.07%) não pertencem aos quadros do Minis- tério da Educação. Os restantes 29389 (36.93%) são docentes pertencentes aos quadros de escola e que pretendiam mudar de escola. Dos 50 195 docentes apenas 10039 (20%) foram contratados por um ano lectivo, ou seja, até 31 de Agosto de 2006. É ainda de referir, que muitos destes docentes vão ter horários lectivos incompletos e, muitos deles, menos de 10 horas lectivas. Como podemos constatar 50.5% dos docentes não obtive- ram colocação, o que demonstra a crise de emprego na educação traduzida na dificulda- de em conseguir colocação numa escola. Todavia, esta crise de emprego na escola está associada a outras variáveis como redução do número de alunos nos últimos anos, ele- vado números de alunos por turma, (des)regularização do sistema de formação, entre outras.

Quadro 9. Docente colocados nas escolas (Ministério da Educação, 2004; 2005)

Ano N.º docentes a concurso Colocados Percentagem

2004 * 109 591 70 000 63.9%

2005** 79 584 39 428 49.5%

* Não foram colocados (26.1%) docentes ** Não foram colocados (50.5%) docentes.

Verificamos hoje, pelos números apresentados, que estamos perante uma situa- ção muito grave e também muito selectiva na medida em que são sobretudo os desem- pregados à procura do primeiro emprego, sobretudo jovens, os mais afectados. A taxa de desemprego entre estes situa-se nos 14% e cresceu 78%, no período de um ano (2002/2003), no grupo etário dos 25 aos 34 anos, crescendo o desemprego, nos licen- ciados, num espaço de um ano 38% (Cartaxo, 2003). Este cenário fica pintado mais de negro quando sabemos que todos os anos as Universidades portuguesas formam entre sete e dez mil candidatos ao desemprego (no concurso para o ano lectivo (2004/2005)

cerca de 11 000 nunca tinham dado aulas até 31 de Agosto de 2003) porque encontram um sistema sobrelotado, que insiste em manter as portas fechadas. Por isso, as Univer- sidades e/ou Institutos Politécnicos “favorecem, hoje mais que ontem, um clima de competição, ele próprio ligado à dificuldade em encontrar emprego” (Dortu, 1991: 13).

Alves e Oliveira (2005) num estudo com 100 professores do 2º Ciclo do Ensino Básico dos concelhos de Vila Real e Bragança, dos quais 50 são professores desempre- gados recém licenciados (2002/2003) e 50 professores empregados, em que o objectivo era mostrar que o desemprego ou o retardamento da entrada na actividade profissional da docência, pela situação de vulnerabilidade psicossocial que implica é indutora de stress e pode ter implicações no seu bem-estar e na saúde, verificaram que os professo- res desempregados possuem um nível de stress global significativamente mais elevado que os professores em actividade, manifestando-se, sobretudo, através de tensões sócio – emocionais, físicas, acompanhado de tendências depressivas e de perturbações físicas. Contudo, não foi verificada diferença entre homens e mulheres, o que significa que ambos vivem a situação da mesma forma. Todavia, os jovens (22-26 anos) manifestam significativamente mais stress que o grupo dos mais velhos (27-52 anos). Também os professores desempregados obtêm médias mais elevadas que os professores emprega- dos, com um grau de significância elevado sobretudo nas duas dimensões: tensão sócio – emocional e tensão física e depressiva. Os professores desempregados isolam-se socialmente, o que revela uma vulnerabilidade psicossocial elevada e sérios riscos para a saúde se soluções não forem rapidamente postas em prática.

O desemprego significa frequentemente “a perturbação completa das relações familiares e sociais, depressão, alcoolismo e várias formas de violência afectando as condições de subsistência das pessoas, provocando danos psicológicos graves, destruin- do qualificações e experiências profissionais adquiridas num país tão carenciado delas” (Cartaxo, 2003: 11). A sua frustração é relatada nas expressões “ver as portas do ensino fecharem-se logo no início de carreira é desanimador mas, quando se tem 60 anos, as portas transformam-se em muralhas”. Outro, refere, “perdi 15 anos da minha vida a acreditar que era possível dar aulas. Às vezes, penso que é uma luta contra moinhos de vento”. Ou ainda, “nunca pensei ter de recorrer ao meu hobby para sobreviver” (Ribeiro, 2004: 73). No mesmo estilo de desespero sustenta Cirne (2000: 15) “a forma castigado- ra quando, concurso atrás de concurso, o jovem professor vai criando as maiores expec-

tativas, ao mesmo tempo que os colegas mais experientes nos vão dizendo em tom de chacota: não me digas que ainda tinhas esperança de ficar colocado?”.

Esta perspectiva de desemprego, com que o aluno estagiário se confronta, é mais uma fonte indutora de stresse a juntar às inerentes que o próprio estágio, só por si, e amplamente referidas nas páginas anteriores, faz emergir.