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III. l A auto-organização como base de construção de um currículo rico e emancipatório na pós-modernidade.

IV.2. Percursos de mudança curricular: do discurso da mudança construída à mudança decretada

IV. 2.3. O currículo como projecto local e as possibilidades de construção da mudança nas escolas.

IV. 2.3.2. Da LBSE à reflexão participada sobre os currículos: a afirmação da ideia de currículo como projecto

Em termos formais, a ideia de flexibilidade curricular surge na LBSE , ficando aí consignada a possibilidade da introdução de componentes de âmbito regional e local nos 'planos curriculares' do ensino básico47, embora respeitando uma estrutura de âmbito nacional48. Do mesmo modo, no que concerne ao desenvolvimento curricular (artigo 48°), ficou estabelecida a possibilidade de as chamadas actividades curriculares poderem ser expandidas com actividades de complemento curricular, envolvendo um conjunto de acções orientadas para a formação integral e a realização pessoal dos educandos no sentido da utilização criativa e formativa dos seus tempos livres, visando o enriquecimento cultural e cívico, a educação física e desportiva, a educação artística e

45 A identidade proporciona um meio para compreendermos a interacção entre a nossa experiência subjectiva do mundo e os cenários

culturais em que as subjectividades sào formadas. Pelo que a identidade, neste contexto, corresponde a uma construção social do próprio grupo e dos demais grupos, a qual configura um conjunto de características através das quais os grupos se definem como tal. O que compreende aquilo que são e o que os distingue dos outros. Por isso, como nomeadamente é sustentado por António Flávio Moreira e Elizabeth de Macedo (2002: 7-8), a identidade refere-se tanto a um pertencimento compartilhado como à diferença.

48 A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n° 46/86), viria a ser publicada em 14 de Outubro, tendo sido aprovada na Assembleia da

República com expressiva maioria (tendo-se verificado apenas uma abstenção, a do MDP/CDE, e o voto contrário do CDS), representa o enquadramento geral do sistema educativo portugês, em consonância com a Constituição de Abril (Campos, 1987).

47 No artigo 47°, n°s 4 e 5, reservando-se o n° seguinte para o ensino secundário.

48 No mesmo artigo merece também ênfase especial o ensino-aprendizagem da língua materna que passa a constituir não só uma

responsabilidade de uma disciplina, área ou espaço didáctico específico, mas também de todas as outras componentes curriculares e respectivos docentes, contribuindo assim "de forma sistemática para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português (LBSE, artigo 47°, n° 7).

a inserção dos educandos na comunidade49. A este propósito, António de Sousa Fernandes, considerou que

"existem competências próprias a nível da escola que incidem não só na implementação do projecto educativo como, também na sua definição que, nos termos da LBSE, não é totalmente estabelecido a nível central ou regional, mas deixa uma margem de indeterminação que é definida a nível de escola (...). As competências da escola incidem no currículo, enquanto conjunto de disciplinas leccionadas (currículo no sentido restrito) e enquanto conjunto de actividades programadas pela escola (currículo no sentido lato) e respeitam tanto à sua definição como à sua implementação" (Fernandes, 1988).

Porém, ainda que esta última perspectiva de currículo tivesse sido enfatizada pela

Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE, 1988: 97)50, a concepção

prevalecente, considerando o quadro normativo51, parece ser a do Grupo de Trabalho

que, ao distinguir o currículo formal do currículo informal ou oculto, restringe-o o currículo a "um plano de acção, que define o quadro geral de desenvolvimento dos projectos educativos" (Silva, 1988: 97), ou seja, que o currículo em cada escola coincide com o que é prescrito a nível nacional. Na realidade, o currículo prescrito, a partir do Decreto Lei n° 286/89, assenta fundamentalmente numa prescrição pouco flexível a nível nacional e focaliza-se nas disciplinas que emergem como as componentes nobres. Em termos práticos, aquelas que poderão ser consideradas as componentes inovadoras do currículo, como a área-escola, entendida como uma

componente não disciplinar, ou as formações transdisciplinares, que incluíam a

disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, em alternativa à Religião e Moral, as

Actividades de Complemento Curricular e as Actividades de Apoio Pedagógico, ficam

relegadas para segundo plano, atendendo aos condicionalismos que envolve a sua implementação e/ou porque são percepcionadas nas escolas como secundárias. Como exemplo paradigmático surge a área-escola que, desde o início, sofreu grande contestação, sendo considerada uma "área de 'desculpabilização' curricular"52 e percepcionada pelos professores como uma imposição. O extracto seguinte, emanado de

uma escola dos Io e 2o ciclos do ensino básico poderá ser tido como um exemplo

ilustrativo:

"A Área-Escola não está a ser (nem nunca o foi) 'conforme o previsto legalmente'. Funciona, mas funciona mal, e se se encontra a funcionar é porque é uma mera imposição legal. Os professores

Nos termos previstos na LBSE. no artigo 47°, n°s 1, 2 e 5, faz-se mesmo a distinção entre actividades curriculares e actividades de complemento curricular, por vezes também designadas por actividades extra-curriculares. o que evidencia uma concepção dicotómica entre currículo formal e currículo informal, situando este na dependência daquele, o que, naturalmente não corresponde à abordagem que orienta este trabalho.

Para a CRSE o sentido restrito de currículo é constituído "pelo conjunto das actividades lectivas, ficando de fora dele todas as actividades não - lectivas, ainda que reconhecidamente de grande interesse educativo", enquanto que o sentido lato integra "o conjunto de actividades (lectivas e não lectivas) programadas pela Escola, de carácter obrigatório, facultativo ou livre" (CRSE, 1988:97).

Mormente o que ficou consignado no Decreto-Lei n° 286/89, de 29 de Agosto que optou claramente por um modelo curricular disciplinar.

fogem à sua participação na Área-Escola, não há recursos, nem espaços físicos reservados para a Área-Escola" (cit. por ME/DEB, 1998b: 48).

Poderíamos ainda convocar outros contributos, mesmo em relação ao falhanço de outras componentes disciplinares referidas como inovadoras. Porém, pretendemos apenas lembrar que, as mudanças curriculares em curso, ao alterarem o desenho curricular para o ensino básico, sobretudo nestas componentes, vêm também elas reconhecer esse malogro.

Em termos da política educativa, podemos considerar que a concepção linear e hierárquica de conceber a educação escolar, começou por ser questionada pelo Pacto Educativo para o Futuro, apresentado pelo então Ministro da Educação, Eduardo Marçal Grilo, que se propunha empreender a ruptura com as políticas precedentes. Nessa conformidade, sustenta que as linhas de acção do XIII Governo Constitucional são "enquadradas pela pacificação e pela normalização do relacionamento institucional entre o Ministério da Educação e os restantes parceiros, há muitos anos inexistente ou tornado impraticável pelo clima de conflitualidade predominante". Como acrescenta, esse documento constitui "um acordo — tácito, escrito ou estratégico — não sobre aquilo que nos une e nos divide mas sobre o que é realmente necessário fazer em domínios onde convergem as preocupações de todos". Pretendia-se, deste modo, afirmar

o pacto educativo como um "(...) elemento de referência que vai permitir, ao longo dos

próximos anos, garantir um ambiente de serenidade e de paz para fazer mudanças profundas e tranquilas num sector essencial que é a educação" (Grilo, 1996: 7).

Esta proposta de mudança, assente num discurso que enfatizava o papel determinante do diálogo, já anunciado ao longo da campanha eleitoral, seria traduzida em dez compromissos que foram explicitados do seguinte modo:

"a) descentralizar as políticas educativas e transferir competências para os órgãos de poder local; b) fazer da escola o centro privilegiado das políticas educativas;

c) criar uma rede nacional de educação pré-escolar; d) melhorar a qualidade do processo educativo;

e) assegurar a educação e a formação como um processo permanente ao longo de toda a vida; f) assegurar a formação para a vida activa e a relação entre educação e formação;

g) valorizar e dignificar o papel dos professores e dos educadores; h) reequacionar os sistemas de financiamento da educação; i) promover o desenvolvimento equilibrado do ensino superior;

j) valorizar e dignificar o papel e a inserção do ensino particular e cooperativo no sistema educativo"(Grilo, 1996: 5).

Dando sequência a estes propósitos iniciais, entre outras medidas tomadas, foi "preparada a revisão curricular do ensino básico", regulamentada "a criação de pedagogias diferenciadas através da definição de currículos alternativos nas escolas do

ensino básico, de modo a evitar o abandono precoce do sistema educativo e a exclusão social dos alunos que não acabam a escolaridade obrigatória"; definidos os "territórios educativos de intervenção prioritária" e criados os "mecanismos para flexibilizar a gestão e a administração escolares, desenvolvendo uma lei-quadro da educação e da gestão das escolas dos ensinos básico e secundário" (id ibidem: 6)53.

Na sequência desta opção política foi desencadeado pelo Departamento da Educação

Básica (DEB), no ano lectivo de 1996/97, o projecto de reflexão participada sobre os currículos do ensino básico, como uma forma de "lançar o debate reflexivo sobre o

currículo da Educação Básica, suas finalidades e gestão, no sentido de melhorar a eficácia e adequação das práticas educativas (AAVV, 1997: 9). Com esta medida, a administração educativa propunha-se criar condições para "instituir e regular um 'sistema de flexibilização da gestão curricular nas escolas dos três ciclos do ensino básico, assente nos seguintes princípios:

"- gestão diferenciada dos currículos', estabelecendo diversos níveis de decisão curricular; com relevo para as 'escolas' quanto a objectivos, conteúdos, processos, estratégias e projectos que se considerem adequados, em cada escola ou conjunto de escolas, para melhorar a eficácia e a adequação das aprendizagens a garantir aos alunos;

- estabelecimento de um 'corpus' nuclear de aquisições/aprendizagens comuns, a assegurar ao nível nacional, no quadro dos programas em vigor, em função das 'competências' que ao ensino básico compete garantir a todos os alunos e que constituem a 'sua justificação curricular';

- previsão de modos de articulação 'entre esse currículo nuclear comum e os projectos diferenciados de gestão e as opções curriculares específicas, a decidir por cada escola ou grupo de escolas" (AAVV, 1997: 14-15).

Pretendia-se, ainda, atribuir um reconhecimento ao saber teórico e prático dos docentes, convidando-os a expressar-se sobre o que consideravam essencial no currículo, no sentido de permitir a existência de modalidades de diferenciação e contribuir para que os professores deixassem de ser "apenas executores de novos currículos". Simultaneamente — recorrendo à participação de professores, associações profissionais e científicas, bem como a instituições do ensino superior — desejava-se mobilizar os saberes das diferentes áreas científicas integradas nos currículos, no sentido de definir o conjunto de "aprendizagens nucleares a nível nacional", embora mantendo em vigor os "programas do currículo actual". Ao desencadear o projecto ambicionava-se também a possibilidade de "gerar nas escolas e professores um processo

«offfí;» lnlaa'vas d° 90vemo de entSo viriam a traduzir-se, respectivamente no 'desenvolvimento de projectos de gestão curricular flexível, regulamentado pelo Despacho n° 4848/97, de 7/07/97, posteriormente revogado pelo Despacho número 95/90/99 de 14 de r » n lm^ f wr e C e" emnente' enquadrados no âmbito da 'reorganização curricular do ensino básico"; os currículos alternativos foram S i ™ ? ? , 0 22/SE0/96. de 20 de Abril; os 'territórios educativos de intervenção prioritária" por intermédio do

uespacho 147-B/ME/96, de 8 de Julho, surgindo o Decreto-Lei 115-A/98, de 4 de Maio e o Decreto Regulamentar n° 10/99 de 21 de ÍTZí°mS 3 no[matlvs fundamental para o actual modelo de 'administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré- escolar e dos ensinos básico e secundaria" r *

de 'reflexão sobre modos de trabalhar conjuntamente com os currículos, numa lógica de escola e tomadas de decisão contextualizadas'" (AAVV, 1997: 14).

Contudo, através do lançamento da Reflexão Participada sobre os currículos do

Ensino Básico, a administração educativa propunha-se, essencialmente, para além da

mudança nos mecanismos de gestão e regulação, alcançar "uma mudança de fundo nas práticas e nas culturas das escolas nos vários ciclos do ensino básico, nomeadamente no que refere a:

- trabalho colaborativo 'entre docentes e inter-áreas nas escolas, e inter-ciclos e inter-escolas, no quadro de um território comum';

-tomadas de 'decisão sobre o projecto curricular e educativo da escola e sua fundamentação', através de uma adequada utilização/rentabilização dos órgãos de gestão centrais e intermédios;

- introdução de 'decisões quanto à gestão dos tempos, espaços e recursos de cada escola, de acordo com as opções tomadas' para responder às situações particulares que enfrentam;

- 'práticas reflexivas, conducentes a iniciativas de formação a desenvolver', centradas na 'escola', e em cooperação com instituições do ensino superior e centros de formação', ou outras 'entidades e pessoas' que se revelem adequadas" {pp. cit.: 16).

Este conjunto de princípios, apresentados como o sustentáculo da mudança que se pretendeu implementar, serviu de base à prossecução de projecto de gestão flexível do

currículo, oficialmente viabilizados através da publicação do Despacho n° 4848/97, de 7

de Julho, que possibilitou às escolas a flexibilização da estrutura curricular consagrada no Decreto -Lei n° 286/89, de 29 de Agosto55, ao abrigo do Decreto-Lei n° 43/89, de 3

de Fevereiro, mormente a alínea a) do artigo 9o, em que se atribui à escola a

competência para "coordenar e gerir a implementação dos planos curriculares e programas definidos a nível nacional, no respeito pelas normas orientadoras estabelecidas e mediante a selecção de modelos pedagógicos, métodos de ensino e de avaliação, materiais de ensino-aprendizagem e manuais escolares coerentes com o projecto educativo da escola e adequados à variedade de interesses e capacidade dos alunos".

Porém, não podemos olvidar que, apesar de caber às escolas a iniciativa da organização de projectos de gestão curricular flexível, todo o processo se afigura conduzido pela administração educativa, cujos termos são definidos no Despacho, e controlados pelas Direcções Regionais que apreciam os projectos, enviando-os

54 Na verdade, devemos reconhecer que, pelo menos ao nível das intenções, os pressupostos afastavam-se claramente da perspectiva

de uniformidade curricular que ainda dois pares de anos antes, através do Despacho 14/I/ME/94 a Ministra da Educação Manuela Ferreira Leite prescrevia e que o Centro de Área Educativa de Viseu (CAEV), por exemplo, através do Of. Circular 50/94, de 31 de Outubro lembrava às escolas, ao transcrever a seguinte passagem: 'Nas escolas em que se verifique atraso no cumprimento dos programas devem os respectivos órgãos de gestão organizar, desde já, aulas suplementares, utilizando, designadamente, créditos horários atribuídos, no âmbito do apoio pedagógico acrescido, de forma a assegurar o cumprimento integral dos objectivos e conteúdos definidos no programa de cada disciplina'.

55 Recorde-se que o Dec. - Lei n° 286/89 de 29 de Agosto estabeleceu os princípios gerais que ordenaram a reestruturação curricular

posteriormente para aprovação ao Departamento de Educação Básica 5 . Esta prescrição curricular que, no entanto, não deixa de consagrar algumas margens de autonomia , seguindo uma estratégia que podemos enquadrar no âmbito de uma lógica do compromisso versus controlo (Bolivar, 2001: 161), resulta, para a administração educativa, "de um longo e continuado trabalho com as escolas e com as comunidades educativas"58, destacando, no ano lectivo de 1996-97, o Projecto de Reflexão

Participada sobre os Currículos do Ensino Básico. Refira-se, no entanto, que as

reflexões produzidas nem sempre corresponderam a verdadeiras acções reflexivas dos professores , mantendo-se um processo prescritivo e de subordinação do local ao central, isto apesar do discurso da autonomia e da flexibilização curricular (Paraskeva,

1998: 150), decorrente das recomendações do respectivo Relatório do projecto.

A enunciação deste quadro político-normativo e conceptual poderá no entanto evidenciar a ideia de que as mudanças curriculares mais do que construídas pelos actores poderão estar a ser conduzidas por decreto, o que se afigura em contradição com a retórica da administração educativa. Com efeito, se por um lado o discurso oficial se afasta da ideia de um Projecto Nacional, completamente prescritivo de todas as acções e desenvolvido no pressuposto de que as escolas seriam todas iguais, com as mesmas necessidades, interesses, características e capacidades, concretizando-se de modo idêntico em todas elas , há quem sustente que as escolas, ao submeterem os projectos

de gestão curricular flexível às respectivas direcções regionais de educação que, após

apreciação, os remetem para o Departamento de Educação Básica—ou, de acordo com o quadro normativo posterior ao Despacho n° 4848/97, ao Director Regional —; estarão no fundo a actuar ainda perante um modelo centralizador e, apenas aparentemente, flexível (Paraskeva, 1998: 150). A recente prescrição da reorganização curricular— e, deste modo, também de alguns dos princípios da gestão flexível do currículo —, aos

Conforme consta do ponto 2 do Anexo do Despacho n° 4848/97 e que se mantém nos normativos subsequentes.

Uma vez que no próprio diploma legal é enfatizada a necessidade de "ultrapassar uma visão de currículo como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme em todas as salas de aula e de ser apoiado, no contexto da crescente autonomia das escolas o desenvolvimento de novas práticas de gestão curricular". No seguimento do projecto de gestão flexível do currículo, as escolas são assim induzidas à assunção de "uma maior capacidade de decisão relativamente ao desenvolvimento e gestão das diversas componentes do currículo e a uma maior articulação entre elas, bem como um acréscimo de responsabilidade na organização das ofertas educativas" (Preâmbulo do Dec. - Lei n° 6/2001).

58 Dec.-Lei n° 6/2001

Como podemos dar o testemunho com a nossa própria experiência de então que, de certo modo, nos pareceu um trabalho extremamente burocratizado, descontextualizado e que na altura se nos afigurou como pouco coerente. No mesmo sentido se encaminha a conclusão expressa por um grupo de professores de uma escola do 2° e 3° ciclos, que se afigura ilustrativa do tipo de envolvimento dos professores: "No que respeita ao Documento 2, a escola não o estudou devidamente, restringindo-se a focar essencialmente dois aspectos da postura de perfil de competências apresentada pelo projecto em análise. Tal atitude por parte dos professores da referida escola, pode ser entendida como o reflexo de todo um corpo docente e ser interpretada como o resultado da falta de disponibilidade dos mesmos para a reflexão, do pouco interesse demonstrado pelos docentes na discussão dos temas em análise, do comportamento passivo dos professores relativamente a tomadas de decisões, visto eles terem assumido até ao presente o papel de meros executores de normativos..." (AAW, 1998: 332).

Com efeito, como sublinha Berta de Macedo, "esta concepção de Projecto Nacional de Educação afigurava-se como a única capaz de garantir, pela uniformidade (de objectivos, de estratégias e recursos) a coerência nacional da política educativa e a igualdade de oportunidades da qualidade de aprendizagem a oferecer aos alunos" (Macedo, 1995: 71 ).

dois primeiros ciclos do ensino básico e a imposição de uma calendarização rígida para o ciclo seguinte, poderão também apontar nessa linha de acção, mais preocupada em consagrar as determinações e regulamentações superiormente estabelecidos. Estar-se-ia, assim, a seguir um percurso já antes sublinhado por Berta de Macedo (1995: 70), relativamente ao projecto educativo, de acordo como o qual, embora parecendo inverter a lógica tipo top dawn de decisão curricular, não se consegue esconder uma realidade educativa marcada pela excessiva regulamentação e a normatividade.

Neste contexto, consideramos pertinente incluir como componente empírica deste trabalho, o ponto de vista dos dos professores requisitados pelo DEB e pela DREC para fazerem o "acompanhamento" das escolas a a nível local, no sentido de podermos analisar em que medida os seus discursos poderão estar — ou não — a reflectir essa realidade (o que faremos no caitulo V). Sabendo-se que, o que poderá estar em causa com a flexibilização curricular não são os seus fundamentos ou o professor como agente do fenómeno educativo, pois, este, sorverá a formação que lhe facultam. Ao invés, o que parece assumir uma maior importância, é aquilo que pode ser traduzido na "óbvia necessidade de uma cristalização contínua e sistemática de um determinado conhecimento que se quer continuar a perpetuar, é o facto de que, a sociedade política vazia que está de discurso, lança a ideia de uma autonomia curricular a partir de um vasto leque de medidas que acentuam a recentralização curricular" Paraskeva (1998:

154-155),.

Porém, a retórica oficial dá ênfase à ideia de uma alteração de perspectiva destinada a promover uma educação básica para todos com qualidade, realçando um objectivo estratégico assumido como um processo de educação e formação ao longo da vida61. Neste contexto, são reafirmados os objectivos insertos na Lei de Bases do Sistema Educativo, retomados como uma espécie de farol iluminador do currículo nacional, entendido como "o conjunto de aprendizagens e competências, integrando os conhecimentos, as capacidades, as atitudes e os valores a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico". Este, por sua vez, considerando o desenvolvimento da autonomia, deverá ser adequado ao contexto de cada escola num processo dinâmico em que o projecto curricular de escola e de turma assumem um papel determinante .

Dec. -Lei n° 6/2001. Dec. -Lei n° 6/2001.

A ideia de currículo como projecto, que "implica o desejo de intervir numa situação e de concretizar esse desejo por forma a transformar e melhorar essa realidade" (Leite, 2000: 22), parece, assim, assumir algum protagonismo. Para Carlinda Leite, esta ideia traduz-se de forma "substancialmente diferente da que atribui à escola o mero papel de transmitir uma herança cultural, na lógica da reprodução, e da que admite a existência de um currículo uniforme e igual para todo o território nacional e para todas as crianças