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III. l A auto-organização como base de construção de um currículo rico e emancipatório na pós-modernidade.

IV. 1. Em torno dos conceitos de mudança e de inovação curricular

Os conceitos de inovação, reforma e mudança têm dado azo a uma pluralidade de acepções na literatura que podem ser explicadas pelas "posições teóricas assumidas em grande parte das representações que se têm das características contextuais, representações essas que por sua vez estarão fortemente atravessadas pelas posições ideológicas e culturais daquele que classifica ou não de inovação uma dada mudança ocorrida num dado campo" (Cortesão, 1988: \2)\ O nosso propósito, no âmbito deste trabalho, não poderá ser, por isso, principalmente, o de mobilizar os diferentes contributos e análises relativas a estas temáticas, mas, sobretudo, deixar claro qual o sentido que atribuímos a estes conceitos, procurando situá-los no âmbito do quadro teórico sobre o currículo que nos serve de referência.

Pode admitir-se, como o faz Margarida Fernandes, que os conceitos de inovação educacional e de reforma têm vindo a distanciar-se, falando-se em inovação quando a mudança tem origem nas escolas e é construída pelos professores sem obedecer a um planeamento central e, em reforma, quando as mudanças são prévia e centralmente planeadas para serem aplicadas ao todo nacional (Fernandes, 2000b: 48-49). Porém, na perspectiva que iremos defender neste trabalho, esta visão dicotómica da mudança não tem grande justificação, uma vez que representa um paralelismo entre dois projectos epistemológicos que, sob este prisma, seriam colocados em ruptura absoluta; de um lado a reforma, que podemos enquadrar no contexto sócio-cultural da modernidade e, do outro a inovação, inserida no paradigma da pós-modernidade.

Com efeito, podemos entender o termo reforma "como uma mudança em larga escala, com carácter imperativo para o território nacional, implicando opções políticas, a redefinição de finalidades e objectivos educativos, alterações estruturais no sistema a que se aplica" (Canário, 1992: 198). Esta perspectiva da mudança ganha grande visibilidade no âmbito de processos planificados centralmente com o propósito de dar resposta a situações de crise que, nos países desenvolvidos, foram frequentes ao longo das décadas de 60 e 70. Contudo, é hoje corrente que tanto estes movimentos de mudança como aqueles que foram desenvolvidos ao longo da década de oitenta, e que seguiram o mesmo figurino6, não tiveram o impacto desejado (Fernandes, 2000: 52)7,

No campo educativo, há mesmo autores que defendem não ser justificada uma caracterização de cada um dos conceitos (Pacheco 1996a: 150).

Uma mudança definida por "momentos em que governos, em determinadas conjunturas sócio-políticas, se assumem como «grandes reformadores», aparecendo então o Ministro da Educação como decisor central e protagonista de conjuntos de medidas legislativas" (Benavente, 1992: 47-48).

tendendo-se a considerar que as mudanças estruturais e organizacionais 'impostas' e inseridas numa lógica de 'top-down', aplicada de igual modo a todos os estabelecimentos escolares (Garcia, 1994), estão a perder força e, pelo menos no discurso, deixaram de ter centralidade.

Sendo certo que há autores que admitem o uso indistinto dos termos reforma e de inovação (Afonso, 1998: 80), podemos distingui-los enquanto duas dimensões da mudança . Por exemplo, Fernandez Enguita defende a utilização do termo inovação para significar mudanças relativas aos conteúdos de aprendizagem e aos métodos de ensino, contrapondo-o ao conceito de reforma que se refere à mudança escolar no quadro da sua estrutura e organização gerais, bem como ao equipamento. Este autor utiliza, assim, o termo reforma para designar mudanças a nível macro, enquanto reserva o de inovação para destinguir as mudanças a nível micro9 (Enguita, 1990: 179). Apesar disso, como reconhece o mesmo autor, "(...) as mudanças em qualquer desses planos nunca deixam de ter efeitos maiores ou menores, directos ou indirectos, sobre o outro, amiúde traçam-se reformas sem inovação e, sobretudo, inovações sem reformas" (Enguita, 1990: 180).

No entanto o conceito de inovação pode também enquadrar-se num outro plano, o da organização escolar10, como é sublinhado por Garcia que entende inovação como

"uma mudança interna na escola, que afecta as ideias, as práticas, e estratégias que se utilizam, a própria direcção da mudança, as funções dos indivíduos que participam nestas práticas e é um processo que, ao contrário da Reforma, exige um tipo de mudança para pô-la em prática que é a aprendizagem. E dizer, sem aprendizagem, pelo facto de que alguém tenha idealizado uma inovação não está realizada" (Garcia, 1994: 450).

Com efeito, como sustenta Luiza Cortesão, o conceito de inovação pode corresponder a

"medidas que poderão ser tomadas quer no Centro do Sistema quer na periferia do mesmo e que, além de intencionais e organizadas, visam uma renovação tal que a curto, médio ou longo prazo, a diferentes níveis e em diferentes situações, acabam por ter reflexos na pirâmide de frequência educativa e sobre o efeito do investimento educativo no desenvolvimento pessoal e social dos diferentes actores sociais envolvidos" (Cortesão, 1988: 15).

Rui Canário refere autores diferentes como Crazier (1995), Schon (1992), Fullan (1993) ou Demailly (1992) para sustentar uma posição semelhante, lembrando que os autores citados, "(...) convergem numa apreciação muito critica das experiências de reforma que, em muitos casos, criam mais problemas que resolvem" (Canário, 1996a: 64).

Podemos entender mudança em educação como "uma modificação de algo, uma transformação de um aspecto da realidade, ligada à melhoria de um sistema ou de uma escola", podendo revestir diferentes graus de amplitude: um nivel geral, implicito no termo reforma e um mais específico, entendido como uma mudança inerente à própria escola, considerando as práticas e as estratégias que ai se utilizam (Flores. 1998: 81/83).

Esta perspectiva de inovação é também sublinhada por Gonzalez & Escudero que entendem que a inovação consiste "numa intervenção mais centrada na prática educativa", numa "série de mecanismos e processos mais ou menos deliberados e sistemáticos por intermédio dos quais se procura introduzir e proporcionar certas mudanças nas práticas educativas vigentes" (Gonzalez & Escudero,1987: 13/16).

O conceito de inovação surge, assim, definido numa perspectiva ideológica" e, ao não decorrer apenas de decisões feita pelo Centro, com o intuito de tornar as funções do sistema educativo mais adequadas para dar respostas técnicas consideradas necessárias ao sistema económico — configurando um quadro de inovações conservadoras de tipo funcionalista —, situa-se mais, como é sublinhado por Luiza Cortesão, numa "situação de trabalho enquadrada pelo paradigma de conflito na área das teorias críticas" (Cortesão, 1988: 16). Nesta perspectiva, os conceitos de inovação e de reforma podem estar inter-relacionados, embora aquele possa acentuar mais a dimensão local e, este, mais a dimensão central. Este facto é sublinhado também por Garcia quando refere que os limites quanto às origens das inovações — em que o currículo surge como uma das dimensões privilegiadas — não estão claros, podendo estas ser impulsionadas pela própria administração, num contexto em que

"A mudança das escolas e do sistema escolar não consiste na implantação de uma política concebida de forma centralizada mas é necessário desenvolver uma política que responda ao potencial educativo da prática" (Goodson & Walker, 1991, cit. por Garcia, 1994: 450).

Com efeito, embora a mudança educativa possa configurar um conceito genérico e amplo que compreende outros conceitos mais específicos, supõe sempre a alteração de um certo estado de realidade em alguma dimensão, amplitude e profundidade e assim, como sublinha Garcia, podemos falar de mudança educativa quando existe ou se propicia uma transformação da educação, desde um estado inicial a outro, sempre tendente a ser orientado pela direccionalidade própria de todo o processo educativo (Garcia, 1994:448).

No contexto deste trabalho, tanto o termo inovação como o de reforma, poderão ser utilizados para significar mudança, embora o termo reforma, seja mais utilizado para acentuar o carácter centralizado das mudanças propiciadas pela administração educativa e que afectam o sistema educativo, quer na sua estrutura, quer nos fins ou no seu funcionamento. Trata-se, portanto, também de uma mudança que é imposta numa direcção de "cima para baixo" e que se estende a todos os estabelecimentos escolares (Garcia, 1994: 448); o que, como pensamos, corresponde à situação vivida em Portugal com a reforma de finais dos anos oitenta. No âmbito das mudanças dos anos noventa, privilegiaremos a utilização do termo mudança para designar as inovações curriculares

Ao ser situado nas áreas designadas por Jaqueline Chobaux: reformismo moderado, reformismo avançado revolucionário moderado ou revolucionário avançado (Cortesão, 1988: 15-16).

-— que tanto podem acontecer a partir do centro como da periferia — e não apenas para

designar inovações locais ou, mais especificamente, didácticas.

A utilização do termo mudança em relação à reforma, tem também a vantagem de apresentar um aspecto menos normativo e mais 'científico', considerando que o objectivo da ciência social da escolarização consiste em estabelecer formulações teóricas sobre o seu contexto e efeitos sociais, atendendo a que, na esteira de Popkewitz, as mudanças, mais que preditivas e positivas, são históricas (Popkewitz, 1994: 13-14). O termo mudança surge, assim, entendido não como a disseminação técnica de prescrições emanadas do centro para a periferia, o que seria equivalente a reforma, mas enquanto um processo de inovação, isto é, uma ideia percebida como correspondendo a uma novidade e, por sua vez, a uma intenção para que seja assumida como tal. A mudança emerge assim como uma construção social e política em que os respectivos limites de compreensão não podem ser redutíveis a fenómenos meramente técnicos (Angulo, 1994:367).

IV.2. Percursos de mudança curricular: do discurso da mudança construída à