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3. SETOR ENERGÉTICO

3.3 OPÇÕES PARA A ESTRUTURAÇÃO DE INCENTIVOS POSITIVOS E PROGRAMAS DE RELATO DE EMISSÕES

3.3.1 Desenho do incentivo positivo

Para apoiar a decisão sobre um futuro restabelecimento da Cide, a intensidade carbônica80 de combustíveis pode ser um dos fatores a serem considerados na definição das alíquotas do tributo. As alíquotas da Cide podem ser ajustadas com base na intensidade carbônica dos combustíveis líquidos sobre os quais incide o tributo, com base numa ACV (“do poço até a roda” para combustíveis fósseis ou “da semente até a roda” para biocombustíveis). Uma ACV, diferentemente de uma abordagem que considera somente as emissões durante a queima do combustível (ou seja, “do tanque até a roda”), abrange o total de emissões que resultam do uso da fonte energética. Sendo assim, é possível obter um valor mais próximo das emissões reais do combustível e, portanto, proporcionar uma tomada de decisão mais acurada e embasada. Isto é relevante principalmente em relação a biocombustíveis, pois o total de emissões dessas fontes de energia pode ser significativo quando se levam em consideração, dentre outros aspectos, as emissões que decorrem de mudanças no uso da terra (FARRELL e SPERLING, 2007).

Primeiramente, é necessário definir valores-padrão de intensidade carbônica (emissões diretas e indiretas) para gasolina e suas alternativas e para diesel e suas alternativas: Em linhas gerais, as etapas do ciclo de vida são: (1) extração ou cultivo (incluindo mudanças no uso da terra); (2) produção; (3) distribuição; e (4) combustão. O ciclo de vida inclui também emissões relacionadas ao transporte do produto, que podem ocorrer em diferentes etapas do processo de produção81. Valores de intensidade carbônica podem ser definidos para “rotas de produção” padrão dos combustíveis produzidos no País e combustíveis importados. É possível fazer uso de ferramentas de avaliação de ciclo de vida já existentes, adaptadas (caso necessário) para a realidade brasileira. Algumas das principais ferramentas internacionais de ACV são: SimaPro82, Umberto83 e GaBi84. A ferramenta de ACV GREET, já mencionada anteriormente, é

80 Utilizando uma unidade de energia para possibilitar comparações (por exemplo: gCO2e/MJ ou gCO2e/TEP).

81 Conforme citado anteriormente, uma ACV engloba o conjunto de impactos sociais e ambientais atrelados a um produto ou processo. No entanto, o presente trabalho aborda somente o impacto que decorre das emissões de GEE. 82 www.simapro.co.uk(acessado dia 27/07/2014).

83 http://www.umberto.de/en/ (acessado dia 27/07/2014).

específica para combustíveis. Cabe ainda citar o banco de dados Ecoinvent85, uma importante fonte de

informação para ACV, que oferece dados sobre centenas de produtos e processos em diversas áreas para utilização como inputs em ferramentas de ACV. No Brasil, os principais espaços de discussão e desenvolvimento de ferramentas de ACV são a Associação Brasileira de ACV86 o Programa Brasileiro de ACV87 e a Rede Empresarial Brasileira de ACV. O Programa Brasileiro de ACV, em especial, estabelece diretrizes no âmbito do Sinmetro (Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), para “dar continuidade e sustentabilidade às ações de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) no Brasil, com vistas a apoiar o desenvolvimento sustentável e a competitividade ambiental da produção industrial brasileira e a promover o acesso aos mercados interno e externo (CONMETRO, 2010)”.

A partir do momento em que são definidas as principais “rotas de produção” para combustíveis fósseis e renováveis e seus respectivos valores de intensidade carbônica, pode-se criar uma Tabela Nacional de Intensidade Carbônica para Combustíveis Automotivos, que servirá como base para definir as alíquotas da Cide. Nesse cenário, contribuintes da Cide precisarão demonstrar que seus produtos se encaixam numa determinada rota de produção incluída na tabela para a definição da respectiva alíquota. A tabela deverá fazer distinção entre valores de intensidade carbônica para gasolina e seus substitutos e diesel e seus substitutos.

Emissões indiretas relacionadas a mudança do uso da terra devem ser consideradas numa avaliação de ciclo de vida de biocombustíveis. A conversão de terra para produção de biomassa pode ser uma fonte relevante de emissões e não deve ser desconsiderada88 (FARRELL e SPERLING, 2007). Outros efeitos indiretos relacionados a produção de combustíveis fósseis ou biocombustíveis devem também ser considerados, em caso de suas emissões serem significativas.

A tabela de intensidade carbônica pode incluir também combustíveis automotivos não listados na Cide, como biodiesel, eletricidade, GNV, hidrogênio e outros. Tomadores de decisão (públicos e privados) podem fazer uso dessa informação quando do planejamento de estratégias que buscam incentivar ou investir em tecnologias de baixo carbono. Assim, a tabela não serviria apenas para definição das alíquotas da Cide, mas também para embasar escolhas de agentes econômicos interessados em investir em tecnologias menos impactantes, ou de órgãos governamentais dispostos a conceder incentivos para fomentar iniciativas inovadoras e de baixo carbono. A tabela torna-se, assim, uma ferramenta de política pública e empresarial que pode ser usada para uma tomada de decisão informada e embasada.

85 http://www.ecoinvent.org/ (acessado dia 27/07/2014). 86 http://abcvbrasil.org.br/ (acessado dia 27/07/2014). 87 http://pbacv.blogspot.com.br/ (acessado dia 27/07/2014).

A definição de valores-padrão de intensidade carbônica para combustíveis automotivos e suas respectivas rotas de produção pode ser feita por instituições que já atuam em frentes similares. Conforme mencionado anteriormente, valores de intensidade carbônica podem ser consolidados numa tabela de intensidade carbônica que, nos exemplos listados na seção 3.2.5 deste capítulo, foi criada pelo órgão ambiental competente. No caso da Califórnia, por exemplo, isso ficou sob responsabilidade do Air Resources Board (ARB) do governo estadual. No programa do governo federal americano, tal incumbência coube ao órgão ambiental Environmental Protection Agency (EPA). No Brasil, seguindo abordagem similar, a definição de valores-padrão de intensidade carbônica poderia ser liderada pelo Ibama, ou ainda por outras instituições como, por exemplo, o Inmetro. Estas duas organizações, em particular, já vêm atuando em frentes similares por meio de iniciativas descritas abaixo.

“Nota Verde” (Ibama/MMA): A iniciativa “Nota Verde”, coordenada pelo Ibama, objetiva ajudar o consumo consciente ao classificar automóveis novos em relação aos níveis de emissão de “poluentes convencionais” e CO289. A iniciativa tem sua origem no Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), também coordenado pelo Ibama. O Proconve estipula níveis máximos de emissão atmosférica90 para veículos leves e pesados, que só podem ser produzidos/importados se comprovarem que atendem aos limites de emissão determinados pelo programa. Apesar de os níveis de emissões de dióxido de carbono não serem limitados pelo Proconve, o mesmo estipula que fabricantes informem ao Ibama o nível de CO2 de novos veículos. A emissão de CO2 faz parte dos dados colhidos nos ensaios de emissão para verificação do atendimento aos limites de emissão de poluentes legalmente estabelecidos. Para tanto, os ensaios de emissão são acompanhados por agente técnico conveniado ao Ibama para tanto. Os resultados dos ensaios de emissão (de poluentes – não incluindo CO2) servem de base para a homologação ou não de um veículo perante o Proconve. Os ensaios podem ser realizados em laboratórios dos próprios fabricantes ou em laboratórios de terceiros, mas conta sempre com acompanhamento de agentes técnicos conveniados ao Ibama91.

A “Nota Verde” concede de uma a cinco estrelas a veículos que conseguem desempenho abaixo dos limites máximo estabelecidos pelo Proconve. Por exemplo, veículos com emissão menor que 60% do limite máximos para poluentes convencionais (CO, NMHC e NOx) recebem três estrelas. Além disso, veículos podem também pontuar caso tenham baixo nível de emissões de CO2 (g/km).

89 Fonte: https://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/sel_marca_modelo_rvep.php (Acesso em: 1º jul. 2014). A “Nota Verde” considera poluentes convencionais: monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos não metano (NMHC) e os óxidos de nitrogênio (NOx).

90 Limites máximos de emissão são estabelecidos para: CO, hidrocarbonetos (HC), NOx, aldeídos (CHO), material particulado (MP), entre outros.

91 Fonte: Informação obtida por troca de e-mails com Márcio Beraldo Veloso, coordenador substituto do PROCONVE/PROMOT, COREM/CGQUA/DIQUA/IBAMA, em 8 jul. 2014.

Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular – PBEV (Inmetro/Conpet): Criado em 2008, o PBEV tem como objetivo proporcionar ao consumidor um instrumento para comparar a eficiência energética de veículos de uma mesma categoria, auxiliando-o a tomar uma decisão de compra informada e consciente92. Uma tabela de consumo/eficiência energética é anualmente atualizada pelo Inmetro em parceria com o Conpet (Programa Nacional da Racionalização do Uso dos Derivados do Petróleo e do Gás Natural)93. De acordo com o desempenho de veículos leves incluídos na tabela, a Etiqueta Veicular94 classifica-os em termos de sua eficiência energética (“A” para os mais eficientes e “E” para os menos eficientes). O programa, que é voluntário, conta com a participação de 36 marcas e inclui 546 modelos/versões, dos quais 147 com selo Conpet95.A partir de 2013, a tabela e a etiqueta também incluem informação sobre a emissão de CO2 (g/km). Os dados sobre emissão de CO2 divulgados pelo PBEV são aqueles declarados pelo fabricante ou importador do veículo ao PBEV96. Isso mudará a partir de 2015, quando os dados de emissão divulgados pelo PBEV serão aqueles obtidos no processo de homologação dos veículos junto ao Proconve.

A definição de valores de intensidade carbônica deve ser feita por meio de um processo de construção coletiva, que conta com a participação de um maior número possível de atores relevantes. Principalmente para a identificação do padrão das rotas de produção, será necessário o envolvimento de agentes econômicos e suas associações setoriais. No mais, é relevante considerar a participação de especialistas, instituições de ensino e pesquisa, redes empresariais, organizações não governamentais, além do conjunto de instituições governamentais com atuação no setor dos transportes.

Destinação do produto de arrecadação da Cide, de acordo com a Lei no 10.636/2002: A arrecadação que resultará do restabelecimento da cobrança da Cide pode ser destinada para subsidiar tecnologias e/ou processos de baixo carbono. Desse modo, o desenho aqui proposto atuará simultaneamente em duas

92 Fonte: http://www2.inmetro.gov.br/pbe/novidades_detalhe.php?i=Mw (Acesso em: 3 jul. 2014).

93 O CONPET é um programa do governo federal, criado em 1991, por decreto presidencial, para promover o desenvolvimento de uma cultura de uso consciente dos recursos naturais não renováveis brasileiros. O programa tem vínculo com o MME e é executado com apoio técnico e administrativo da Petrobras. Fonte: http://www.conpet.gov.br/ (Acesso dia 3 jul. 2014).

94 Mais informações sobre a Etiqueta Veícular podem ser encontradas em: http://pbeveicular.petrobras.com.br/Arquivos/Explicacao_Etiqueta_Veicular.pdf?dt=2071 (Acesso dia 7 jul. 2014). 95 O Selo CONPET de Eficiência Energética é concedido apenas aos modelos que atingem graus máximos de eficiência energética na Etiqueta do INMETRO. Fonte: http://www.conpet.gov.br/ (Acesso dia 3 jul. 2014).

96 A Portaria Conjunta IBAMA/INMETRO no 2/2010 uniu os indicadores ambientais que compõem a Nota Verde e os indicadores de eficiência energética do PBEV. De acordo com esta portaria, os indicadores de poluentes da Nota Verde (CO, NMHC e NOx) passam a ser também divulgados pelo PBEV. Ainda de acordo com a portaria, os dados sobre emissão de CO2 divulgados pelo PBEV são aqueles declarados pelo fabricante ou importador do veículo ao PBEV.

frentes de mitigação: (1) incentivos tributários para combustíveis de baixo carbono e (2) direcionamento do produto de arrecadação da Cide para a implementação de medidas de mitigação no setor dos transportes. Se a cobrança da Cide for restabelecida, é possível destinar parte dos recursos arrecadados para:

Subsídios para tecnologias de baixo carbono: Recurso utilizado para incentivar combustíveis de baixo carbono não incluídos na Cide-Combustíveis, porém listados na Tabela de Intensidade Carbônica. Quanto menor for a posição do combustível na tabela, maior serão as justificativas para efetuar o repasse. Incentivos podem ser direcionados aos combustíveis de baixo carbono ainda não competitivos. Com base no art. 4º da Lei nº 10.636/2002, tais subsídios devem ser administrados pelo Ministério do Meio Ambiente e podem abranger o conjunto de ações listadas neste mesmo art. 4º.

Ações que visem minimizar os impactos da tributação sobre a inflação, proporcionando ainda uma redução de impactos ambientais: Um exemplo já citado é o subsídio de tarifas de transporte público, para assim compensar os efeitos sobre a inflação, que pode aumentar em decorrência do encarecimento de determinados combustíveis. Esta abordagem tem embasamento legal, pois pode ser desenvolvida em consonância com os critérios de destinação da Cide listados no art. 6º da Lei nº 10.636/2002.