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1.3 Técnicas Expressivas Gráficas

1.3.2 Teste do Desenho da Pessoa na Chuva

O Teste do Desenho da Pessoa na Chuva não possui autoria conhecida, podendo ser uma modificação do Desenho da Figura Humana difundida de forma informal, até mesmo por via oral, não havendo referência a respeito de qualquer publicação sobre seu autor. Alguns atribuem a inovação do DFH a Arnold Abrams e/ou a Abraham Amchim, porém esse instrumento pode ser uma ideia que ocorreu simultaneamente em mais de uma pessoa (HAMMER, 1981). Segundo Querol e Paz (2005) o Teste do Desenho da Pessoa na Chuva pode estar relacionado com o de H.M. Fay, que em 1924 elabora e aplica um instrumento cuja instrução era “Desenhe uma mulher que passeia pela rua, chove” e que exigia compreensão e representação dos elementos relacionados à pessoa (do sexo feminino), do elemento dinâmico (o passeio) e das representações do movimento do corpo, do ambiente, da chuva e das roupas. Em 1947, A. Rey propõe uma evolução desta técnica, contendo todos os detalhes que apareceriam nos desenhos.

O Teste do Desenho da Pessoa na Chuva é uma técnica pouco conhecida no Brasil, porém é difundida em alguns de nosso vizinho sul-americanos, por exemplo, Argentina, Chile, Uruguai e Peru. As argentinas Barilari, Agosta e Colombo (2000) trabalham com a técnica, sendo as pioneiras no estudo desse instrumento com crianças e adolescentes vitimizadas. No Brasil, Tardivo (2012), orientadora dessa dissertação, vem trabalhando em pesquisas, padronização e validação desse instrumento em crianças e adolescentes brasileiros, e também Vagostello (2007) que desenvolveu uma pesquisa com crianças vítimas de violência doméstica, a qual deu origem a sua tese de Doutorado. O Teste do Desenho da Pessoa na Chuva é um instrumento aplicável em qualquer faixa etária, sendo bem aceito em qualquer uma delas, principalmente na infância, já que crianças tem mais simpatia pelos desenhos e menos resistência em realiza-los. O fato de ele utilizar o DFH torna o teste ainda mais interessante, pois, corroborando com Vagostelo (2007), o desenho de pessoas é o tema preferido pelas crianças na realização do desenho, além de ser crucial na análise por permitir expressar a própria imagem corporal.

Para Hammer (1981) esse teste é uma variação do DFH e possibilita uma visão da imagem corporal nas condições de tensão do ambiente, podendo oferecer informações mais

completas quando comparadas ao DFH de Machover (1949), por apresentar a situação de tensão, enquanto o DFH representa o indivíduo sem essa situação. Segundo Machover (1949), e reafirmado por Hammer (1981), esse instrumento possibilita avaliar a forma como o sujeito vivencia as pressões do ambiente, tendo a chuva como representante das pressões externas desenhadas pelo sujeito como experiências sentidas, assim um dos elementos fundamentais para a análise do desenho é o guarda-chuva, representante da proteção do indivíduo frente às situações de pressão ou estresse. Da mesma forma que o DFH, essa é uma técnica simples que necessita apenas de lápis grafite, borracha e papel sem pauta para a aplicação, podendo ser administrada individual ou coletivamente em crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos e de todas as profissões (QUEROL; PAZ, 2005), o qual faz o desenho após a instrução “Desenhe uma Pessoa na Chuva”.

Essa técnica, por considerar a forma em que o indivíduo busca para enfrentar as situações de tensão do meio, permite identificar quais os mecanismos de defesa mais frequentes que o indivíduo utiliza para se defender. Os mecanismos de defesa são descritos por Freud (1915) para designar um conjunto de processos defensivos que são característicos de determinada neurose e para exprimir a utilização defensiva de certas pulsões, ou seja, a forma que as “afecções neuróticas provêm dos diversos procedimentos em que o Ego se compromete para se libertar de uma incompatibilidade” (Laplanche, p.278, 2004). Através desses mecanismos de defesas, o criador da psicanálise nós traz que os fenômenos psíquicos demonstram articulações possíveis de serem observadas e analisadas cientificamente, porém Laplanche (2004) pontuam que ainda está em aberto a questão se a utilização desses mecanismos irão sempre pressupor a existência de um ego organizado par ser seu suporte.

O tema acerca dos mecanismos de defesa passou a ter mais relevância depois de Freud, principalmente com sua filha, Anna Freud, que descreve sua relevância através, da variedade, complexidade e extensão, demonstrando que o objetivo defensivo utiliza-se de uma ampla diversidade de atividades, incidindo não apenas nas reivindicações pulsionais, como postulava seu pai, mas em tudo o que possa suscitar um desenvolvimento de angústia. A autora enumera como mecanismos de defesa o recalque, regressão, formação reativa, isolamento, anulação retroativa, projeção, introjeção, retorno sobre a própria pessoa, inversão em seu contrário e sublimação, negação pela fantasia, idealização, identificação, entre outros (Laplanche, 2004).

Dessa forma, a interpretação da técnica visa focar e ser sensível a esses mecanismos de defesa, os quais são possíveis através da observação do desenho projetado sob um ambiente

hostil, do qual o indivíduo precisa se proteger e, para isso, utilizar de seus mecanismos de defesa. Com relação à análise do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva, ela se assemelha a do DFH, pois busca obter a linha corporal do indivíduo que se encontra sob condições ambientais desagradáveis, tensas, estressantes ou perturbador. De acordo com Querol e Paz (2005) esse teste se baseia nos mesmos princípios do DFH, proposto por Machover (1949), principalmente no que tange a figura humana desenhada, em relação a análise dos recursos expressivos (são eles: dimensão – pequeno, grande, muito grande e médio; localização na

folha – margem direita, esquerda, superior, inferior ou central; traçado, pressão – normal, fraca, forte e muito forte; tempo – dificuldade para começar, para concluir, momentos de paradas, execução lenta, rápida, precipitada ou normal; sequência do desenho, movimento – rigidez, muitas atividades, em posição de caminhada, realizando uma atividade e/ou exibindo- se; e sombreamento) e em relação à análise do conteúdo ( posição da figura humana, postura, borraduras no desenho, linha repassada, tracejadas ou incompletas, detalhes e acessórios, vestimentas, chuva, guarda-chuva ou outro objeto, partes do corpo, identidade sexual, desenho de personagens e não de uma pessoa).

Nesse teste, além da análise do Desenho da Figura Humana, conforme propõe Machover (1949), também há a interpretação da chuva e do guarda-chuva, acessório esperado nesse instrumento. Nesse contexto, como já mencionado, a chuva simboliza uma situação de tensão do meio, contra a qual o indivíduo tenta se defender, e essa proteção é encontrada no guarda-chuva, demonstrando os recursos defensivos do sujeito. Segundo Querol e Paz (2005) no DFH existem defesas que se mantem ocultas, às vezes aparecem só insinuadas, mas no Teste do Desenho da Pessoa na Chuva a adição da situação estressante faz com que o indivíduo não seja capaz de manter sua fachada habitual, precisando recorrer a suas defesas, antes latentes. As autoras trazem alguns desses mecanismos de defesas, possíveis de serem encontrados nos desenhos desse instrumento, como o deslocamento, regressão, anulação, isolamento, repressão, inibição e defesas maníacas.

Sendo o guarda-chuva considerado um elemento esperado no desenho sua ausência é interpretada como falta de defesas, uma fragilidade ou impossibilidade do indivíduo usar seus recursos defensivos para se proteger (QUEROL; PAZ, 2005). Apesar dessa afirmação, alguns consideram outras questões que influenciam na presença ou ausência desse objeto. Hammer (1981) traz exemplo de dois casos, no qual os pacientes, em final de terapia, fazem uso dessa técnica: no primeiro caso, um adolescente que esteve em terapia por um ano e meio, o desenho da pessoa vem acompanhado com um guarda-chuva dobrado (fechado), o que foi

interpretado como o adolescente entender que já pode guardar o guarda-chuva, pois “restam poucas gotas de chuvas em sua situação vital” (HAMMER, p. 302, 1981); o segundo caso, um homem de 25 anos, em terapia por dois anos, desenha um arco-íris no entorno, interpretado como se “a quantidade de tensão ambiental que resta fosse análoga, nas palavras do próprio paciente, a uma ‘chuva de verão’” (HAMMER, p.203, 1981), sendo a chuva algo que ele pode sentir e não precisa fugir ou proteger-se. E, ambos os casos, é como se os pacientes pudessem se sentir esperançosos, pois a fase sombria e tensa de seu ambiente estava se solucionando.

Vagostello (2007) também ressalta que a ausência do guarda-chuva deve ser visto com cautela. De acordo com a autora, em países da América do Sul como Argentina, Uruguai, Chile e Peru, nos quais o instrumento é mais difundido, a interpretação da ausência do guarda- chuva vem sendo amplamente questionada e discutida, pois é uma prática que tem sido relevante nos desenhos principalmente de adolescentes, o que pode ser um determinante da cultura, já que esse público não costuma usar guarda-chuva com tanta frequência. Essa tendência foi observada pela autora em seu estudo, no qual entre as crianças participantes houve queda da frequência do desenho do guarda-chuva a partir dos nove anos, se intensificando nas crianças de 10 anos.

O estudo de Emanuel Pablo A. Ferrari, descrito no livro de Querol e Paz (2005), também demonstrou a mesma conclusão de Vagostello (2007) com relação à diminuição da presença do guarda-chuva em adolescentes. O autor comparou os resultados obtidos dos desenhos de indivíduos de três grupos: crianças (8 a 13 anos), adolescentes (13 a 18 anos) e adultos (18 a 40 anos) e encontrou uma diferença significativa no que diz respeito à diminuição do desenho desse objetivo, sendo que apenas 36% das crianças não desenharam o guarda-chuva, contra 49% dos adolescentes. O número volta a diminuir na fase adulta, tendo 30% da amostra sem o desenho do objeto. Segundo o autor essa diferença pode ser interpretada como uma necessidade do adolescente em romper com defesas convencionais, característica comum nessa fase. A presente dissertação buscou ser sensível a esse dado, acrescentando a comparação de adolescentes não gestantes às adolescentes gestantes, separando o que é possível encontrar em cada um dos fatores.

Alguns estudos visam comprovar a validade do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva, como o estudo de validação de Tardivo (2012), a tese de Vagostello (2007) e o trabalho de Paludo, Costa e Silva (2010), com público brasileiro, e fora do Brasil, às pesquisadoras argentinas Barilari, Agosta e Colombo (2000) e a pesquisa de Nunes Vaz (2009), em Portugal.

características gráficas mais comuns de crianças vitimizadas, através do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva. O estudo comparou crianças com histórico comprovado de violência às crianças do público geral e encontrou frequências estatísticas significantes entre os grupos, compreendido por elas como possíveis indicadores de situação de violência doméstica, por exemplo, o tamanho pequeno, borradura, chuva setorizada, ausência de solo, olhos vazios, ausência de detalhes e figura infantil ou incompleta (Barilari, Agosta e Colombo, 2000; Colombo, 2011). Segundo Colombo (2013), esse teste é de grande valia para esse público, pois a criança usa o desenho “para expressar o que não pode sequer ser metaforizado".

Nunes Vaz (2009) realizou seu estudo com 32 crianças entre seis e dez anos, com o objetivo de verificar os indicadores gráficos do mau trato contra crianças por meio do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva, o qual ela denomina “Desenho de uma Pessoa Debaixo da Chuva – DPDC”. Os resultados da pesquisa, em comparação com um grupo controle, demonstraram presença de traço forte e muito forte no público de crianças vitimizadas, e com relação ao desenho do guarda-chuva, essas crianças demonstraram menos mecanismos de defesas, ou defesas em excesso e patológicas, sendo que nenhum apresentou defesas adequadas, diferente do grupo controle, o qual houve predomínio de defesas adequadas e de atuação. Com relação a esses mecanismos de defesa, Nunes Vaz (2009) encontrou que as crianças que sofriam maus tratos apresentaram como defesas a regressão, inibição e defesas maníacas, enquanto o outro grupo apresou defesas de repressão e isolamento.

No Brasil, Tardivo (2012) realizou um estudo em âmbito nacional para validação da técnica no país trabalhando também com público vitimizado em comparação com grupo controle. Participaram de sua pesquisa 1254 crianças e adolescentes de ambos os sexos, com idades entre seis e 16 anos, distribuídos por diversas regiões do país. O objetivo do trabalho foi estudar a validade da técnica do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva na avaliação psicológica de crianças e adolescentes que passaram por situação de violência doméstica (sexual, físicas ou ambas), utilizando-se juntamente o Inventário de Frases no Diagnóstico de Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes – IFVD (Tardivo e Pinto Júnior, 2010), o que tornou o estudo mais abrangente.

A partir do estudo com o grupo controle, foi possível obter resultados de crianças e adolescentes de distintas idades, de forma a oferecer dados de padronização da técnica do contexto brasileiro. Foram calculadas as frequências de cada uma das características avaliadas no desenho da amostra dos grupos clínico e controle, e encontradas muitas características diferentes entre os grupos. No grupo de crianças vitimizadas, as figuras humanas

apresentaram desproporções, cabeças deterioradas, ausência de mãos e pés, imaturidade das figuras, mais figuras palito e menos entorno, a presença de chuva, chuva setorial e ausência de guarda-chuva também foram mais frequente nesse grupo. Essas características evidenciaram as dificuldades emocionais que esse público enfrenta. Foram também perceptíveis algumas diferenças com relação ao tipo de violência. Entre os participantes vítimas de violência física, o traçado apareceu mais forte e repassado, também aparecendo cabeça deteriorada, chuva forte, chuva grossa, chuva setorizada, acessórios, desenhos não de acordo com a idade, presença de figura palito entre outras características. A figura palito e chuva setorizada foram encontradas mais frequentemente entre os que sofreram violência sexual. Já no grupo controle houve mais presença de mão, dedos, pés, corpo proporcional e presença de guarda-chuva. Assim o grupo clínico apresentou mais indícios de ansiedade, imaturidade, dificuldades de lidar com a realidade e carência de defesas.

Dessa forma, foram encontradas evidências para a validação o Teste do Desenho da Pessoa na Chuva, que foi possível com a comparação do desempenho dos dois grupos (clínico e controle) e pela variedade de combinações (grupo, sexo, idade e região). Com os dados encontrados através das duas técnicas utilizadas, o estudo permitiu trazer uma contribuição à área do Psicodiagnóstico, em especial às crianças e adolescentes em situação de violência doméstica. Assim, a pesquisa com o Teste do Desenho da Pessoa na Chuva teve os resultados esperados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), com relação às medidas de precisão e validade, sendo encaminhado para uma avalição, a fim de ser divulgado e ter seu uso permitido para os psicólogos que atuam na área.

A pesquisa demonstrou evidências do sofrimento psíquico e as consequências que a violência doméstica traz, sendo um verdadeiro e complexo problema de saúde pública, repleto de aspectos sociais, históricos e psicológicos, sendo papel do profissional o envolvimento, implicação e também a responsabilidade de “poder dar voz e acolher, em especial crianças e adolescentes, que merecem o cuidado para poder se desenvolver com saúde e qualidade de vida” (Tardivo, 2012).

Outro estudo semelhante também produzido no Brasil foi realizado por Vagostello (2007), a qual dedicou sua tese de doutorado à pesquisa do Teste do Desenho da Pessoa na Chuva com crianças com histórico comprovado de violência intrafamiliar, sendo esse trabalho precursor para os estudos de Tardivo (2012). A autora buscou no estudo argentino de Barilari, Agosta e Colombo (2000) características gráficas que discriminam a criança vitimizada, chegando a seis características, as quais foram trabalhadas no estudo: dimensão pequena,

ausência de mãos, ausência de pés, pobreza de detalhes, ausência de guarda-chuva e chuva setorizada. Além dessas características descritas no estudo argentino, a autora também inclui a presença de raios e chuva em lágrimas. Nos resultados, a autora encontrou ausência de detalhes como uma característica comum no grupo de crianças vitimizadas (o que a levou a pensar ser consequência de um ambiente pouco enriquecedor no qual essas crianças convivem e nos prejuízos para o desenvolvimento infantil) e a chuva setorizada, característica que foi capaz de discriminar os desenhos das crianças vitimizadas e do grupo controle, o que pode significar que essas crianças expressam as tensões do meio voltadas para elas, vendo ou sentindo-se colocadas como alvo, no qual se dirige as pressões ambientais, como a violência doméstica. A presença de raios também foi mais frequente nas crianças vitimizadas (VAGOSTELLO, 2007).

As pesquisas de Paludo, Costa e Silva (2010) também tiveram como objetivo demonstrar a validade do instrumento no Brasil na aplicação em crianças, porém sem histórico de violência ou qualquer outro contexto clínico. O trabalho foi realizado com 215 crianças de cinco a doze anos de escolas de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Como resultado, encontraram que o guarda-chuva foi mais desenhado por crianças provenientes de escolas particulares, assim como seu tamanho e localização tiveram uma associação positiva para esse grupo. Apesar de não ser o foco do estudo, as autoras consideram o Teste do Desenho da Pessoa na Chuva capaz de evidenciar a manifestação simbólica de sintomas clínicos na criança, pois lembram que crianças que apresentam sintomas depressivos, ansiosos, somáticos e dificuldades interpessoais, demonstram essa vivência na presença de detalhes no desenho, representados pela chuva.

Silva et al (2010) acrescentam que essa técnica pode apresentar um bom subsídio na detecção de conflitos emocionais, por ser uma técnica expressiva que pode trazer elementos significativos de como o indivíduo utiliza seus recursos egóicos frente a situações conflitantes, podendo auxiliar o psicólogo na avaliação psicológica. Apesar de ser uma técnica ainda em processo de validação no Brasil, é um instrumento de grande conhecimento entre alguns de nossos vizinhos latinos e veem sendo estudada, tanto aqui como em outros países, já tendo demonstrado evidências significativas para diversos contextos, o que confirma sua validade no uso no psicodiagnóstico.

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