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Capítulo 3. Os casos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

3.1. Descrição de casos de TDAH

O significado dos sintomas e dos distúrbios patológicos, para Arthur Kleinman (1988), modifica-se de acordo com as relações e experiências que se estabelecem em torno de uma doença. O autor então distingue três termos de língua inglesa: sickness, disease e illness. Sickness é a doença em seu sentido abstrato e genérico. Trata-se de “um distúrbio [...] que se manifesta em uma população e em relação a forças macrossociais (econômicas, políticas, institucionais)” (KLEINMAN, 1988, p. 6). Disease designa aquilo que o médico é treinado a ver com o respaldo de um determinado arcabouço teórico e técnico, conforme a sua especialidade. Kleinman afirma que o cuidador (healer) — que pode ser um neurocirurgião, um médico familiar, um psicoterapeuta, entre outros especialistas — interpreta o problema de saúde a partir de uma determinada nosografia que permite criar uma nova entidade diagnóstica: a doença. Em outros termos, a doença, enquanto disease, configura-se tão-

somente como uma alteração da estrutura e do funcionamento biológico. Já illness refere-se à experiência da doença. O termo contém tanto a experiência coletiva quanto as experiências pessoais do doente e de sua família. A primeira considera as expectativas convencionais criadas socialmente em torno de modelos comportamentais enquanto a segunda envolve a dor e outros sentimentos, as categorizações elaboradas por esses indivíduos para explicar sua experiência, as dificuldades geradas pelos sintomas etc.

Apesar de suas especificidades, as diferentes perspectivas e experiências da doença, sobretudo disease e illness, articulam-se em uma relação de mútua transformação por meio de negociações. As considerações propostas por Kleinman implicam o questionamento do discurso médico como o único capaz de dizer a verdade sobre a doença, bem como permitem indagar aquilo que os adultos informaram sobre a condição da criança.

Em certa medida influenciada por essa abordagem da experiência da doença, a descrição dos casos de TDAH trata da organização dos dados referentes a um conjunto de percursos que compõem a vivência em torno da “dificuldade de aprendizagem” e dos “maus comportamentos”. A demanda por atendimento especializado originada na escola envolve a triagem e o encaminhamento do aluno — identificado por professores como um possível portador de TDAH — a um profissional de saúde. A especialidade desse profissional e o tipo de serviço em que ele trabalha diversificam-se conforme o caso analisado. Há, portanto, um conjunto de procedimentos formalizados na escola para a realização das solicitações de encaminhamento.

No plano das experiências infantis, os casos descritos a seguir constituem-se também do contexto social e familiar das crianças e, sobretudo, das formas pelas quais elas colocam em questão as verdades e os estigmas que as rodeiam. Para que a análise não se torne excessivamente longa e enfadonha, não serão descritos os casos das quinze crianças acompanhadas. Foram selecionados casos e acontecimentos de campo significativos, explorados mais detidamente (por um tempo mais longo, por meio de um contato direto de qualidade com a criança e devido às informações consistentes coletadas a partir de conversas com professores e de acesso a materiais, como o prontuário escolar), uma vez que tocam questões emergentes comuns aos demais casos.

“Ele tem a inteligência dele, a gente sabe que ele é capaz, mas ele não controla”

Luan tinha treze anos, em 2013, quando cursava o oitavo ano na escola municipal de Moji Mirim. Filhos de pais divorciados que constituíram novas famílias, Luan e sua irmã

mais velha estavam sob os cuidados da avó paterna, Dona Tina, uma senhora cabeleireira cortês e preocupada com os netos. Sobretudo com o menino, que foi separado da mãe com poucos anos de idade. Dona Tina, em entrevista, considerou a separação como abandono e afirmou que, tempos após o evento, Luan dizia ter medo de que ela também fosse embora. A seu ver, os acontecimentos referentes à mãe fizeram com que seu neto “não fosse normal”62

. O pai ainda o busca aos finais de semana, pois trabalha em outra cidade, onde mora com sua nova esposa.

“Eu vou para lá na sexta, à noite. Lá eu posso mexer na internet e ficar no computador. Primeiro eu tenho que pedir a autorização dele, né? E de vez em quando eu fico jogando videogame. São essas coisas que eu gosto de fazer”.

A série de fatos familiares mencionados induziu Dona Tina — que se considera agitada como Luan — a superprotegê-lo. Em âmbito escolar, a combinação de acontecimentos permitiu a alguns professores identificar na relação entre avó e neto a ausência de imposição de limites comportamentais, definida como um dos fatores determinantes do baixo rendimento escolar do aluno. O desempenho escolar desajustado de Luan causou ainda mais angústia na avó, que reconheceu que “ele tem esse probleminha de ser desligado”. Em entrevista, ela confidenciou-me que, por “já estar velha”, essa situação é- lhe penosa. Sente-se impotente por trabalhar durante a maior parte do tempo, o que a impede de dedicar-se ao neto. Outro fator de descontentamento é a escassa formação escolar, uma vez que ela estudou até a quarta série, quando foi forçada a abandonar a escola para realizar o trabalho doméstico, o que a impede de auxiliá-lo nos estudos em casa.

“Eu estudo algumas matérias em casa. Informática eu não estudo, porque é prova escrita. Só tiro vermelha! É por causa que, de vez em quando, eu fico esquecendo as coisas. Dá um branco. Eu fico nervoso. Ô! Se fico. Chuto tudo e mais um pouco!”

Luan sempre demonstrou ser polido, espontâneo e objetivo em suas respostas, exceto quando se tratava de contar histórias de terror. Participativo nas exposições orais das aulas de História, enfadava-se, porém, com o dever de escrever, sobretudo o de copiar. Naqueles momentos, distraía-se constantemente com o papel, a caneta minúscula, após ser quebrada e cortada, o inseto na cortina, a borracha, a meia, o corretor líquido, os alunos fora da sala, os pensamentos ou o desejo de estar em casa para jogar videogame. Deitava-se sobre

62 As frases e parágrafos destacados em itálico dizem respeito a enunciados e trechos de relatos proferidos por

professores e, principalmente, por crianças acompanhadas em campo. Alguns deles foram sutilmente adaptados — com anuência dos sujeitos concernidos — para dar fluidez à leitura e, em certos casos, para manter o anonimato das pessoas envolvidas. Optei por não reportá-los como citações, conforme os padrões de formatação textual, a fim de que esses sujeitos, principalmente as crianças, interviessem nas descrições.

a carteira, virava-se para um lado e para o outro, mostrando estar incomodado. A atividade de cópia era retomada quando alguém o despertava, fosse pelo professor que lhe perguntasse se ele havia terminado de copiar, fosse pelo colega que dissesse “nossa”, quando percebia que ele sequer tinha acabado de copiar o conteúdo do início da lousa.

“Na verdade, copiar pra mim não é nem cansativo, é irritante! Porque a professora passa um monte de coisa e eu fico copiando. Aí, de repente, eu começo a ficar com sono, eu fico pensando em outras coisas, eu paro. Aí começa a dar aquelas ilusões lá. Fico até vendo, às vezes, outras coisas. A matéria da lousa some! Fico olhando pra fora assim, me imagino de férias já”.

Preso a seu corpo e a seu espaço na sala de aula, Luan parecia libertar-se em suas “viagens”, no sentido de devaneios, ao mundo dos jogos, da fantasia e da brincadeira, mesmo estando em sala de aula. Entretanto, a dispersão causada pela relação entre o enfado de copiar e a imaginação do brincar definia-se como um quadro sintomático do TDAH e também da inadaptação individual ao sistema educacional ou ao grupo de alunos em sua turma. Em decorrência desse quadro, Luan era, acima de tudo, alvo de comentários negativos referentes ao seu comportamento em sala de aula e ao seu desempenho escolar abaixo do esperado por alguns colegas e professores.

“As pessoas me tratam de um jeito diferente. Os moleques lá da sala ficam me xingando. Um colega fica falando que eu sou idiota, inútil. Não sei por que falam isso. Acho que porque eu fico falando muito sozinho. Eu gosto de conversar. Quando eu não tenho com quem conversar, fico falando comigo mesmo. Sobre um acidente que deu um dia. Antes eu ficava imaginando coisas ruins. Tipo, eu corria ali, parava um pouco e imaginavam ‘o que acontece se eu cair?’. Eu falava sobre essas coisas comigo mesmo só, porque se eu começo a falar com alguém, a pessoa fica irritada e manda eu calar a boca. [...] Eu queria que ele me tratasse melhor, né? Tipo, antes esse colega me conhecia, quando ele ainda começou a me conhecer, ele era legal comigo. Mas ele começou a ficar andando com uns moleques na rua. No recreio eu fico com o pessoal de outras salas e, de vez em quando, de outras séries! [...]Ainda bem que eu não caí na turma A, senão eu já tinha estragado a sala, que é um bando de CDF63

!”

No primeiro semestre de 2009, quando cursava o quarto ano, aos nove anos de idade, Luan recebeu um laudo médico (anexado ao seu prontuário escolar e composto também por outros relatórios de acompanhamento, inclusive o de uma terapeuta ocupacional)

63 “CDF” é um termo popularmente utilizado por estudantes para se referir aos colegas considerados como

atestando o diagnóstico de “déficit de atenção”. O laudo foi emitido por um neurologista infantil a partir das reclamações de professoras descritas em um formulário de encaminhamento, dos resultados de exames e dos questionários (SNAP-IV) respondidos por aquelas profissionais. As queixas registradas no documento são: não faz tarefas, não consegue se controlar, é ansioso, não se relaciona bem com os colegas. Afinal, “ele era inteligente, mas não conseguia se controlar”.

O laudo emitido pelo neurologista desencadeou outras formas de acompanhamento, além das consultas com esse profissional. As sessões de terapia com uma terapeuta ocupacional e uma psicóloga do centro de especialidades médicas do município e a prescrição da Ritalina® foram mencionadas por Luan. Esse conjunto de ações permitiu à escola escrever na frente do nome do menino na lista dos alunos da sala, em vermelho, “hiperativo”, embora o diagnóstico enfatizasse o déficit de atenção e a “incapacidade de se controlar” (a impulsividade).

“Eu não gostava de ir no médico, o doutor S. ficava me entupindo de remédio. O bom de ir no médico é de dia de semana.... eu lembro um dia que eu fui lá no centro médico de manhã, eu ainda estudava de manhã, cheguei lá, o médico não estava, não tinha nem consulta marcada. Minha vó falou assim ‘se você ficar quietinho lá em casa eu te deixo faltar da escola’. [...] Eu tinha consulta com o psicólogo. Ela trabalhava a hiperatividade. Eu preferia ela [ao doutor S.]. Ela não fazia nada, só deixava a gente brincando só. Assim é ótimo! Ela não me ajudou (disse sorrindo). Só me animar mais, por causa que eu ficava nervoso com a escola. Pensar que eu ia repetir, repetir, repetir. Eu ficava preocupado”.

Alguns professores disseram que, sem o remédio, Luan “subia pelas paredes”. Nesse sentido, o medicamento foi colocado como algo fundamental para seu desempenho, sobretudo no que se refere a seu comportamento e sua capacidade de se controlar. Já para sua avó, a Ritalina® não provocou mudanças comportamentais ou de desempenho escolar durante o tempo em que foi administrada ao neto, mas, em vista de sua intensa preocupação com o menino, recorrentemente colocava em dúvida, durante nossa conversa, se seria ou não necessário retomar o uso do medicamento.

“Já tomei remédio. Ritalina®! Eu ficava com sono. Dentro da sala de aula, caiu um lápis lá no fundo, eu olhava já. Eu ficava atento e sonolento. Você fica com aquele sono, aí, cai alguma coisa (e vira o rosto rapidamente para trás). Acho que o ruim desse remédio que eu tomei é que eu comecei a ouvir vozes. Tipo, eu ouço minha vó me chamando, eu vou lá e falo ‘quê, vó?’, ‘eu não te chamei’.[...] Quando eu tomava Ritalina®, piorou (eu lhe perguntei se ele havia notado alguma diferença quando parou de tomar o medicamento).

Minha vó falava que eu ficava com tique, sabe? Piscando duro, olhando pra lá, pra cima. Eu tive que tomar outro remédio pra parar com isso. Eu não gosto de tomar remédio”.

Nem todos os professores sabiam dizer se Luan tomava ou não o medicamento, revelando um desencontro de informações no espaço escolar. Desencontro verificado na discordância de opiniões sobre o comportamento do garoto. Uma professora afirmou que ele não havia piorado, ao contrário dos relatos de colegas de que o comportamento do aluno estaria cada vez pior, com maior desatenção e baixo rendimento. Outro ainda concluiu que o maior problema do aluno era sua desatenção, e não a indisciplina, aqui entendida como falta de controle ou a agitação.

“Me distrair é um problema em quase todas as aulas. Em informática e educação física eu acho que quase nunca aconteceu”.

Enquanto os professores especulavam sobre o consumo do medicamento, Luan afirmava que não o consumia mais, informação essa repetida em 2015, em nosso último encontro. Contudo, a veracidade desse relato foi colocada em questão por um professor quando me aconselhou a “verificar essa informação com a família. O que ele diz não é confiável”. Após essa consideração, o professou alegou que, no ano anterior, Luan estava melhor, porque ainda tomava remédios. Quando o medicamento (ou a ausência dele) deixou de dar sentido à condição do menino, este se tornou “não confiável” aos olhos do professor, e seu baixo desempenho assumiu outro referencial, porque Luan estava mais envolvido com os bagunceiros da sala naquele ano corrente, conforme relatado na conversa.

O desencontro verificava-se também nas diferentes estratégias pedagógicas adotadas em sala de aula direcionadas a Luan. Um dos professores chamava sua atenção em voz alta, requisitando sua concentração. Outra professora aproximava-se cuidadosamente de Luan e, com um gesto discreto, lembrava-o de que estava em sala e que, naquele momento, ele deveria dedicar a atenção à aula. As aprovações consecutivas pelo conselho de classe (mesmo acompanhadas por um sentimento prévio de incerteza sobre a aprovação que o afligia) eram, contudo, a estratégia pedagógica mais impactante tanto para os professores quanto para esse aluno.

“E minha vó, quando ela ia na reunião... por dois anos seguidos ela falou assim ‘você repetiu’. Aí depois ela falou assim: ‘mentira, você passou’ (disse em tom exaltado, mas baixo). Esse ano ela pregou uma peça, aí ela falou assim... não, aí eu peguei meu boletim (silêncio)... ‘você passou’. Lá embaixo estava: ‘aprovado pelo conselho’. Ufa!”

Luan foi reprovado anos depois, por duas vezes consecutivas. Segundo o menino, na primeira vez em que cursou o oitavo ano, em 2013, não prestava atenção às aulas; na

segunda, no ano seguinte, não entendia o que o professor explicava; na terceira, espera finalmente passar, pois “não vê a hora de ir para o nono ano”. Independentemente do motivo da reprovação, a distração durante a aula é ainda uma importante questão para Luan. Parece aproveitar, porém, o novo método de ensino adotado pelo departamento municipal de educação, focado mais na pesquisa, na busca de informações e de conhecimento, do que na cópia de conteúdos da lousa, conforme as informações fornecidas pela coordenadora pedagógica. Ela também relatou, com entusiasmo, que o nome de Luan não constava mais na lista dos alunos com baixo desempenho escolar.

“Ele tem laudo e presta atenção nas aulas”

Danilo tinha doze anos e cursava o sétimo ano da escola municipal de Moji Mirim, em 2014. Nossa conversa aconteceu em 19 de maio daquele ano, no pátio da escola, onde estávamos sentados em um banco junto à parede externa da sala de aula de Danilo. Sempre muito educado com os colegas e os adultos, cumprimentava-me e auxiliava os professores a carregar seus materiais.

“Eu não sou tímido. Eu faço um monte de amizade nas festas”.

Caçula de uma família que habita a zona rural, Danilo preferia, anos antes de nossa conversa, brincar no sítio e com seus animais a estudar. A agitação é, segundo ele, algo comum, pois toda “a família é elétrica”. Na escola, encontrava oportunidades para escapar da sala de aula e correr pelo pátio.

“Quando não trocava professor, eu sempre dava a desculpa que precisava sair e ficava andando pela escola. Não via a hora do sinal pro recreio para ir correr”.

Danilo recebeu o diagnóstico de TDAH há alguns anos. Não foi possível precisar a data ou os motivos da solicitação de emissão do laudo médico, uma vez que os documentos médicos encontrados em seu prontuário escolar não contêm tais informações. Elas restringem- se a comunicar a especialidade do profissional responsável pelo laudo — um psiquiatra infantil — e a prescrição da Ritalina®.

“Eu sou hiperativo também, por isso que eu tomo remédio. Só assim eu consigo me concentrar na aula. Eu tomo às 8, ao meio dia e às 4, de 4 em 4 horas. Agora eu consigo ficar sentado, prestar atenção. Troca professor, eu troco o material sentado”.

Sabe-se que o aluno ainda é acompanhado por especialistas em neurologia e psiquiatria infantil que atendem pacientes conveniados com planos de saúde. Segundo uma professora, o próprio Danilo sentia a necessidade de tomar o medicamento, pois ele “não

aguentava o modo como se comportava”. A administração do medicamento tornou-o capaz de participar das aulas. Mas alguns professores afirmaram que, anos antes, o garoto causava problemas, mesmo tomando o remédio. Em uma nova conversa estabelecida em setembro de 2015, a coordenadora pedagógica informou-me que ele estava sendo constantemente encaminhado à diretoria por mau comportamento em sala, o que se devia, provavelmente, à interrupção do uso do medicamento. Danilo, entretanto, disse que continuava a fazer uso da Ritalina® e que a dose havia sido dobrada (de um para dois comprimidos) a pedido de sua mãe. Ele supôs que seu “corpo devia estar acostumado ao remédio”, uma vez que a medicação não surtia mais efeito e o garoto não se concentrava nas aulas. Em casa, ele continuava a consumir um único comprimido para diminuir a agitação. Salvo os encaminhamentos à diretoria, não foram observadas estratégias pedagógicas específicas orientadas a Danilo em sala de aula, visto que se tratava de um “bom aluno”.

Os bons alunos são, apesar dos incidentes, referências de uma turma. Comparando Danilo e Vitor — seu colega identificado como uma criança hiperativa, que “faz as atividades quando quer” e conversa demasiadamente —, a professora Sabrina afirmou acreditar que o segundo utilizava o diagnóstico de TDAH para justificar seu comportamento e não se preocupar com os limites em sala de aula. A comparação se fazia, então, com referência ao laudo médico. Respondendo à minha pergunta (se ela acreditava que o diagnóstico de TDAH era usado como respaldo ao mau comportamento, não sendo o transtorno a real causa do baixo desempenho de Vitor), a professora afirmou: “Sim. Eu acho que sim. O Danilo tem um laudo e ele presta atenção”.

Ainda que os professores da turma de Danilo e Vitor compartilhassem a convicção de que o diagnóstico psiquiátrico pudesse ser usado como base de manipulação da condição do aluno em sala de aula (como é o caso relatado pela professora Sabrina), eles construíam suas percepções sobre a ação do medicamento. Danilo prestava atenção às aulas devido à ação efetiva da Ritalina®. Já no caso de Vitor, que estava sem medicação há algum tempo, em vista da impossibilidade financeira de sua família comprar o medicamento, a indisciplina e o baixo rendimento escolar eram entendidos como manifestações decorrentes da interrupção do tratamento. “Descobrimos que ele está sem medicamento”: esse é o momento em que se confirma a condição patológica da criança, reforçando a necessidade da Ritalina® e da intervenção especializada.

A afirmação de Danilo, a seguir, torna clara a relação entre ser um “bom aluno”, aos olhos dos professores, e a ação efetiva do medicamento: “quando eu não tomava remédio, os professores ignoravam minhas perguntas. Com o remédio eles não ignoram mais”. Algo

similar se passava com Giovani (nove anos, aluno da escola municipal de Campinas, em 2013). Seu problema foi definido pela professora Isadora como sendo comportamental, e a solução estava no uso do medicamento: “O Giovani é um excelente aluno quando medicado, pois o que atrapalha é seu comportamento” em atitudes como, por exemplo, o transportar de cadeiras e gibis pela sala para organizá-los no lado oposto de onde costuma se sentar, enquanto a professora corrigia a tarefa.

O medicamento também tem um significado para as crianças. Ao contrário de