• Nenhum resultado encontrado

1.3. Desafios da pós-modernidade e a possiblidade de reconstrução de valores e de ideais emancipatórios no campo curricular.

1.3.2. Desafios da pós­modernidade e as possibilidades de construção de práticas curriculares emancipatórias.

A opção pelo conhecimento­emancipação no âmbito da pós­modernidade traz implicações que são também desafios, dos quais podemos começar por assinalar os seguintes: do monoculturalismo ao multiculturalisme), da peritagem heróica ao

conhecimento edificante e da acção conformista à acção rebelde. O primeiro coloca­nos

perante a possibilidade de recuperação dos silêncios, produzidos no âmbito do domínio global da ciência moderna como conhecimento­regulação, o que acarretou a destruição de

muitas formas de saber. Assim, a recuperação da solidadiedade6', que é uma forma de

saber que se obtém por via do reconhecimento do outro, implica que o outro só pode ser

A utilização do Bold pretende evidenciar a componente predominante.

A solidariedade é o conhecimento que se obtém no processo, sempre inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade através da construção e do reconhecimento da intersubjectividade (Santos, 2000: 77).

conhecido enquanto produtor de conhecimento. Neste sentido, a primeira dificuldade prende-se com a recuperação do diálogo que, de acordo com Santos (2000: 30-31), só pode ser multicultural e, por intermédio do recurso à sociologia das ausências, de modo a captar as necessidades e as aspirações impronunciáveis , procedendo pela "comparação entre os discursos disponíveis, hegemónicos e contra-hegemónicos, e pela análise das hierarquias entre eles e dos vazios que tais hierarquias produzem". Esta dificuldade conduz-nos a uma outra, que decorre do facto de só existir conhecimento e solidariedade nas diferenças, pelo que, para ultrapassar a indiferença, Santos (id. ibidem) sugere a utilização da teoria da

tradução , como parte integrante da teoria crítica na pós-modernidade, que serve de

suporte epistemológico às práticas emancipatórias que, como sublinha Santos (1999b: 206- 207), são "todas elas finitas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede", o que implica também a utilização de uma segunda via, a hermenêutica diatópica, por intermédio da qual, "uma necessidade, uma aspiração, uma prática numa dada cultura pode ser tornada inteligível para outra cultura" (id. ibidem: 206)64.

Em síntese, e como sustenta Boaventura Sousa Santos (Santos, 2000: 89-90), o conhecimento emancipação é um conhecimento local criado e disseminado através do discurso argumentativo. O carácter local e o carácter argumentativo constituem duas características que, como apenas podem ser desenvolvidas no âmbito de comunidades

interpretativas, tornam-se inseparáveis. A proliferação de comunidades interpretativas

constituem, assim, a base de sustentação do conhecimento emancipatório pós-moderno que terá de enfrentar, quer o monopólio de interpretação quer a renúncia à interpretação. Estas, não constituem um artefacto cognitivo, mas assumem-se como comunidades políticas pois, embora guiadas pelo conhecimento teórico local, são, como sublinha Santos (op. cit.), "neo-comunidades, territorialidades locais globais e temporalidades imediatas diferidas que englobam o conhecimento e a vida, a interacção e o trabalho, o consenso e o conflito, a intersubjectividade e a dominação, e cujo desabrochar emancipatório consiste numa interminável trajectória do colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento- emancipação". Esta trajectória configura assim, não um bem absoluto, mas um bem relativo, dependendo da profundidade e do alcance do conhecimento emancipatório que conseguir produzir, no âmbito de uma tensão dialéctica entre as relações intracomunitárias, dominadas pelo comunitarismo, e as relações intercomunitárias, dominadas pelo

62 Considerando que o silêncio é uma construção que se afirma como sintoma de um bloqueio, de uma potencialidade que não pode ser

desenvolvida (Santos, 2000: 30).

63 A teoria da tradução enquadra-se na perspectiva da não existência de um princípio único de transformação social, tornando as diferentes

lutas mutuamente inteligíveis e permitindo aos actores colectivos 'conversarem' sobre as opressões a que resistem e as aspirações que os animam (Santos, 2000: 27).

contratualismo. Assim, o conhecimento emancipatório pós-moderno, produto de comunidades críticas, assume uma artefactualidade discursiva que se constitui como uma "verdade retórica" D, isto é, como um resultado sempre provisório, no quadro de uma argumentação contínua e interminável, no âmbito de uma negociação permanente realizada num auditório relevante. Deste modo, como sublinha Santos (id. ibidem: 91), "as regularidades são enclaves precários de caos latente em áreas onde existe um grande consenso sobre o que deve ser considerado anormal ou relevante".

A aplicação desta ideia no quadro da flexibilidade do currículo pressupõe encarar-se as trajectórias curriculares como sendo sempre caminhos provisórios que se vão construindo e reconstruindo em processos de negociação com as situações e os actores educativos locais.

Este contexto, poderá também fazer emergir um outro conceito importante para a análise das possibilidades emancipatórias, isto é, o de hermenêutica diatópica. Um conceito que se baseia "na ideia de que os topoi66 de uma dada cultura, por mais fortes que

sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem". Por isso, devemos "ampliar ao máximo a consciência dessa incompletude mútua através de um diálogo que se

desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra" (Santos, 1996c: 18)6 7.

Deste modo, como sustenta Boaventura Sousa Santos, é possível criar alternativas à globalização que têm vindo a desenvolver-se como um "processo pelo qual determinada condição ou entidade local consegue estender a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival" (Santos, 1996c: 5), sustentada por uma forma de dominação hegemónica68.

De facto, um olhar sobre as práticas escolares mostra , muitas vezes, a existência de um "daltonismo cultural" (Cortesão e Stoer, 1996: 38), que impede a percepção da diversidade de situações presentes no espaço escolar. É este daltonismo que está na origem do recurso a práticas de compensação curriculares como modo de eliminar situações de discriminação e de procurar superar aquilo que é considerado ser o défice cultural e de saberes de alunos pertencentes a determinados grupos sociais (Leite, 2002: 140).

Estes desafios da pós-modernidade constituem também um bom referente de análise para as mudanças curriculares em curso e dos discursos ou representações dos professores

A retórica, com lembra Boaventura Sousa Santos (2000: 91) enquanto arte de persuasão pela argumentação, é uma das tradições mais enraizadas no pensamento ocidental que viria a ser marginalizada com Descartes, no Discurso do Método, ao considerar apenas as 'ideias claras e distintas', rejeitando como falso tudo o que fosse provável. Este percurso prosseguiu com o 'raciocínio pela experimentação' de Bacon e consolidou-se , no século XIX, com o positivismo, que viria a expulsar definitivamente a retórica do "território da racionalidade cientifica".

Para Boaventura Sousa Santos, 'Os topoi ou loci são «lugares-comuns», pontos de vista amplamente aceites, de conteúdo muito aberto, inacabado ou flexível, e facilmente adptável a diferentes contextos de argumentação" (Santos, 2000: 93).

M Isto porque o objectivo da hermenêutica diatópica não é atingir a completude, dado que é um objectivo inatingível (Santos, 1996c: 18).

Considerando a predominância de determinadas ideias que, de acordo com o sentido de hegemonia de Gramsci, compreende a imposição consciente das ideias de um grupo de pessoas sobre outro (Grundy, 1991: 152).

da administração educativa, uma vez que podem deixar transparecer processos de

silêncios, face aos discursos hegemónicos disponíveis ou, ao invés, constituir evidências de

discursos contra-hegemónicos e de reconstrução de processos partilhados de mudança. Poderá também permitir a análise dos saberes mais valorizados, isto é, saber se eles são resultantes da importância conferida a processos hegemónicos baseados nas disciplinas ou na regulação normativa, ou, ao contrário, de saberes de vida dos alunos, dos pais e de outros participantes na acção educativa. A posição que queremos assumir não é a de confinar os alunos à sua cultura de origem mas, sim, possibilitar a ocorrência de situações sustentadas numa hermenêutica diatópica que lhes permita adquirir um "bilinguismo cultural" (Cortesão & Stoer, 1996: 38; Leite, 2002:140) onde, partindo do que é familiar, se trabalha e se convive com outros códigos culturais.

No quadro destas ideias , a existência de comunidades interpretativas e críticas na escola seria considerado fundamental, emergindo a sua importância nos discursos produzidos e nos projectos curriculares construídos.

Um segundo desafio, que Boaventura Sousa Santos designa por "da peritagem heróica ao conhecimento edificante", também pode proporcionar elementos interessantes para a análise, considerando que a modernidade assenta na ideia de que todo o conhecimento é válido independentemente das condições que o tornam possível, sendo por isso descontextualizado e potencialmente absoluto, tido como neutral e objectivo. Partindo da da necessidade de refundação da distinção entre objectividade e neutralidade, considera que aquela decorre "(...) da aplicação rigorosa e honesta dos métodos de investigação que nos permitem fazer análises que não se reduzem à reprodução antecipada das preferências ideológicas daqueles que as levam a cabo", por um lado, e, pelo outro, da aplicação sistemática de métodos que permitam identificar os pressupostos, os valores, e os interesses que estão subjacentes à mudança, partindo do princípio da teoria crítica pós- moderna segundo o qual "o conhecimento é sempre contextualizado pelas condições que o tornam possível e de que ele só progride na medida em que transforma em sentido progressista essas condições". Assim, o conhecimento-emancipação vai sendo construído de forma prudente e finita, mantendo a escala das acções, tanto quanto possível, ao nível da escala das consequências" (Santos, 2000: 31).

O que temos vindo a pretender afirmar é que, a 'profissionalização do conhecimento', que no campo educativo e tendo presente o contexto deste trabalho, podemos equiparar às práticas marcadas pela especialização disciplinar, apenas se torna indispensável, deste ponto de vista, na medida em que torne possível a aplicação partilhada e

'desprofissionalizada do conhecimento', isto é, não um entendimento do professor como especialista confinado a uma determinada área disciplinar, mas, sim, como alguém que tem um compromisso ético no qual colaboram diferentes actores sociais. Nessa medida, a relativização dos valores enfatizada pela pós-modernidade, poderá proporcionar a possibilidade de realçar uma componente de desconstrução das práticas educativas. No entanto, esta desconstrução não pode assumir-se como uma finalidade em si, sob pena de destruir a possibilidade da resistência e de alternativa, o que, como sublinha Santos (2000: 31), conduz a um terceiro desafio colocado por uma teoria crítica pós-moderna: da acção

conformista à acção rebelde.

Esta formulação permite sublinhar que as estruturas são tão dinâmicas quanto as acções que elas consolidam e, ao criarem horizontes de possibilidades, tanto podem excluir como potenciar, gerando uma maior ou menor determinação. Deste ponto de vista, as acções e as subjectividades são tanto produtos como produtoras dos processos sociais, podendo consolidar-se na base de subjectividades orientadas para identificar limites e conformar-se com eles — quer porque os acham naturais, quer porque os acham inultrapassáveis — ou, pelo contrário, as subjectividade podem desestabilizar, na medida em que estão orientadas para a identificação de possibilidades e a sua ampliação (Santos, 2000: 32). Porém, devemos ter em conta que, embora as estruturas sejam encaradas como produtoras de horizontes de possibilidades, as condições da sua produção podem ser ambíguas e limitadas, contribuindo para que a acção conformista possa facilmente passar por acção rebelde e, concomitantemente, a acção rebelde seja transformada num meio de conformismo alternativo (Santos, 2000: 32).

Estas ideias podem constituir dimensões de análise extremamente importantes, quer para os documentos oficiais, quer para os discursos e textos produzidos pelos professores que pretendemos mobilizar na componente empírica deste trabalho. Neste sentido, na esteira do que é concebido por Boaventura Sousa Santos, a dualidade de análise entre a

acção conformista e a acção rebelde, permite que possamos desconstruir se aquilo que

parece ser uma acção partilhada de construção e de reconfiguração do currículo na escola, não estará a ser mais um processo de conformidade normativa conduzida por um pequeno grupo de professores ou mesmo pela direcção da escola. Pode também dar lugar a processos miméticos de mudança que decorrem de procedimentos desencadeados a partir do exterior e, na prática, apenas estariam a dar origem a novas adaptações e não a formas emancipatórias de transformação social. Nesse sentido, partindo da reconstrução da ideia e da prática de transformação social emancipatória, no âmbito da teoria crítica pós-moderna

em que nos situamos, procuraremos perspectivar em que medida as práticas curriculares nas escolas e os discursos dos professores se orientam por subjectividades rebeldes ou se, pelo contrário, poderão primar por subjectividades conformistas. Neste último sentido, estaríamos perante práticas assentes em consensos falsos, cujo propósito estaria orientado para a estabilização da ordem no quadro de limites que não estariam a ser negociados mas, sim, impostos. Em contrapartida, as acções rebeldes, indicam que os participantes orientam as suas práticas por uma ordem construída, tendo por base a solidariedade e a partilha de valores no âmbito de comunidades críticas e emancipatórias.

Partimos, assim, de uma postura assente na concepção de que a "construção social da rebeldia", ou seja, de subjectividades inconformistas e capazes de indignação, constituem um processo social contextualizado que, de acordo com Santos (id. ibidem: 32-35) cria, por sua vez, três novos desafios: a discrepância entre as experiências e as expectativas; a

dicotomia consenso/resignação e a dicotomia espera/esperança.

No que concerne ao primeiro desafio, traduzido pela não coincidência entre a

experiência e as expectativas, por excesso destas, tomou, na modernidade, o nome de

progresso. Porém, no contexto actual de globalização neo-liberal, as condições vieram alterar-se e, como sustenta Santos (pp. cit.: 33), "as expectativas são agora negativas e deficitárias em relação às experiências", temendo-se que se sigam outras, ainda mais medíocres, no futuro. Neste contexto, a teoria crítica não poderá preocupar-se com a defesa das experiências de hoje contra as expectativas deficitárias, sob pena do seu programa de transformação social redundar na defesa do status quo, mas terá de especificar, cultural e politicamente, o que distingue a "subjectividade e a acção rebelde", que pretende promover, das transformações sociais conservadoras.

Reportando-nos ao campo educativo, estamos em crer que, de certo modo, houve momentos da reforma de finais dos anos oitenta em que as expectativas excederam as experiências, criando a adesão dos professores, mas, o que viria a prevalecer, foi o sentido inverso, as expextativas tornaram-se deficitárias em relação às experiências69. Contudo, situando-nos no âmbito das mudanças curriculares dos anos noventa e da primeira década do século XXI, ou seja, nas mudanças objecto de análise neste trabalho, qual será a tendência predominante? Em que circunstâncias é que as expectativas poderão ser um importante elemento a considerar? Quais os limites e constrangimentos que marcam a predominância da experiência sobre as expectativas nos discursos dos professores? Poderão as expectativas traduzir-se em formas de identificação de ampliação de

potencialidades no contexto das mudanças curriculares em curso? Em que aspectos? Poderão estas traduzir-se, na prática, em transformações conservadoras, mantendo-se formas de dominação hegemónica? Ou, pelo contrário, prevalecem com maior significado as transformações emancipatórias?

Estas questões que procuraremos clarificar na parte empírica deste trabalho, conduzem- nos a um segundo desafio traduzido na dicotomia consenso/resignação, que atribui uma grande centralidade ao conceito de hegemonia de Gramsci, entendida pela teoria crítica como "a capacidade das classes dominantes em transformarem as suas ideias em ideias dominantes". Por essa via, as classes dominadas acreditam que estão a ser governadas em nome do interesse geral, por isso consentem na governação. No entanto, nomeadamente a teoria crítica evidenciou o carácter repressivo e a mistificação ideológica em que assentava este consenso, abrindo campo para alternativas sociais e políticas para lá de um consenso hegemónico. Porém, como sublinha Santos (id. ibidem: 33-34), a novidade reside no facto das classes dominantes, no contexto actual, manifestarem uma tal confiança relativamente às ideias que defendem que se desinteressam do consenso, aceitando os projectos que lhe são hostis, por estarem convencidas da sua irrelevância e da inevitabilidade do seu fracasso. Esta postura transforma a hegemonia, que passa a conviver com a "alienação social" e, as práticas, em vez de assentarem no consenso, passam a assentar na resignação, considerando-se que o que existe, não é aceite por ser bom ou mau, mas por ser inevitável.

Esta perspectiva poderá ter grande importância no currículo, nomeadamente ao permitir analisar a possibilidade de existência de práticas curriculares reveladoras de resignação perante as ideias que estão subjacentes ao projecto de gestão flexível e à reorganização curricular. No plano inverso, podemos perguntar em que medida elas poderão também traduzir-se em desafios emancipatórios para os professores? Neste quadro, privilegiando a exigência de um compromisso ético, estaríamos a dar sentido a um outro desafio formulado por Boaventura Sousa Santos, isto é, a dicotomia espera / esperança.

O momento actual é marcado pela "maximização e máxima indeterminação do risco" que faz com que a sociedade em que vivemos comporte riscos individuais e colectivos inseguráveis, que minam a "ideia de progresso e a linearidade e cumulatividade do tempo histórico" e o consequente retorno à ideia do tempo cíclico da decadência. A teoria crítica cultivou a ideia da espera e, simultaneamente, a esperança, mantendo em aberto a possibilidade de alternativas credíveis. Porém, num contexto de "espera sem esperança", a postura terá que ser outra, isto é, a de assumir uma posição explicitamente utópica, por meio da qual, se pode recuperar a esperança, alterando o estatuto da espera, que passa a ser

simultaneamente mais activa e mais ambígua. Esta postura permite lutar pelo conteúdo da espera, considerada não num plano geral, mas a partir do lugar e tempo em que se encontra, o que poderá conduzir a uma utopia baseada na possibilidade de construir

campos de experimentação social de resistência local. Assim, através de acções baseadas

num realismo utópico, os "grupos oprimidos, num mundo onde parece ter desaparecido a alternativa, vão construindo, um pouco por toda a parte, alternativas locais que tornam possível um vida digna e decente". Contudo, como sustenta Santos (2000: 35), devemos ter presente que o desafio colocado à teoria crítica na pós-modernidade não se circunscreve apenas à generalização a partir das alternativas locais, mas o de "(...) torná-las conhecidas para além dos locais e criar, através da teoria da tradução, inteligibilidades e cumplicidades recíprocas entre diferentes alternativas em diferentes locais. A criação de redes translocais entre alternativas locais é uma forma de globalização contra-hegemónica — a nova face do cosmopolitismo"70.

Este último desafio, ao colocar-nos no âmbito da hermenêutica diatópica poderá permitir analisar em que medida as escolas e os professores desenvolveram a capacidade

de enveredar por práticas que evidenciam realismos utópicos71 e, simultaneamente,

clarificar se o tipo de "acompanhamento" proporcionado pela DREC e pelo DEB, a nível local, permitiu suscitar ou aprofundar iniciativas locais de modo a possibilitar a construção de alternativas de aprendizagem "dignas e decentes", enquadradas no âmbito de realismos

utópicos, e a torná-las conhecidas para além dos locais. Deste modo, estariam a ser

implementadas condições para que as ecolas possam criar inteligibilidades e cumplicidades curriculares recíprocas entre alternativas construídas em diferentes locais. Assim, na esteira de Santos {pp. cit.), desenvolver-se-iam possibilidades de construção de formas de globalização contra-hegemónicas evidenciadoras de processos emancipatórios de acção a nível de redes translocais.

Com efeito, partimos neste trabalho da consideração de que o significado educativo da pós-modernidade não poderá supor que a visão emancipatória da educação tenha deixado de ser viável ou não seja conveniente promovê-la (Carr, 1996: 161). Pelo contrário, a pós- modernidade coloca-nos o desafio de defender a confiança na visão emancipatória, a partir de um ponto de vista intelectual em que as perspectivas de desejabilidade do cumprimento

Já que o cosmopolitismo corresponde a formas de organização como Estado-nação, regiões, classes, ou grupos sociais subordinados , que se organizam transnacionalmente na defesas de interesses percebidos como comuns, usando em seu benefício as possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema mundial (Santos, 1996c: 10).

Deste modo, a utopia não configura um conteúdo em geral, mas um realismo próprio do espaço e do tempo em que é formulada, residindo