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As tabelas representadas no capítulo anterior demonstraram consideráveis diferenças entre os grupos, principalmente no que diz respeito ao desenho da figura humana, tanto da técnica própria para essa finalidade (DFH) como também no Desenho da Pessoa na Chuva. A maior parte das características que mais se distinguiram no DFH foram repetidas no Desenho da Pessoa na Chuva, algumas apresentando maior significância do que encontrado na primeira técnica. Essa diferença foi mais acentuada na segunda técnica e principalmente nos desenhos do Grupo Clínico, o que pode demonstrar instabilidade e uso de menos recursos frente à situação de pressão e hostilidade, encontrada pela chuva do Desenho da Pessoa na Chuva.

Comparando as duas técnicas no Grupo Clínico houve predomínio da localização inferior esquerda, traço interrompido, figura inclinada, presença de cinto e assessórios não de acordo com a idade. Todas essas características foram encontradas em ambos os desenhos das adolescentes gestantes, e o traçado interrompido, a figura inclinada e os acessórios não de acordo com a idade foram mais representativos na segunda técnica.

Esses dados nos trazem que as adolescentes do Grupo Clínico apresentam comportamento mais impulsivo, conflitos voltados à sexualidade e o Desenho da Pessoa da Chuva ainda permitiu observar que, em uma situação em que estão mais expostas a entrarem em contato com seu mundo interno, demonstram mais fixação em estágios anteriores, regressão, imaturidade, demonstrando também poucos recursos internos, incertezas, temor e angustias. Dessa forma, pode-se observar que as características presentes no DFH foram reforçadas no Desenho da Pessoa na Chuva por levar a adolescente a entrar em contato com uma situação ameaçadora, a qual “desarma” a participante e pede que demonstre mais seus mecanismos de defesa e sua personalidade frente a essas situações, da qual a gravidez pode ser entendida como essa situação de pressão.

A comparação entre as técnicas demonstraram que há diferenças, sendo que o Desenho da Pessoa na Chuva mostrou-se eficiente ao ser comparada com o DFH, pois essas características que mais se diferenciaram entre os grupos e entre os instrumentos parecem estar relacionadas com a maior exposição da adolescente diante à técnica que a coloca frente ao ambiente que precisa enfrentar, ou seja, demonstra estar ligada à ansiedade, medo, insegurança e imaturidade que as adolescentes gestantes carregam e que foi demonstrado tanto nas entrevistas como em estudos com esse público (Winnicott, 1971/1975; Deutsch, 1967/1983; Dolto, 1990; Moreira et al, 2008; Passarini, 2014; Miura, 2015).

O DFH também demonstrou grande significância na comparação entre os grupos. Nele aparecem características que levam a considerar a gravidez precoce como preocupante. As adolescentes do Grupo Controle desenharam mais localização superior e central esquerda e presença de pés (esse último presente nas duas técnicas), referindo que esse grupo apresenta- se como mais autocentrado, apesar de também demonstrarem passividade (atitude de expectativa diante a vida) e nostalgia. Porém, essas são características comuns da adolescência, que ainda está em processo de elaboração dos lutos pela infância que está ficando para trás, pela perda definitiva da condição de criança, podendo ligar-se a nostalgia (ABERASTURY; KNOBEL, 1981 e ABERASTURY, 1983) e, ao mesmo, é a entrada no mundo adulto, com definições papéis específico da vida adulta, entretanto ainda não pode assumir a independência adulta (ABERASTURY; KNOBEL, 1981; KNOBEL, 1981; ABERASTURY, 1983; ERIKSON, 1972), fazendo com que a adolescência se apresente como um período de transição entre esses dois mundos, no qual o adolescente se vê flutuando entre o mundo infantil e o adulto, o que se relaciona com o comportamento de passividade, pois ainda não se sabe muito bem como agir diante a tanta mudanças.

Por outro lado, os desenhos do DFH das adolescentes do Grupo Clínico apresentaram características comuns às duas técnicas, como já mencionado, mas também características com grande valor de significância apresentados apenas nesse instrumento, como a presença de braços deteriorados e figura humana incompleta. Esses elementos aparecem relacionados à gravidez precoce pela imaturidade sentida pelas jovens ao se depararem com uma situação nova e de grande responsabilidade, da qual ainda não se sentem totalmente preparadas, demonstrando sentimentos de inadequação e ansiedade no cuidado com o bebê. Soifer (1980), apesar de trabalhar com gestantes adultas, também havia demonstrado que algumas dessas mulheres apresentam ansiedade frente a não se sentirem capazes de cuidar da criança e como foi possível observar no caso das adolescentes gestantes, esse medo é comum a elas.

Na comparação com as duas técnicas o grupo controle também mostrou diferença, pois enquanto no primeiro desenho o Grupo Controle se destacou principalmente no que diz respeito à localização na folha (como já descrito acima), no Desenho da Pessoa na Chuva foram encontradas outras categorias com grande significância, das quais o Grupo Clínico saiu em desvantagem. São elas: cabeça grande, presença de pescoço, pescoço fino, presença de pupilas, presença de mãos (abertas e com dedos), presença de pés e presença de roupas. Essas características demonstram que o Grupo Controle apresenta melhor adequação aos desenhos, não omitindo detalhes essenciais, demonstrando contato com ambiente, possibilitando ver a

realidade interna e externa e controle entre os aspectos intelectuais e impulsos do Id, apesar de apresentar aspirações intelectuais excessivas.

Em contrapartida, considerando as características prevalentes no Grupo Controle, observa-se que o grupo com as adolescentes grávidas, portanto, apresentou menos essas categorias, ou seja, demonstram o contato com a realidade mais prejudicado com sentimentos de inadequação e constrição, além da ansiedade no cuidado com o bebê, já observada no DFH. No Desenho da Pessoa na Chuva, essas adolescentes também demonstraram presença de dentes e figura humana desenhada como figura palito, além das já descritas na comparação das técnicas, reafirmando a insegurança, imaturidade e aqui também sugere a presença de agressividade nesse público.

É interessante notar que, com relação aos elementos esperados do Desenho da Pessoa na Chuva, o único que trouxe diferença significativa foi o que demonstra a chuva forte. Essa característica do desenho está diretamente ligada com a situação na qual a adolescente está vivendo, demonstrando o quanto a gravidez nessa época da vida pode ser encarada como uma situação de grande pressão, estresse e agonizante. Esse sentimento também apareceu na grande maioria das entrevistas, no relato do medo que tinham de contar sobre a gravidez aos pais e companheiros, pois tinham medo de serem abandonadas e/ou não conseguirem cuidar da criança, por dizerem que a atual situação interferiu nos planos para o futuro, que mudou a vida e trazem que agora terão mais responsabilidades. Exemplos desses relatos de pressão devido à gravidez também puderam ser vistos nas Ilustrações Clínicas, o que comprova o apresentado nos desenhos, também apresentados nos estudos (MOREIRA et al, 2008; BARBÓN PÉREZ, 2011; PASSARINI, 2014; MIURA, 2015.), demonstrando que a adolescência nessa fase complica as questões próprias da adolescência.

Apesar de a ausência de guarda-chuva ser uma característica esperada no Grupo Clínico através da relação de diferenças porcentuais significativas (os dados brutos mostravam grandes diferenças entre os grupos), o trabalho estatístico não demonstrou significância para o desenho do guarda-chuva entre os grupos, o que pode sugerir que a análise estatística encontrou um padrão de categorias desenhas (ou não desenhadas) entre os grupos, ou seja, um padrão de categorias esperados para o público adolescente em geral, independente da condição, e a ausência de guarda-chuva pode ser um dos elementos esperados nesse padrão.

A ausência de guarda-chuva em adolescente reforça o que já foi exposto por alguns estudiosos da técnica, como Vagostello (2007) que em sua tese de doutorado frisa a

importância de se ter cautela na análise da ausência do guarda–chuva e exemplifica que, em seu estudo, percebeu a diminuição do desenho desse objeto com o aumento da idade das crianças, ou seja, a partir dos nove anos as crianças já desenhavam menos guarda-chuva, diminuindo mais nas crianças com 10 anos. A autora também nos traz que, em países vizinhos que utilizam mais a técnica, discute-se a interpretação da ausência do guarda-chuva por ser um item pouco desenhado, principalmente na adolescência, sugerindo um determinismo cultural: por não usarem tanto o guarda-chuva como os adultos, os adolescentes acabam por não desenhá-lo. Outro autor que questiona essa parte do desenho é Ferrari (Querol; Paz, 2005) demonstrando em números a diminuição do desenho do guarda-chuva no público adolescente e encontrou que quase metade dos adolescentes estudados (49%) não desenharam o guarda- chuva. O autor entende essa ausência como uma necessidade do adolescente em romper com defesas convencionais, o que é uma característica comum por ser uma fase de transição.

Podemos observar que as características encontradas nos desenhos e a relação com os aspectos emocionais das adolescentes grávidas também foram encontradas em outros estudos que utilizaram técnicas expressivas com esse público. Soifer (1980), como já mencionado, também trabalhou desenhos de figura humana com gestantes, porém com o público adulto, mas ainda assim foi possível encontrar semelhanças com os desenhos das adolescentes. Os casos descritos em “Ilustrações Clínicas” corroboram com os dados encontrados no trabalho da autora, podendo ser observado problemas referentes à aceitação da gravidez e até a negação, observado nos desenhos com cintura fina, e também a ansiedade relacionada ao período, por exemplo, a fantasia de não poder sustentar a criança, cuida-la e ampará-la, característica já descrita acima.

No trabalho de Iwata, Rosa e Valente (2013) também foi possível encontrar semelhanças com os resultados demonstrados no Capítulo IV. As autoras que também trabalharam com adolescentes gestantes e DFH encontraram os dados que, assim como encontrados em “RESULTADOS”, demonstraram pobreza de acessórios e localização inferior esquerda, corroborando que a adolescente nessa época demonstra mais imaturidade, presença de conflitos e fixação em estágios mais primitivos, características que as autoras relacionam ao fato das adolescentes não estarem prontas suficientes para viverem a maternidade, sentindo-se inadequadas e inseguras. As entrevistas também demonstram a ansiedade da adolescente e o medo tanto do cuidado com o bebê, insegurança, imaturidade e das consequências da gravidez por não conseguir atingir os planos que tinha para o futuro.

com o bebê, consequência do fim repentino de uma etapa da vida (Barbón Pérez, 2011) e da imaturidade comum da adolescência, essencial para a saúde do adolescente nessa parte importante da fase (WINNICOTT, 1971/1975). As entrevistas também apresentam a angustia das adolescentes de não se tornarem mães suficientemente boas e contribuírem para o desenvolvimento do bebê e de uma preocupação materna primária, não direcionando ao bebê as suas necessidades (WINNICOTT, 1960/1990). Os relatos demonstram a ambivalência de sentimentos de responsabilidade, irresponsabilidade, e necessidade de se sentirem maduras o que é típico dessa fase, mas que é desiquilibrado com seu final abrupto devido à gravidez, por isso a ansiedade, insegurança e preocupação com o cuidado do bebê, pois as adolescentes ainda não sabem como conciliarem esse quebra na adolescência com as responsabilidades da maternidade e manterem um desenvolvimento saudável, apesar da situação.

Pode-se questionar também o quanto as dificuldades de conciliar uma etapa de grandes mudanças e conflitos (encontrados dos desenhos como expectativa diante a vida, passividade e nostalgia) e que são agravadas com a gravidez e parecem interferir nos traços da personalidade das adolescentes, como pode ser notado nas características específicas desse grupo, por exemplo, a tensão do ambiente frente à gravidez, a fixação em estágios primitivos, sentimentos de inadequação, comportamento mais impulsivo, poucos recursos internos, entre outros. Portanto questiona-se o quanto ela estará disponível para atender as necessidades do bebê, funcionando como ego auxiliar para ele (WINNICOTT, 1960/1990).

Apesar da imaturidade, as entrevistas corroboram com diversos autores ao se afirmar que, em muitos casos, a gravidez é desejada, corroborando com a pesquisa de Neto et al (2007) que destaca que muitas das adolescentes que estudou disseram querer ter o filho. Os motivos dessa vontade também corroboram com as pesquisas de Neto et al (2007) ao encontrar que a gravidez é vivenciada pela adolescente como repleta de significados positivos (busca de estabilidade, tentativa de obter autonomia e maturidade). Os relatos ainda demonstraram a gravidez como forma de serem vistas, terem mais atenção.

As consequências da gravidez já expostas pelo trabalho também foram encontradas nas entrevistas com as adolescentes gestantes, por exemplo, o abandono escolar e a violência. Diversos estudos já demonstraram que, com a gestação, muitas adolescentes acabam por sair da escola (Brasil, 2008; Brasil, 2011; Novellino, 2011, ONU, 2013a), prejudicando o futuro profissional dessas jovens. Ela tem consciência desse prejuízo e demonstram isso nos desenhos (tanto que os desenhos encontram-se mais voltados ao passado e não ao futuro) e com os relatos durante as entrevistas.

A violência também aparece em estudos relacionados à gravidez nessa fase. Foram encontrados pesquisas que utilizam-se de técnicas projetiva para entender a gravidez na adolescência com a violência doméstica sofrida pelas jovens, tanto durante a gravidez como também antes, e, apesar da utilização de outras técnicas, trazem dados que corroboram com a presente dissertação. Dessa forma, retomemos a descrição da população da amostra, no capítulo Metodologia. Como já descrito, os estudos da presente dissertação decorreu do projeto “Estudo da Violência Doméstica contra Adolescentes Grávidas Atendidas no Hospital Universitário de São Paulo: Bases para Intervenção” (Barrientos, 2013), que objetivou

trabalhar com adolescentes gestantes com vivência de violência, principalmente doméstica (foram encontrados outros tipos de violência também), mas durante a observação das entrevistas pode-se notar que muitas das violências sofridas pelas adolescentes pareciam estar acompanhando a gravidez, principalmente a violência psicológica. Assim, visamos trabalhar o contexto da gravidez na adolescência, excluindo-se os casos de violência grave e/ou explícita. Ou seja, já era esperado que os alguns dados relacionados à violência que a adolescente gestante sofre pudessem aparecer nos desenhos.

Na dissertação de mestrado de Passarini (2014), ela utiliza o TAT com adolescentes gestantes institucionalizadas e através dos encontros e da técnica a autora pode encontrar sentimentos de culpa pela gravidez e imaturidade. A imaturidade apareceu no estudo com o não saber ser mãe, precisando de auxílio de outra pessoa. Passarini (2014) relaciona esses sentimentos com a reprodução da violência sofrida pelas meninas durante a vida, pois não tiveram a oportunidade de cuidado adequado disponível. No estudo de Miura (2015), ainda em finalização, a autora utiliza a mesma técnica do estudo de Passarini (2014), num estudo mais amplo, comparando gestantes que sofreram violência com adolescentes que não passaram por essa vivência, além de compará-las a um terceiro grupo de adolescentes sem essas condições. A autora pode observar em seu trabalho nos casos em que a adolescente pode contar com o apoio familiar e do companheiro, conseguiram vivenciar a gestação saudavelmente, relatando amadurecimento e responsabilidade oriundos da nova fase e também conseguiam fazer planos para o futuro. Em contra partida, as adolescentes que vivenciaram violência ao longo da vida e na gestação demonstraram as mesmas situações trazidas por Passarini (2014): reprodução das relações que viveram anteriormente, comprometendo o cuidado com o bebê.

Através desses estudos pode-se observar o quanto a violência interfere nessa etapa da qual a adolescente está vivendo que já é complicada por ter de lidar com os próprios conflitos

da adolescência, agravados pela gravidez e que se tornam ainda mais difíceis com a situação da violência. As entrevistas trazem relatos de violência que aparece implícita nos casos de gestação na adolescência, como também foi mostrado no capítulo das Ilustrações Clínicas. Como pode ser observado nas histórias apresentadas, as adolescentes nos contam das dificuldades durante a gravidez e o quanto tiveram medo de contar para os pais.

A questão da aceitação trazida por Miura (2015) também foi amplamente encontrada nas entrevistas com as adolescentes. Winnicott (1968/1996) escreve a importância do pai no cuidado com o bebê e como esse apoio, vindo também da família, permite com que mãe consiga estar mais disponível para o bebê. Elas falam de uma imensa necessidade de apoio da família e do companheiro, o que torna o processo menos angustiante, além de demonstrar o quanto se sentem despreparadas para assumir essa responsabilidade sozinhas. Os relatos e desenhos também corroboram com Monteiro (2007), pois foi possível observar que quando a família não aceita a gravidez da jovem essa situação gera conflitos e presença de violência física e psicológica. Porém as entrevistas discordam do autor e trazem a relação materna como mais dificultosa. Esses dados são encontrados, por exemplo, nos casos I, II e III, cujos desenhos demonstraram mais ansiedades no cuidado com o bebê, presença de conflitos, falta de defesas (ou defesas inadequadas), defesa da figura materna ou dependência da mesma e sentimentos de inferioridades, características também encontrada nos relatos das adolescentes. Ao contrário dessa situação, foi possível concordar com Miura (2015) e observar que quando bem aceita pela família, a gravidez é gratificante, como encontrado nos desenhos do último caso clínico apresentado, em que a adolescente se sentia completamente amparada pelos pais e namorado, demonstrado nos desenhos principalmente pela capacidade de defender-se adequadamente, também revelando emotividade, apesar de trazer nos desenhos características típicas encontradas no grupo gestantes: sentimentos de inadequação, ansiedade, insegurança. A entrevista dessa adolescente também corrobora com essa afirmação.

Apesar de não ser demonstrada como significantes a grande maioria dos dados relacionados à chuva, a comparação entre análise estatística, ilustração clínica, entrevistas demonstram a validade das técnicas que conseguiram apresentar os aspectos psicológicos das adolescentes grávidas corroborando entre si. Com os dados apresentados e com a teoria e pesquisas estudada foi possível considerar o quanto a gravidez durante a adolescência possui diferentes significados e complicações para a saúde mental para a jovem, por ter que se equilibrar entre conflitos da adolescência e dificuldades da gravidez, o que foi demonstrado na personalidade das adolescentes gestantes que se apresentaram com insegurança, incertezas,

ansiedade, poucos recursos internos, imaturidade (fixação em estágios primitivos e regressão), além de demonstrar o quanto essas características tornam a gravidez nessa fase uma situação de grande pressão, estresse e angustiante para a adolescente.

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