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MIGUEL PAULISTA

DESCONSTRUINDO O RACISMO

Partindo do pressuposto de que a escola é um local privilegiado para a pro‐ moção e a socialização de práticas e cul‐

turas numa esfera pública, as práticas educativas antirracistas no ensino de ba‐ se podem contribuir significativamente na formação de indivíduos mais conscientes e consequentemente oportunizar a parti‐ cipação efetiva dos negros como mem‐ bros pertencentes de nossa nação. Problematizar e reconstruir significados a cerca do racismo em sala de aula possibi‐ lita ações inclusivas e novas oportunida‐ des. Refletir sobre o papel da escola na desconstrução do racismo implica consi‐ derar a Lei 10.639/ 20032, como marco ini‐ cial das discussões antirracista e estigmatização do negro diante do euro‐ centrismo. Desde o início da escolariza‐ ção, é preciso apresentar a cultura africana de forma não estereotipada nem degradante, sobrepondo as ideologias im‐ postas pela práxis, trazendo para o ambi‐ ente educativo, materiais que possam colaborar com conceitos e vivências an‐ tirracistas, valorizando as especificidades de cada um, evitando associações históri‐ cas de escravidão, pobreza e miséria, as quais deturpam e enfraquecem a autoes‐ tima e a construção da identidade nas cri‐ anças negras.

Levando-se em conta que a Educa‐ ção Infantil é o primeiro ambiente de con‐ vívio institucionalizado e coletivo que a menoridade tem acesso, promover práti‐ cas pedagógicas que minimizem conflitos raciais e incentive o respeito ao outro pro‐ porciona a valorização e a aceitação posi‐ tiva das diferenças étnicas e raciais.

Existe a crença de que a dis‐ criminação e o preconceito não fazem parte do cotidiano da Educação Infantil, de que não há conflitos entre as cri‐ anças por conta de seus per‐ tencimentos raciais, de que os professores nessa etapa não fazem escolhas com base

no fenótipo das crianças. Em suma, nesse território sempre houve a ideia de felicidade, de cordialidade e, na verda‐ de, não é isso o que ocorre (BRASIL. Ministério da Educa‐ ção, 2012, p. 09).

Há a ideia de que, no âmbito da primeira infância não existe a discriminação e o preconceito não perdura, no entanto o enaltecimento de fenótipos quanto ao pertencimento racial são constantes no cotidiano escolar dos pequenos e merecem uma atenção especial por parte dos educadores, já que a construção do respeito e aceitação à diversidade são componentes importantes durante a construção da identidade dessas crianças. Repensar as ações didáticas no ensino básico incluindo perspectivas de igualdade étnico-racial, intervenções qualificadas por parte dos profissionais servem para ressignificar e reformular atitudes diante da diversidade cultural presente em nosso meio, beneficiando negros, brancos e construindo um futuro melhor para todos nós. No entanto, são muitas as dimensões que precisam ser consideradas, pois conhecer as lutas, origens e historias da população negra, reconhecer as heranças africanas e leis estabelecidas em nosso território, são pontos fundamentais para dar inicio às mudanças de paradigmas e pré-conceitos enraizados na formação da nossa sociedade. Mudanças essas, que possam superar as desigualdades e possibilitar a desconstrução de práticas excludentes, violentas e eurocêntricas que estimulam o racismo estrutural. Todavia, trata-se de um enfrentamento coletivo e não só da escola, de uma reaprendizagem ética e estética.

2 A Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira (Brasil Escola, 2020).

A aplicação da Lei nº 10.639/03 requer uma refle‐ xão sobre alguns conceitos como racismo, raça, autoesti‐ ma, cidadania, ações afirmati‐ vas, religiosidade, identidade étnico-racial, ancestralidade, oralidade étnico-racial, resis‐ tência, gênero e sexualidade, entre outros –, para dar sus‐ tentação às novas interven‐ ções na área educacional. Para se pensar a escola cidadã como um espaço de vivências sociais norteado pela possibi‐ lidade de construção de uma convivência democrática, é necessário conhecer essa di‐ versidade e os fatores que a negaram na política educacio‐ nal (São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação, 2008, p.20 e 21)

Na escola, o racismo se manifesta na ausência de um currículo multicultural, organizado de modo a valorizar as múlti‐ plas diferenças culturais e ressignificar mo‐ delos enraizados, revertendo a ideia de neutralidade e homogeneidade predomi‐ nantes historicamente, compreendendo os conflitos, contradições e reivindicações das lutas e representatividade negra, silencia‐ das ao longo do tempo pela hegemonia eu‐ rocêntrica. Repensar o problema sem ausentar-se da responsabilidade de mu‐ dança interior, exige do professor foco nas discussões e estratégias didáticas que pro‐ movam o respeito mútuo, refletido nas ex‐ periências e trocas entre brancos e negros independente de sua posição social ou hi‐ erárquica, seja ela qual for, sem se omitir ou se calar diante dos desafios e conflitu‐ alidades que fazem parte do cotidiano es‐ colar e suas especificidades.

O Currículo da Cidade de São Pau‐ lo traz como princípios fundamentais a equidade, inclusão e integralidade, defen‐ dendo a igualdade de oportunidades pa‐ ra todos, reconhecendo a diversidade e garantindo direitos fundamentais para um desenvolvimento integral e emancipatório.

A educação é um processo social. As pessoas se educam e são educadas cotidiana‐ mente nas suas relações in‐ terpessoais, nas ações de convivência, no trabalho, no lazer, nos diálogos produzi‐ dos nos espaços públicos e privados e também nas inte‐ rações com as informações a partir de diferentes tecnologi‐ as. A educação é um bem pú‐ blico e um valor comum a ser compartilhado por todos. Ela possibilita constituir uma vida comum nos territórios. É um direito de todos, tendo impor‐ tante papel na constituição subjetiva de cada sujeito e possibilitando a participação nos grupos sociais. É pela educação que uma sociedade assegura a coesão e a equi‐ dade social, a solidariedade e, num movimento comple‐ mentar, o desenvolvimento pessoal de todos e de cada um (São Paulo (SP). Secreta‐ ria Municipal de Educação, 2019, p. 20).

Por ser um processo social, a edu‐ cação ocorre num âmbito comunitário e de partilha, estabelecendo inter-relações importantes para a formação da cidada‐ nia e da vida em sociedade. Para a edu‐ cação infantil especificamente, o Currículo

da Cidade aponta para os elementos da vida em conjunto (territórios e cultura), e de modo intencional, abre um leque de oportunidades de aprendizagens, ar‐ ticulando saberes, linguagens, práticas e conhecimentos, assegurando o aces‐ so, protagonismo e a interação entre be‐ bês, crianças e adultos, fundamentados por princípios, éticos, políticos e estéti‐ cos, acolhendo as diversidades, respei‐ tando e valorizando as diferenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo diante das inúmeras ba‐ talhas e opressões sofridas pelos negros ao longo da história, garantir os direitos de igualdade, respeito e valorização da classe se traduz em uma tarefa constan‐ te que deve ser iniciada já na educação infantil. Onde o trabalho com crianças favorece a socialização e a interação do sujeito com o meio e seus pares. Estimu‐ lar situações de aprendizagens que en‐ volvam a diversidade, o preito às diferenças de cor, raça e cultura é um caminho para erradicar o preconceito e a discriminação na sociedade racista contemporânea. Fruto de uma emanci‐ pação europeia difusa, que dominou e domina ainda hoje uma história, regada por abusos de poder, segregação e mar‐ ginalização baseadas na cor da pele de um indivíduo. Fato inaceitável em uma nação que luta por igualdade de direitos e melhores condições de vida para todos.

O trabalho em sala de aula preci‐ sa estar pautado na promoção da igual‐ dade, equidade e empatia entre os sujeitos, propiciando um ambiente sau‐ dável para as relações de afeto e defe‐ rência, pois por muito tempo crianças negras sentiram vergonha de suas ori‐ gens e cor, isolando-se e calando-se nos espaços comuns para não sofrerem pre‐ conceitos.

Contudo, cabe ao educador de‐ bater temas antirracistas e criar estra‐ tégias pedagógicas que possam viabilizar a compreensão de concepções e perspectivas inclusivas de um currícu‐

lo multicultural e libertador.

Discutir as relações étnico-raciais é prioridade no processo educativo, já que o racismo se faz presente entre as crianças, negando identidades, suprimin‐ do sentimentos, difundindo estereótipos e preconceitos inerentes da colonização eurocêntrica equivocada e excludente, a qual fomenta o ódio e a injustiça em prol da supremacia branca. Trazer essas discussões para o universo infantil im‐ plica desconstruir tais condutas, geran‐ do uma escola democrática, que valorize as relações de cuidado, afeto e empatia. De modo a impulsionar uma educação humana, libertadora, significativa, ínte‐ gra e de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS