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1.3 Técnicas Expressivas Gráficas

1.3.1 Desenho da Figura Humana (DFH)

As primeiras utilizações do Desenho da Figura Humana foram em 1926, com a criação proposta por Goodenough, que sistematizou um método destinado a avaliar o desenvolvimento intelectual infantil através do desenho de uma figura humana, seguindo a instrução “Desenhe um homem”. A partir de então, essa técnica se tornou uma das mais utilizadas para a avaliação cognitiva de crianças, por ser um instrumento não verbal, de grande interesse e espontaneidade, de fácil aplicação e baixo custo (PALUDO; COSTA;

6 O Desenho da Figura Humana não está aprovado para uso no momento pelo CFP (Medida002/2003), tendo seu no emprego de pesquisas, como a presente, permitido e estimulado (CFP, 2003).

SILVA, 2010). No curso da aplicação deste instrumento, se descobriu que o estudo cuidadoso dos desenhos muitas vezes apresentava dados sem relação ao nível intelectual devido à diversidade e individualidade encontrada em desenhos de crianças com a mesma classificação mental, podendo observar que meninos inibidos e calados, encontraram nos desenhos a oportunidade de descarregar suas fantasias primitivas, ansiedades e culpas (MACHOVER, 1949). Assim, além do uso do DFH para o entendimento do nível da cognição, outros pesquisadores, dentre eles a precursora do DFH na identificação da personalidade na projeção do desenho, Machover (1949) e, posteriormente, Hammer (1981) conseguiram observar que os desenhos também traziam contribuições para se realizar a análise da personalidade dos sujeitos. Esses autores conseguiram identificar que os elementos contidos nas técnicas expressivas gráficas falavam mais sobre o sujeito que o desenho em si, e nortearam suas ideias no pressuposto de que os desenhos poderiam ser vistos com indicadores do desenvolvimento psicológico da criança (PALUDO; COSTA; SILVA, 2010). Hoje a técnica é conhecida pelos psicólogos principalmente como estudo da personalidade, se referindo às características como ajustamento emocional, relações sociais, interesses e atitudes.

Os estudos preliminares de Karen Machover sobre a análise do Desenho da Figura Humana ocorreram durante 15 anos, utilizando-se de uma ampla variedade de material clínico que foi coletado em clínicas e hospitais de saúde mental. O objetivo da autora era o aperfeiçoamento da técnica como instrumento a ser utilizado na clínica para a análise da personalidade, tendo sido desenvolvido estudos de formulação e classificação dos princípios de interpretação do produto gráfico (MACHOVER, 1949).

A própria autora do DFH para análise da personalidade do indivíduo afirma que quando se desenha,

A atividade, despertada como resposta a “desenhe uma pessoa”, é na verdade uma experiência criadora, como será testificada pelo indivíduo que está desenhando. A experiência ampliada e concentrada com desenhos da figura humana indica uma íntima união entre a figura desejada e a personalidade do indivíduo que está realizando o desenho7 (tradução nossa, MACHOVER,

pág. 3 e 4, 1949).

7 La actividad, despertada como respuesta a “dibuja una persona”, es em verdade, uma experiência creadora, según será testificado por el individuo que está dibujando. La experiência amplia y concentrada com dibujos de la figura humana, indica uma íntima unión entre la figura dibujada y la personalidade del individuo que está realizando el dibujo.

Ela acrescenta que em algum momento durante a produção aparece o processo de seleção que envolve a identificação por meio da projeção e introjeção, devendo o indivíduo desenhar conscientemente, mas também inconscientemente, e assim, ao envolver a projeção da imagem, o desenho oferece um veículo natural de expressão das necessidade e conflitos do próprio Eu (MACHOVER, 1949). Segundo a própria autora, a interpretação do desenho resulta da hipótese de que a figura desenhada se relaciona com o indivíduo que está desenhando com a mesma intimidade que caracteriza o seu comportamento, letra ou qualquer outro movimento expressivo.

Sidney Levy, em contribuição ao já citado livro de Hammer (1981), define que o desenho projetivo da figura humana possui quatro pressupostos que se complementam, sendo o primeiro, e o pressuposto básico, o de que os DFHs são determinados; o segundo diz que esses desenhos são determinados por fatores psicodinâmicos nucleares; no terceiro pressuposto, o autor define que esta nuclearidade surge como resultado do conceito de “imagem corporal”, e que de acordo com esse conceito cada indivíduo leva consigo, em seu aparelho psíquico, uma imagem do tipo de pessoa que é; por fim, no quarto e último pressuposto ele afirma que, apesar do DFH ser determinado por uma combinação de fatores culturais, pelo treino pessoal e biomecânico, esses fatores podem ser isolados, identificados e qualificados, até certo ponto.

Machover (1949) reafirma ao longo de seu livro que a figura humana desenhada pelo indivíduo ao se pedir “desenhe uma pessoa” se relacionada intimamente com os impulsos, ansiedades, conflitos e compensações características do próprio sujeito, sendo a pessoa desenhada, a própria pessoa, o papel o meio ambiente e o processo de desenhar uma relação de projetar a si mesmo, com todos os significados. A autora dá alguns exemplos da projeção nos DFHs, por exemplo, escrevendo que quando quem está desenhando o DFH apaga os braços e os muda de posição diversas vezes, pode-se interpretar que ele não sabe bem o que fazer com suas mãos em sua conduta, também cita, entre outros exemplos, a lentidão na qual o desenho é realizado, encontrado em indivíduos com enfermidades mentais e conflitos de desorganização da personalidade.

No trabalho de Paludo, Costa e Silva (2010) as autoras exemplificam a projeção no DFH citando a presença de dentes na gravura, simbolizando questões relacionadas a sentimentos de agressividade, assim nos desenhos com dentes muito destacados, pode-se entender que o desenhista está projetando seus instintos agressivos, como sentimentos impulsivos. Koppints (1976) enumera 30 indicadores para uma Escala de Indicadores

Emocionais, em que cada um é um indicador gráfico que possui validade clínica capaz de diferenciar crianças com problemas emocionais das que não os têm; os indicadores aparecem com pouquíssima frequência em crianças que não são pacientes psiquiátricos e não estão relacionados com a idade e nem maturidade intelectual da criança. Esses são apenas alguns exemplos, dentre tantos citados por essas e outros diversos autores, para ilustrar diferentes formas de se apreciar a projeção no DFH.

Soifer (1980) trabalhou com desenhos de figura humana em gestantes, utilizando-se a aplicação do Teste de Projeção Corporal e, com a técnica a autora airma ter conseguido melhor diagnóstico da personalidade das gestantes, confirmando e ampliando os dados obtidos durante os grupos de psicoprofilaxia. A técnica usada trabalha com nove desenhos da figura humana (desenho de uma pessoa; uma pessoa do sexo oposto ao primeiro; uma pessoa nua ou vestida, dependendo dos desenhos anteriores; igual o anterior, mas do sexo oposto; de costas, mas em olhar; de perfil e sem olhar enquanto desenha; deitado, também sem olhar; uma pessoa com todos os órgãos e uma pessoa em um ambiente) aplicados nas gestantes após os seis meses de gestação.

A partir dos desenhos, a autora pode perceber problemas na aceitação na gravidez, principalmente relacionados à negação, tendo os desenhos das figuras femininas com a cintura fina e não arredondamento do ventre. Ela observa que, apesar dessa característica, nos desenhos que eram feitos sem olhar os desenhos apresentavam algum engrossamento no ventre, especialmente na figura de perfil. A autora ainda descreve que algumas ansiedades relacionadas à gravidez, como a falta de mãos representando a impotência e impossibilidade de contato como mundo, sugerindo impotência frente ao parto e a fantasia de não poder sustentar a criança, cria-la e ampará-la. Alguns sintomas típicos da gravide também podem ser observados nos desenhos ao verificar as zonas corporais correspondentes, por exemplo,

“boca e pescoço (vômitos), pernas rígidas (câimbras), figuras no ar (tendência aos desmaios), figuras em formato de ovo (edemas característicos das personalidades simbióticas), falta de pescoço (dificuldade respiratória), etc.” (p.100).

Com esse estudo, podemos afirmar que a técnica do DFH, apesar de ser muito usada com crianças, possibilita identificar o funcionamento psíquico de diversos grupos e indivíduos, permitindo ser trabalhada em qualquer idade e situação, como nessa dissertação, em que se estuda adolescentes gestantes. Iwata, Rosa e Valente (2013) também visaram

trabalhar com adolescentes gestantes por meio de técnicas expressivas, dentre elas o DFH, utilizado conforme as instruções de Karen Machover. Segundo as autoras, os desenhos se apresentaram muito pobres em estrutura e detalhes, sendo mal elaborados e não condizendo com a idade das adolescentes. Elas também trazem como a projeção pode estar relacionada ao lugar da folha que o indivíduo usa para desenhar. No caso das adolescentes gestantes pesquisadas pelas autoras, foi mais utilizado a parte inferior esquerda, se relacionando a conflitos, repressão e fixação num estágio mais primitivo, o que as autoras sugerem se ligar ao fato das jovens ainda não terem amadurecimento suficiente par viver a feminilidade e maternidade. Ainda com relação à posição da figura na folha, elas destacam a metade inferior, muito utilizada dos desenhos da pesquisa, como caracterizando insegurança e inadequação, podendo refletir incertezas no atual momento da vida, sendo representado pela insegurança trazida pela gravidez (muitos fatos novos e futuro incerto e duvidoso, apesar do dado como futuro não ter sido demonstrado, considerando a ausência de desenhos na parte direita da folha, mas que também pode ser considerada uma característica própria da adolescência).

Essas mesmas autoras também utilizaram alguns conceitos de Van Kolck (1968), alguns dos quais serão descritos no terceiro capítulo, ao se tratar dos instrumentos. Um dos elementos utilizado por Iwata, Rosa e Valente (2013) no trabalho com adolescentes gestantes foi com relação ao tamanho que, segundo Van Kolck (1968) pode demonstrar a relação do indivíduo que desenha com o seu ambiente e a pressão exercida por ele. Nessa pesquisa a maior parte dos desenhos foram pequenos, considerados por Van Kolck (1968) como indícios de inferioridade, inibição, tendência ao isolamento e comportamento emocional mais dependente e ansioso.

Visando uma melhor identificação da projeção dessas adolescentes, as autoras utilizaram mais de uma técnica expressiva, visando assim comparar e comprovar os resultados. Elas trabalharam também com as pranchas do TAT (Teste de Apercepção Temática), comparando as histórias aos desenhos, podendo notar grandes semelhanças em ambas, como por exemplo, a pobreza de detalhes, falta de perspectiva de futuro, imaturidade e dificuldade de lidar com questões relacionadas à sexualidade. A comparação satisfatória dessas duas técnicas comprovam a eficiência e sensibilidade para se trabalhar com questões de personalidade e do funcionamento psíquico, projetados nos instrumentos. O trabalho dessas autoras permite observa a riqueza da utilização do DFH, sua sensibilidade e como ele pode ser enriquecido ao se utilizar outra técnica expressiva em sua comparação. O DFH foi o escolhido para ser trabalhado com as adolescentes gestantes também na pesquisa que deu

origem a essa dissertação por ser uma técnica de fácil aceitação e por conseguir ser sensível na identificação da projeção do sujeito na folha de papel, portanto um instrumento eficaz na análise da personalidade das participantes.

Como o DFH ainda não está aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia para avaliação psicológica, seu uso é permitido apenas em pesquisas. Visando mudar esse cenário, Tardivo (2014) desenvolveu um estudo para validação da técnica no Brasil. A autora trabalhou com publico de crianças e adolescentes vitimizados em comparação com grupo controle de mesma faixa etária, utilizando o desenho de 634 participantes com idades entre seis e 16 anos de ambos os sexos de São Paulo. O objetivo desse trabalho foi apresentar dados de padronização com as respostas mais frequentes ao DFH e apresentar um estudo de validação do teste por meio da comparação do desempenho dos desenhos dos grupos participantes, visando à condição do risco da violência para o desenvolvimento e saúde mental da criança, utilizando-se também do IFVD (Inventário de Frases no Diagnóstico de Violência Doméstica contra crianças e adolescentes) (TARDIVO e PINTO JÚNIOR, 2010).

A partir do estudo da comparação dos grupos foi possível encontrar dados favoráveis à padronização da técnica para o público brasileiro. Os desenhos foram separados em categorias, avaliadas por juízes e calculadas as frequências de cada uma das características dos desenhos para a amostra total e para os grupos, sendo encontradas diferenças significativas entre os grupos. Foram encontradas 30 categorias com diferenças significantes entre os grupos, considerado um número grande de categorias. Nos desenhos do grupo controle foram mais frequentes as categorias: tamanho grande, localização central, traçado fino, orelhas grandes, pescoço grosso, boca/lábios, sorriso maníaco, ombros, mãos, mãos abertas, dedos, pernas grandes pés e roupas. Com relação ao grupo clínico o estudo demonstrou mais significativo as características localização superior direita ou central direita, traço grosso, apagado, transparência, cabeça deteriorada, sobrancelhas, braços deteriorados, pernas médias, figura humana incompleta, presença de entorno, acessórios não de acordo com a idade e presença de figura palito.

Essas diferenças encontradas evidenciam a validade nas comparações entre os grupos clínico e controle, contribuindo para o psicodiagnóstico, principalmente nos casos de crianças e adolescentes vitimizados. Ou seja, a autora demonstrou os resultados esperados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) para a precisão e validade da técnica. A pesquisa demonstrou também as condições de risco para o desenvolvimento e saúde mental de crianças e adolescentes que vivenciam situações de violência, e que essa técnica, já velha conhecida

dos psicólogos, tem grande validade para o uso como avaliação da personalidade.

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